domingo, 24 de junho de 2018

ARGUMENTAÇÃO INVENCÍVEL - Vincent Cheung


"Toda cosmovisão tem um ponto de partida ou primeiro princípio do qual o resto do sistema é derivado. Algumas pessoas reivindicam que uma cosmovisão pode ser uma rede de proposições mutuamente dependentes sem um primeiro princípio. Contudo, isso é impossível, pois tal concepção de uma cosmovisão em si mesmo requer, antes de tudo, uma justificação epistemológica, a qual provavelmente seria o seu ponto de partida. Se esse ponto de partida carece de justificação, então cada proposição na rede carece de justificação. A reivindicação de que elas dependem uma das outras não ajuda de forma alguma, mas somente significa que todas elas caem juntas. Numa rede de proposições, algumas proposições seriam mais centrais para a rede, a destruição da qual destruiria as proposições mais afastadas do centro. Mas até mesmo as reivindicações mais centrais requerem justificação, e uma cosmovisão na qual as proposições dependam umas da outras duma forma que careça um primeiro princípio está, na análise final, exposta como não tendo nenhuma justificação de forma alguma. A reivindicação de que uma cosmovisão pode ser uma rede de proposições mutuamente dependentes sem a necessidade de um primeiro princípio é realmente uma tentativa de evitar o fato de que todas as proposições em tal rede carecem de justificação.

Portanto, permanece que toda cosmovisão requer um primeiro princípio ou autoridade última. Sendo primeiro ou último[29], tal princípio não pode ser justificado por qualquer autoridade prévia ou maior; de outra forma, ele não seria o primeiro ou último. Isso significa que o primeiro princípio deve possuir o conteúdo para se justificar. Por exemplo, a proposição “Todo conhecimento vem da experiência sensorial” falha em ser um primeiro princípio sobre o qual uma cosmovisão pode ser construída. Isso é porque se todo conhecimento vem da experiência sensorial, então isso propõe que o primeiro princípio deve também ser conhecido somente pela experiência sensorial, mas antes de justificar o princípio, a confiabilidade da experiência sensorial não tem sido estabelecida ainda. Assim, o princípio gera um círculo vicioso e auto-destrutivo. Não importa o que possa ser deduzido validamente de tal princípio — se o sistema não pode sequer começar, o que se segue do princípio é sem justificação.

É impossível também começar uma cosmovisão com um primeiro princípio autocontraditório. E isso porque as contradições são ininteligíveis e sem significado. A lei da contradição declara que “A não é não-A”, ou que algo não pode ser verdade e não-verdade ao mesmo tempo e no mesmo sentido. Uma pessoa deve assumir essa lei mesmo na tentativa de rejeitá-la; de outra forma, ele não pode nem mesmo distinguir legitimamente entre aceitar e rejeitar essa lei. Mas uma vez que ele a assuma, ele não mais pode rejeitá-la, visto que ele já a assumiu. Se dissermos que a verdade pode ser contraditória, então podemos dizer também que a verdade não pode ser contraditória, visto que já abandonamos a distinção entre poder e não poder. Se não afirmamos a lei da contradição, então cachorros são gatos, elefantes são ratos, “Eu vejo Jane correr” pode significar “Eu casei”, e “Eu rejeito a lei da contradição” pode significar “Eu afirmo a lei da contradição”, ou até mesmo “Eu sou um idiota”. Se não é verdade que “A não é não-A”, qualquer coisa pode significar qualquer coisa e nada ao mesmo tempo, e nada é ininteligível.

Visto que nenhum primeiro princípio pode contradizer a si mesmo, devemos rejeitar o ceticismo epistemológico, porque ele é auto-contraditório. Quando usado no sentido filosófico, “cético” refere-se àquele que mantém que “nenhum conhecimento é possível... ou que não há evidência suficiente ou adequada para dizer que qualquer conhecimento é possível”.[30] Ambas as expressões de ceticismo são auto-contraditórias — um reivindica saber que não pode saber nada, e o outro reivindica saber que há evidência inadequada para saber alguma coisa. Se uma pessoa reivindica que ninguém pode saber se alguém pode saber alguma coisa, então ela já está reivindicando saber que ninguém pode saber se alguém pode saber alguma coisa, e assim, contradiz a si mesma.

