quarta-feira, 11 de julho de 2018

OCASIONALISMO E EMPIRISMO[11] – Vincent Cheung

- A -

O que você acha de alguém (um materialista) que diz que o mesmo conceito pode estar localizado em duas localizações espaço-temporais? Isso acontece porque o cérebro é como um computador que copia o programa de outro computador. Assim, quando eu falo, as ondas sonoras entram nos seus ouvidos e o seu cérebro copia o conceito que eu tinha na cabeça.



Eu esperaria que um materialista dissesse isso - parece seguir visão dele da realidade. Eu posso desafiá-lo diretamente neste ponto, mas também posso exigir justificação para premissas que são logicamente anteriores a isso.

Por exemplo, eu não creio (1) que um "conceito" seja físico, nem (2) que os cérebros "pensem", de modo algum. Em vez disso, o pensamento ocorre na mente incorpórea e a mente continua a pensar quando se separa do corpo na morte. Agora, suponha que eu desafie o materialista em (2). Se ele assumir a confiabilidade da ciência e do empirismo em sua tentativa de provar que os cérebros pensam, então eu desafiarei a ciência e o empirismo. Minha própria posição sobre esse assunto de pensamentos e conceitos é uma versão do ocasionalismo, de modo que posso evitar todos os problemas que apresento contra o materialista.

Se o ponto de sua pergunta é sobre comunicação no esquema materialista, então é melhor desafiar imediatamente o empirismo. Se é possível que duas pessoas se comuniquem sob o esquema do materialismo, então, quando ocorre a comunicação, haveria duas cópias físicas do mesmo pensamento. No entanto, eu nego que a comunicação seja possível sob o materialismo, então o materialista precisará primeiro provar que a comunicação seja possível por uma epistemologia empírica - isto é, mesmo se ignorarmos por enquanto que o materialismo seja verdadeiro, que os pensamentos sejam físicos, e que o cérebro possa pensar.

Quanto ao ocasionalismo,
uso a expressão "na ocasião" para descrever as relações epistemológicas e metafísicas,  mais do que o termo "ocasionalismo". Muitos iniciantes leem meus livros e não teriam ideia do que o termo significa, então eu frequentemente expando a frase para usar a explicação ou o significado do termo em vez do próprio termo.

Minha posição é que a providência de Deus inclui o controle completo de tudo sobre tudo, o que significa que Ele deve ser o único poder que controla toda a comunicação e aquisição de conhecimento. Usando o cérebro como uma ilustração, se existe alguma relação entre o cérebro e o pensamento, isso significaria que, na ocasião em que Deus causa um pensamento na mente, Ele também causa atividade no cérebro; e na ocasião em que Ele causa atividade no cérebro, Ele também causa um pensamento na mente. O cérebro não tem uma relação necessária e consistente com o pensamento - o pensamento pode ser feito à parte dele. Na morte, Deus separa a mente de uma pessoa de seu corpo e, portanto, também de seu cérebro. Deus continua a causar pensamentos na mente da pessoa, mas naquelas ocasiões em que Ele faz isso, Ele não causa mais nenhuma atividade correspondente no cérebro que costumava estar associada à mente dessa pessoa.

Jonathan Edwards afirmou uma forma de ocasionalismo, e também Malebranche, bem como vários outros pensadores cristãos. Você pode ver Calvino, Lutero, etc., às vezes dizendo coisas que soam como ocasionalismo. Em todo caso, não é importante quem o afirma ou quem o rejeita. Ele é nada menos do que uma implicação necessária e uma aplicação consistente da doutrina bíblica da providência.

- B -

Por que você negaria a comunicação para eles? É porque, quando você se comunica, você está comunicando proposições e proposições não são materiais, de modo que a mesma proposição não pode estar em mais de uma localização espaço-temporal?


Essa seria a razão logicamente anterior - eu nego que as proposições sejam materiais.

Mas mesmo se ignorarmos os problemas anteriores, eles ainda precisam mostrar que podem se comunicar falando e ouvindo. Quer as proposições sejam materiais ou não, eles precisam me dar uma prova lógica mostrando que quando alguém ouve uma proposição falada, ele realmente ouve o que é falado. Ou seja, eles precisam de uma prova para o empirismo.