Os primeiros princípios são indefensáveis, e o ceticismo total é auto-contraditório, e assim indefensável. Isso significa que um primeiro princípio adequado deve garantir a possibilidade do conhecimento. Mas em adição para fazer o conhecimento meramente possível, ele deve também fornecer uma quantidade adequada de conhecimento. Por exemplo, “Meu nome é Vincent” pode ser uma declaração verdadeira, mas ela não me diz nada sobre a origem do universo, ou se roubar é imoral. Ela nem mesmo me dá o conceito de “origem” ou
“moralidade”. Em adição, embora ela possa ser uma declaração verdadeira, como eu sei, antes de tudo, que ela é verdadeira? A proposição “Meu nome é Vincent” não prova que meu nome é realmente Vincent; ela não se justifica. Portanto, um primeiro princípio é inadequado se ele falha em fornecer informação concernente à epistemologia, metafísica e ética, e se ele falha em se justificar.

Por pelo menos as razões acima, um primeiro princípio não pode ser baseado na indução, no qual a premissa não leva inevitavelmente à conclusão, tal como o raciocínio a partir do particular para o universal. Por exemplo, nenhuma quantidade de investigação empírica pode justificar a proposição “Todo ser humano tem um cérebro”. Para estabelecer uma proposição geral como essa por meios empíricos, uma pessoa deve examinar todos os seres humanos que já viveram, que estão vivos agora, e visto que essa é uma proposição sobre os seres humanos, ele deve examinar também todos os seres humanos que viverão no futuro. Além do mais, enquanto ele estiver examinando os seres humanos numa parte do mundo, ele deve de alguma forma se assegurar que a natureza do homem não mudou naquelas partes do mundo cujos seres humanos ele já estudou.

Em adição, como ele prova que sabe que um dado ser humano tem uma mente simplesmente porque ele pensa que está olhando para ele? Ele deve fornecer justificação para tal reivindicação de que ele sabe que algo está ali simplesmente porque ele pensa que ele está olhando para ele. Mas seria viciosamente circular dizer que ele sabe que algo está ali simplesmente porque ele pensa que ele está olhando para ele, pois o que ele pensa que está olhando está realmente ali, e ele sabe que ele está realmente ali porque ele pensa que ele está olhando para ele. Adicionado à situação agora já impossível, para provar essa proposição geral sobre os seres humanos pelo empirismo e indução, ele deve também examinar seu próprio cérebro.

Sobre a base da indução, seria impossível definir um ser humano visto que, antes de tudo, o conceito de um ser humano é também universal. De fato, sobre a base da indução, uma pessoa nunca pode estabelecer qualquer proposição, para não dizer uma proposição universal como “Todos os homens são mortais”

Algumas pessoas tentam salvar a indução dizendo que, embora ela não possa conclusivamente estabelecer qualquer proposição, ela pode pelo menos estabelecer uma proposição como provável. Mas isso seria tanto enganoso como falso. Probabilidade refere-se à “relação dos números de realizações numa série exaustiva de realizações igualmente prováveis que produzem um dado evento ao número total de realizações possíveis”.[31] Mesmo que concedamos que os métodos empíricos e indutivos possam descobrir o numerador da fração (embora eu negue que eles possam sequer fazer isso), determinar o denominador requer conhecimento de um universal, e a onisciência é freqüentemente necessária para estabelecer isso.