- C -

(1) Agora eles provavelmente diriam que sua resposta é autorefutadora, já que você teve que usar sua boca física para fazer a pergunta, e você assumiu que meus ouvidos a ouviriam. Neste ponto você negaria isso em favor do seu ocasionalismo, certo?

(2) Por outro lado, eu poderia dizer que dentro da minha cosmovisão, Deus fez nossas bocas para se comunicar e nossos ouvidos para receber informações, mas dentro da cosmovisão e pelo empirismo dele, como ele saberia que está realmente ouvindo o que é falado? Neste momento, ele provavelmente iria reafirmar a conclusão de que ele sabe disso porque ele respondeu à minha pergunta.



(1) Ocasionalismo é minha resposta positiva - descreveria minha compreensão do que acontece na comunicação. Mas não preciso o mencioná-la primeiro.

Em vez disso, posso primeiro salientar que o materialista argumenta em círculo, assumindo um mundo físico sem justificação. Eu posso ilustrar esse problema empurrando o debate para um mundo puramente mental. Isto é, posso sugerir que podemos estar tendo a conversa em um sonho ou em algum estado puramente mental. Como sabemos que não estamos? Faz-se questão de dizer que sabemos que estamos no mundo físico porque estamos usando órgãos físicos para falar e ouvir, porque podemos estar falando e ouvindo em um mundo puramente mental, caso em que não há órgãos físicos envolvidos. Como, por definição, o materialista precisa constantemente do mundo físico em sua filosofia, ele não pode prosseguir até que forneça a justificativa racional que eu demando.

Por outro lado, todos os meus princípios básicos estão intactos, e minha cosmovisão está imune e sem danos, já que na minha cosmovisão, o mundo físico é deduzido de um princípio não físico. Assim, posso negar que estou necessariamente usando minha boca física quando pergunto ou respondo qualquer coisa - o materialista terá que provar isso para mim.[12]

Então, quando sugiro que possamos estar tendo a conversa em um mundo puramente mental, isso desafia a suposição de que estamos necessariamente operando em um mundo físico. Se a filosofia do oponente não pode sobreviver em um mundo puramente mental, ou se ele não pode, pela argumentação racional, reintroduzir um mundo físico na conversa uma vez forçado a adentrar um mundo puramente mental, então ele perde o debate.

(2) Visto que você segue Van Til, eu suponho que você queira formular uma resposta que seja consistente com sua filosofia. Não posso ajudá-lo com isso, porque não o sigo e não acho que uma boa resposta possa surgir da filosofia dele. Isso porque, na melhor das hipóteses, ele adia a adoção do empirismo por um passo lógico, afirmando que as pressuposições bíblicas podem explicar a confiabilidade das sensações. Mas mostrei em outro lugar que as sensações não são inerentemente confiáveis, de modo que nada pode justificá-las ou explicá-las. Além disso, uma vez que a filosofia dele assume que as sensações são necessárias para acessar essas pressuposições bíblicas em primeiro lugar, de fato, ele abraça o empirismo dsde o princípio. Portanto, sua filosofia está fadada ao fracasso imediato e completo, não menos que a filosofia do materialista ou empirista.

Seu argumento faz uma inferência falsa da Bíblia. A Bíblia, de fato, ensina que Deus criou nossos corpos e órgãos; no entanto, só porque Deus fez a orelha, não significa que suas habilidades e propósitos sejam o que você pensa que são. A própria Escritura mostra que os olhos e ouvidos estão frequentemente equivocados, e as pessoas que supostamente veem e ouvem as mesmas coisas frequentemente chegam a conclusões diferentes, ou discordam sobre o que estão vendo e ouvindo (2 Reis 3: 20-22; João 12: 27-29).

Todos os problemas com o empirismo permanecem para você. Mesmo se você começar a partir de pressuposições bíblicas, não há como mostrar, em qualquer circunstância, se a sua sensação é correta. Mesmo se você começar a partir de pressuposições bíblicas, você ainda não poderá resgatar o que é inerentemente irracional e logicamente impossível.

Com o ocasionalismo, não há problema. Os ouvidos, na melhor das hipóteses, fornecem a ocasião na qual Deus se comunica diretamente com a minha mente - na ocasião da sensação, mas independente da sensação. Além disso, Ele é quem controla tudo sobre a ocasião e a comunicação.