Visto que a probabilidade consiste de um numerador e um denominador, e visto que o denominador é um universal, e visto que os métodos empíricos e indutivos não podem conhecer denominadores universais, então dizer que a indução pode chegar a um conhecimento “provável” é absurdo. Mesmo a parte de outros problemas insolúveis inerentes ao próprio empirismo, uma epistemologia que é baseada sobre um princípio empírico não pode ter sucesso, visto que o empirismo necessariamente depende da indução, e a indução sempre é uma falácia formal.

Por outro lado, a dedução produz conclusões que são garantidas serem verdadeiras se as premissas são verdadeiras e se o processo de raciocínio é válido. Embora o racionalismo seja menos popular, ele é um tremendo aprimoramento sobre o empirismo, pois ele raciociona usando dedução ao invés de usar métodos empíricos e indutivos. Mas ainda, o racionalismo não-cristão não pode ter sucesso ao estabelecer uma cosmovisão verdadeira e coerente, e nós examinaremos brevemente alguns dos seus problemas.

O racionalismo seleciona um primeiro princípio (ou como na geometria, começa com um ou mais axiomas) e deduz o resto do sistema a partir dele. Se o primeiro princípio é verdadeiro e o processo de raciocínio dedutivo é válido, então as proposições ou teoremas subsidiários seriam todos necessariamente verdadeiros. Um problema principal com o racionalismo tem a ver com como ele seleciona um primeiro princípio.[32] Se o primeiro princípio proposto é auto-contraditário, então certamente ele deve ser rejeitado. Mas mesmo que o princípio proposto não seja auto-contraditório, ele deve também ser auto-justificatório para evitar a acusação de ser arbitrário. Embora eu diga que somente o primeiro princípio bíblico seja auto-justificatório, mesmo que um primeiro princípio não-bíblico proposto seja auto-consistente e auto-justificatório, ele deve ser amplo o suficiente para fazer o conhecimento possível. Ele deve conter conteúdo suficiente de forma que alguém possa deduzir uma cosmovisão adequada dele.

Assim, colocar a proposição “Meu nome é Vincent” como o primeiro princípio numa cosmovisão racionalista resultaria nas falhas mencionadas anteriormente.

Ainda outro problema com o racionalismo não-revelacional é que há várias escolas de sistemas racionalistas, e seus pontos de partida são todos diferentes e incompatíveis. Qual é correto? Uma cosmovisão racionalista com um primeiro princípio arbitrário não pode ser bem sucedida. Embora a abordagem racionalista dedutiva seja muito superior à abordagem empírica indutiva, ela também resulta em falha. Visto que sempre que uma pessoa usa ambas as abordagens, ela inevitavelmente introduz os problemas dessa abordagem em sua cosmovisão, uma mistura de racionalismo e empirismo não alcançaria nada mais do que uma combinação de falhas fatais de ambos os métodos.

Em adição, as proposições dentro de uma cosmovisão não devem contradizer umas às outras. Por exemplo, o primeiro princípio de uma cosmovisão não deve produzir uma proposição em ética que contradiga outra proposição em ciência.

Por esse ponto, tendo examinado as condições para um primeiro princípio adequado, os problemas do empirismo e da indução, e os problemas do racionalismo não-bíblico, já temos destruído efetivamente todos os sistemas não-cristãos existentes e possíveis. Eles simplesmente não podem satisfazer todos os requerimentos que temos listado. Isso inclui o Islamismo, o Mormonismo e as outras religiões não-cristãs que reivindicam ser fundamentadas na revelação, visto que sob exame, uma pessoa verá que suas alegadas revelações não podem satisfazer as condições relevantes.

Nossa estratégia para a apologética bíblica começa com o reconhecimento de que o Cristianismo é o único sistema dedutivo com um primeiro princípio auto-consistente e autojustificador, que tem sido infalivelmente revelado por um Deus onipotente e onisciente, e que é amplo o suficiente para fornecer um número suficiente de proposições para se construir uma cosmovisão abrangente e auto-consistente. O Cristianismo é a única cosmovisão verdadeira, e somente ele faz o conhecimento possível. Todos os outros sistemas de pensamento colapsam no ceticismo filosófico, mas visto que o ceticismo é auto-contraditório, ninguém pode permanecer em tal posição, e o Cristianismo é a única maneira de sair do abismo epistemológico.

Visto que o conhecimento é impossível sobre a base de princípios não cristãos, mas é possível somente quando pressupomos a infalibilidade bíblica como o primeiro princípio, isso significa que os incrédulos estão implicitamente pressupondo premissas bíblicas sempre que eles afirmam proposições verdadeiras. Além do mais, visto que a infalibilidade bíblica não somente é pré-condição do conhecimento, mas também a pré-condição da inteligibilidade, na realidade os incrédulos estão implicitamente pressupondo premissas bíblicas mesmo quando eles afirmam proposições falsas. De outra forma, essas proposições seriam ininteligíveis, quer verdadeiras ou falsas, e seria impossível afirmar qualquer uma delas.

Mesmo aqueles incrédulos que nunca têm aprendido os conteúdos da Escritura podem e empregam pressuposições cristãs, pois Deus implantou um número mínimo delas em cada pessoa. Todos incrédulos implicitamente pressupõem premissas bíblicas sempre que eles pensam ou falam; contudo, eles recusam admitir isso mesmo para eles mesmos. Assim, embora eles não possam escapar de seu conhecimento implícito sobre Deus, eles negam esse conhecimento em sua filosofia explícita.

Entre outras coisas, uma estratégia bíblica de apologética desafia os não-cristãos a serem consistentes com suas próprias cosmovisões e explícitas pressuposições. Visto que eles não podem fazer isso, seus edifícios intelectuais colapsam em ceticismo auto-contraditório. A única maneira de escapar é se arrepender de sua tolice e pecaminosidade, e se converterem. Essa estratégia de argumentação será bem sucedida não somente contra as filosofias seculares, mas também contra todas cosmovisões religiosas não-cristãs.

A questão de como é possível para uma pessoa saber alguma coisa é suficiente para demolir qualquer cosmovisão não-cristã. A menos que uma pessoa afirme uma série de doutrinas bíblicas abrangente, cobrindo cada aspecto da vida e do pensamento — isto é, a menos que ele afirme uma cosmovisão bíblica completa — suas crenças podem ser facilmente expostas como injustificadas, arbitrárias e inconsistentes. O não-cristão não pode nem mesmo saber qual é o primeiro princípio ou a autoridade última de sua cosmovisão, mas o apologista cristão pode procurar por ela fazendo as perguntas certas. Isso provavelmente envolverá fazer perguntas que estão diretamente relacionadas com o tópico sob discussão, seja qual ele for, e questões relacionadas ao que o não-cristão pensa sobre as questões últimas (tais como metafísica e epistemologia), que incluirão questões sobre como o não-cristão tenta justificar suas crenças.

O cristão que pressiona o não-cristão a satisfazer todas as condições necessárias de pensamento que temos listado anteriormente, descobrirá que o não-cristão não pode nem mesmo começar a responder qualquer uma das questões levantadas. Por outro lado, o cristão que entende e afirma a cosmovisão bíblica completa descobrirá que ele pode responder facilmente desafios similares em qualquer campo de inquirição.

Por exemplo, a ciência assume que a natureza é uniforme e estável, que os experimentos são repetíveis, que a física e a química serão as mesmas no próximo ano assim como o são hoje. Mas, sobre que base a ciência crê nisso? A observação empírica nunca pode justificar tal ousada suposição. Isso porque mesmo que alguém adquira conhecimento por observação, o que eu nego, permanecerá o fato que sempre que alguém considerar que a natureza permanecerá a mesma no futuro (seja no dia seguinte ou no próximo ano), é sempre verdade que ele não observou o futuro ainda.

Novamente, eu nego que alguém possa adquirir conhecimento por observação ou experiência, mas mesmo se ignorarmos isso por ora, é fútil responder que podemos afirmar que a natureza é uniforme e estável porque o futuro tem sido sempre como o passado em nossa experiência anterior. E isso porque o “futuro” nessa resposta já está no passado, e é “futuro” somente com relação a algo ainda mais passado. Nada nessa resposta endereça o nosso futuro; contudo, a questão sobre a uniformidade da natureza pertence ao futuro de nossa experiência com relação ao nosso presente, não observado ainda por nenhum ser humano.

Assim, sobre que base a ciência empírica garante que o futuro será como o passado? Se ela não pode fornecer essa garantia, então as teorias que os cientistas tão diligentemente formulam e confidentemente empregam em suas considerações, não têm realmente nenhum contato direto e necessário com a realidade. Antes do que ter algo a ver com a realidade, as teorias científicas são somente princípios que parecem ser verdadeiros com relação às suposições injustificadas dos cientistas. Pode parecer tolo questionar algo como a uniformidade da natureza, mas isso é somente porque temos assumido-a sem justificação durante todo o tempo. Se é tão obviamente verdadeiro que a natureza é uniforme e estável, e que ela permanecerá da mesma forma no dia seguinte ou no próximo ano, então, por que é tão difícil para os cientistas e filósofos demonstrar isso? A verdade é que isso não é óbvio para eles, e isso, pelos princípios básicos da cosmovisão deles, é um fato impossível de se provar. Todavia, eles continuam a assumir ilegitimamente a uniformidade da natureza, entre muitas outras coisas, e então se voltam para acusar os cristãos de serem irracionais. O problema não é que os cristãos sejam irracionais, mas que os não-cristãos são estúpidos e ignorantes.

Em todo caso, não há argumento conclusivo para qualquer uma das muitas suposições da ciência. Nesse ponto, algumas pessoas podem abandonar a certeza e responder que embora pelas premissas não-bíblicas seja impossível saber que a natureza é uniforme e estável, é pelo menos muito provável que isso seja assim. Contudo, nós já discutimos os problemas com tal reivindicação, que o conhecimento da probabilidade requer conhecimento conclusivo de uma premissa universal, algo que a ciência, o empirismo e nenhuma premissa não-bíblica nunca pode obter. Por outro lado, somente a cosmovisão cristã fornece a base para afirmar que a natureza é uniforme e estável. Gênesis 8:22 diz: “Enquanto durar a terra, plantio e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite jamais cessarão”. Certamente, nosso oponente então demandará justificação para tal reivindicação, e isso eventualmente, se não imediatamente, empurra a discussão de volta ao nosso primeiro princípio ou autoridade última. Isso não é um problema para nós de forma alguma, visto que já temos falando sobre como argüir pela infalibilidade bíblica como o único primeiro princípio adequado. Procedendo a partir da base de que o conteúdo todo da Escritura é o nosso primeiro princípio infalível, Deus nos diz por toda a Escritura que as operações da natureza permanecerão uniformes e estáveis. Visto que os cientistas e aderentes de várias cosmovisões não bíblicas não podem justificar a crença deles na uniformidade da natureza, isso significa que quando eles afirmam a uniformidade da natureza de alguma forma, eles estão de fato pressupondo uma premissa cristã, enquanto recusando admiti-la ou dar graças a Deus por ela. Se o homem é um produto da evolução, ao invés da criação, então, sobre que base o não-cristão se opõe ao genocídio ou infanticídio? Mas Êxodo 20:13 diz: “Não matarás”. Se a moralidade está fundamentada sobre a mera convenção humana ou no consentimento da maioria, ao invés de sobre a autoridade e revelação divina, então, sobre que base o não-cristão aprova uma reforma moral? Mas Atos 5:29 diz: “É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens!”. A menos que a evolução possa ser provada (e não apenas assumida), ou seja, que todos da humanidade têm evoluído a partir de uma origem comum, então, sobre que base o não-cristão afirma a unidade da humanidade e a imoralidade do racismo? Mas Atos 17:26 diz: “De um só fez ele todos os povos”.

Se os incrédulos rejeitam nossas premissas bíblicas, então, sobre que base eles afirmam os princípios éticos similares aos nossos? E por qual autoridade eles afirmam os princípios que diferem? Se as pressuposições não-cristãs não podem justificar nem mesmo as crenças mais básicas sobre assuntos essenciais tais como ciência e ética, então suas cosmovisões nãocristãs são completamente inúteis. Nós nem sequer perguntamos sobre outras coisas importantes como política, educação, música e história.

A própria Escritura reivindica que a autoridade por detrás de toda proposição bíblica é a autoridade de Deus, que demanda que todos creiam e obedeçam tudo o que ele diz; portanto, uma vez que uma pessoa usa quaisquer premissas bíblicas, ele logicamente se compromete a adotar o sistema cristão inteiro. Isto é, a menos que uma pessoa aceite a infalibilidade e inerrância de toda a Bíblia, ela não tem o direito de usar qualquer proposição bíblica. Por qual autoridade ela julga algumas proposições bíblicas como verdadeiras e outras como falsas?

Se ela usa ou reivindica usar uma prévia autoridade ou princípio não-bíblico pelo qual ela avalia cada proposição bíblica, então ela está de fato se submetendo a essa autoridade ou princípio em sua epistemologia, ao invés da Bíblia, e é a partir dessa autoridade ou princípio que ela deve derivar o resto do seu sistema. Se ela não pode derivar uma proposição necessária ou obrigatória dessa autoridade ou princípio, e essa proposição necessária ou obrigatória é encontrada ou justificada somente na Escritura, então a cosmovisão não-bíblica dessa pessoa fracassa. Se ela adota uma autoridade ou princípio não-bíblico pelo qual ela deva derivar o resto de seu pensamento, e essa autoridade ou princípio não fornece a proposição necessária ou obrigatória, mas essa proposição é somente encontrada ou justificada na Escritura, então ela não tem nenhum direito racional de adotar essa proposição necessária ou obrigatória a partir da Escritura, pois isso envolveria um salto irracional e ilegítimo do que é dedutível a partir de sua autoridade ou princípio para uma proposição bíblica.

Portanto, alguém que assume um primeiro princípio empírico é consistente consigo mesmo quando ele avalia a Escritura com métodos empíricos, mas ele deve produzir também uma explicação de ética sobre essa mesma base empírica, sem tomar emprestadas quaisquer premissas bíblicas. Mas certamente, ele não pode justificar, antes de tudo, seu princípio empírico, de forma que sua avaliação empírica da Escritura e de qualquer coisa que ele deriva a partir desse princípio é completamente insignificante.

Toda proposição bíblica pressupõe a infalibilidade da Escritura. Se alguém usa qualquer premissa bíblica, ele deve aceitar a autoridade auto-atestadora por detrás dessa premissa, ou deixar sem justificação o uso dela. Visto que ele não tem justificação para o uso da premissa bíblica, o cristão tem o direito racional de tomá-la dele no curso da discussão e do debate. Mas se essa premissa bíblica é necessária para manter a cosmovisão do nosso oponente, e se ele não tem nenhuma justificação para retê-la, então sua cosmovisão colapsa. Alguns cristãos podem argumentar confidentemente contra o ateísmo, mas acham difícil desafiar outras religiões, especialmente aquelas que reivindicam ter epistemologias revelacionais. Contudo, reivindicar ter uma revelação divina é fútil, a menos que a revelação seja real, e é a alegação do cristão que todas as revelações dos sistemas não-cristãos são falsas. Visto que os sistemas de pensamento religiosos são cosmovisões tanto quanto as filosofias seculares, podemos argüir contra as religiões não-cristãs assim como argüimos contra qualquer cosmovisão nãocristã.

Mesmo que uma cosmovisão reivindique ter uma epistemologia revelacional, a menos que ela seja um sistema completo e bíblico, ela não pode responder as questões e satisfazer os requerimentos que temos discutido. As questões e desafios que lançamos contra essas religiões não-cristãs são as mesmas em tipo quando argumentamos contra as outras cosmovisões não-cristãs, embora as palavras possam diferir dependendo do contexto do sistema do oponente e do contexto do debate. Baseado sobre a autoridade última dessa religião não-cristã, algum conhecimento é possível? Há auto-contradições inerentes no primeiro princípio ou nas proposições subsidiárias dessa religião? Há premissas bíblicas emprestadas? Se a religião reivindica reconhecer ou seguir o Antigo e o Novo Testamento, o seu conteúdo, contudo, contradiz os mesmos?

Algumas religiões tomam emprestado ou adicionam algo ao Cristianismo, mas visto que suas crenças contradizem o Cristianismo, e visto que o Cristianismo reivindica ser a única verdade, isso significa que elas são de fato religiões não-cristãs, de forma que podemos argüir contra elas como tal. O próprio Cristianismo reivindica ser a revelação final, de forma que ele não permite suplementos, revisões ou atualizações. Portanto, se uma religião reivindica suplementar, revisar ou atualizar o Cristianismo, ela contradiz o Cristianismo e se torna uma religião não-cristã. Algumas vezes os “profetas” dessas religiões reivindicam ser os novos e últimos mensageiros de Deus após Cristo, até mesmo revisando e atualizando os ensinamentos de Cristo. Contudo, visto que Cristo é Deus, nenhum profeta pode substituí-lo ou contradizê-lo — não pode haver um profeta superior ou mais autoritativo do que Cristo. Embora Deus possa certamente completar sua própria revelação, ele não pode contradizer o que ele disse antes com novas revelações. O Antigo Testamento predisse a nova aliança, e Cristo veio para instituí-la e confirmá-la. Então, ele comissionou diretamente seus apóstolos para completar a revelação divina de Deus para nós, e após isso o Novo Testamento desaprova qualquer revelação adicional (Judas 3). Visto que a Escritura está completa, todas as religiões não-cristãs não têm o direito de reivindicar apoio bíblico.

Muitas pessoas que são ignorantes sobre religiões pensam que a maioria ou todas as religiões são muito similares. Certamente, algumas delas devem saber mais, mas porque elas são estúpidas e más (Romanos 1), elas recusam ver as claras diferenças entre o Cristianismo e outras religiões. Por exemplo, elas podem pensar que o Cristianismo e o Islamismo são muito similares, mas na verdade esses dois sistemas de pensamento contradizem um ao outro no nível mais fundamental. O Cristianismo afirma a Trindade, mas o Islamismo a rejeita. O que o Cristianismo afirma sobre Deus permite o conhecimento sobre Deus, mas o que o Islamismo afirma sobre Deus faz dele uma deidade incognoscível.

Após apontar as diferenças principais e essenciais, alguém pode continuar a realizar uma crítica interna dessa religião. O Islamismo tem uma hermatologia, ou doutrina do pecado, de forma que é relevante discutir sua soteriologia, ou doutrina da salvação. O Islamismo tem uma soteriologia adequada e coerente? Ou ele falha, como o Catolicismo, Mormonismo, Budismo e Arminianismo? A sua soteriologia satisfaz e responde sua hermatologia? Sua hermatologia é coerente com sua antropologia, ou sua doutrina do homem? Sua antropologia flui de sua teologia apropriada, ou sua visão sobre Deus? O cristão logo descobrirá que o Islamismo fracassa em cada ponto em seu sistema, incluindo todos os pontos de partida importantes da epistemologia. Sob investigação, ele facilmente colapsa assim como todas as cosmovisões não-cristãs, quer seculares, quer religiosas.

Nesse capítulo eu delineei uma estratégia de apologética bíblica na qual alguém pode usar cada proposição e evento concebível como evidência para a verdade do Cristianismo e para demolir qualquer cosmovisão não-cristã. Muitas pessoas necessitarão de direção e reflexão adicional antes de aprenderem a demolir rapidamente e efetivamente todos os não-cristãos em algum debate.33 Todavia, esse método de argumentação, tendo sido derivado a partir de um conteúdo e autoridade da Escritura, permite até mesmo que uma criança, a quem tem sido ensinada a teologia cristã, humilhe absolutamente os maiores cientistas e filósofos não-cristãos.

A Escritura chama todos os não-cristãos de estúpidos e maus, e realmente nós também éramos assim antes de sermos convertidos pela graça soberana de Deus. Mas mesmo agora que temos sido iluminados por Deus, nós não desafiamos nossos oponentes em argumentação pela sabedoria ou eloqüência humana, mas é o conteúdo genuinamente superior da fé cristã que triunfa sobre todas as cosmovisões não-cristãs. Como Paulo diz: “Onde está o sábio? Onde está o erudito? Onde está o questionador desta era? Acaso não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?... Porque a loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria humana, e a fraqueza de Deus é mais forte que a força do homem” (1 Coríntios 1:20,25).

Quando seguirmos a estratégia bíblica para a apologética, estaremos confrontando os nãocristãos com a sabedoria de Deus antes do que com a mera sabedoria humana, e nossa vitória é certa. Assim, o fracasso das filosofias seculares é total; a derrota das religiões não-cristãs é completa.

NOTAS:

[24] Mesmo com essas formas e categorias mentais, o conhecimento ainda não pode vir da sensação. Veja meus escritos sobre os problemas do empirismo.

[25] Veja Augustine, De Magistro.

[26] Aqueles que nunca ouviram o evangelho são, todavia, condenados por rejeitar o que eles já conhecem pelo
seu conhecimento inato de Deus. Além da informação requerida para salvação, várias outras doutrinas bíblicas estão ausentes desse conhecimento inato, tais como ensinos bíblicos sobre governo da igreja e segunda vinda. Até mesmo o que é parte desse conhecimento inato, claro o suficiente para tornar uma pessoa culpável, é freqüentemente obscurecido e distorcido pelos efeitos noéticos do pecado. Portanto, embora o homem realmente
possua conhecimento inato específico e detalhado sobre Deus, a Escritura é necessária.

[27] The Book of Confessions; Louisville, Kentucky: Presbyterian Church, USA, 1999; p. 195.

[28] Merriam-Webster's Collegiate Dictionary, Tenth Edition; Springfield, Massachusetts: Merriam-Webster, Incorporated, 2001; "weltanschauung." The Cambridge Dictionary of Philosophy, Second Edition: "Uma cosmovisão constituí uma perspectiva sobre a vida que resume o que sabemos sobre o mundo”;; New York:
Cambridge University Press, 2001; "Wilhelm Dilthey," p. 236.

[29] Nota do tradutor: “Último” no sentido de fundamental, decisivo, supra-sumo, supremo.

[30] The Cambridge Dictionary of Philosophy, “Céticos”, p. 850

[31] Merriam-Webster, “probabilidade”.

[32] Algumas pessoas consideram o racionalismo uma abordagem que rejeita toda revelação sobrenatural desde o
princípio, e isso é deveras verdade de alguns sistemas racionalistas. Mas como uma abordagem para o conhecimento, o racionalismo não inclui uma rejeição inerente de revelação; antes, se ele aceita ou rejeita a revelação depende do primeiro princípio selecionado a partir de um sistema racionalista particular.

[33] Para mais sobre apologética bíblica, veja Vincent Cheung, Confrontações Pressuposicionalistas.

Extraído de QUESTÕES ULTIMAS, pp. 15-25.

Tradução: Felipe Sabino
Primeira edição em português: Agosto de 2005

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