É improvável que um materialista pense nisso e exponha-o. Como ele próprio é empirista, é improvável que ele te desafie sobre o empirismo. Portanto, a questão principal não é a dos vencedores de debates, mas a da verdade e honestidade.

- D -

(1) Como você sabe que não está sonhando?

(2) Seria falacioso para meu oponente argumentar que, uma vez que as sensações às vezes são equivocadas, que elas estejam sempre erradas. Ou, seria falacioso dizer que, se às vezes você não pode saber se suas sensações estão funcionando corretamente, portanto, você nunca pode saber se elas estão funcionando corretamente.


(1) Eu poderia estar sonhando, e isso não prejudicaria minha Cosmovisão, e todos os meus princípios básicos permaneceriam intactos. Esse é o ponto. Mas posso estar sonhando e ainda afirmar que existe um mundo físico, não porque confio em minhas sensações, mas porque a Bíblia revela isso para mim.

Por outro lado, minhas sensações sentem o mesmo para mim quando penso estar sonhando como quando penso que não estou sonhando; assim, por minhas sensações, não posso confirmar com segurança se estou ou não sonhando. Mesmo que minhas sensações sejam diferentes quando penso que estou sonhando como quando penso que não estou sonhando, como sei que estou realmente sonhando quando penso que estou sonhando; e que não estou sonhando quando penso que estou sonhando?  Talvez eu as tenha no sentido reverso, de modo que, quando me sinto de certa forma e penso que estou sonhando, devo realmente pensar que não estou sonhando quando me sinto assim, e vice-versa.

Mas desde que eu rejeito o empirismo, isso representa nenhum problema.

(2) A menos que você possa mostrar como você sabe, em determinada circunstância, se essa sensação particular é ou não confiável, então você não pode justificar um critério que lhe permita confiar em qualquer ocorrência de sensação.

Da mesma forma, seu oponente não precisa mostrar que suas sensações nunca estão funcionando corretamente. Contanto que você não possa mostrar infalivelmente se eles estão funcionando corretamente em cada ocorrência. Um reconhecimento geral de que elas podem funcionar corretamente é inútil, já que você ainda não sabe se elas estão funcionando corretamente em todas as ocorrências. Além disso, o que significa as sensações funcionarem "corretamente"? Se as sensações funcionarem corretamente implica sua confiabilidade na obtenção de conhecimento, então isso apenas argumenta em círculo.


- E -

Mas eles poderiam dizer que, uma vez que seus sonhos são falsos ( ou seja, um grande monstro te perseguindo ), como você sabe que está comunicando a verdade? Você provavelmente diria que negar sua cosmovisão, seja em um sonho ou não, resultaria em irracionalidade, e que as leis da lógica, a inferência necessária, etc., também permanecem nos sonhos.



Eu afirmo as coisas que acredito não pelo que "vejo", seja no mundo físico ou mental (ou num sonho), mas por causa da revelação divina e da necessidade lógica.

Seria conveniente que um empirista fizesse essa pergunta sobre sonhos. Seria, de fato, um desafio contra ele e não contra mim. A menos que ele possa responder a sua própria pergunta, isso significaria que não devemos confiar no que sentimos quer estejamos ou não em um sonho. Isso fornece ainda outra ilustração da impossibilidade de obter qualquer conhecimento pela sensação.

Em todo caso, o contraste real não é entre o estado de sonho e o estado de não sonho, mas entre um mundo puramente mental e um mundo físico. Eu me refiro a um sonho apenas para facilitar a visão de um mundo puramente mental.

Além disso, precisamos tratar sobre o que significa "real". Se um monstro me persegue em um mundo puramente mental, ou em um sonho, então isso é o que é "real" no mundo puramente mental ou no sonho. Isto é, é realmente verdade que um monstro está me perseguindo no sonho.

Por outro lado, a questão parece implicar que, se algo não acontece no mundo físico, então não é "real", mas isso é argumentar em círculo.


- F -

Eu diria que (1) Deus nos fez dessa forma e (2) é assim que normalmente agimos. (3) É preciso haver um ambiente adequado de modo que, se eu estivesse drogado, com pouca luz, privado de sono, etc., então eu não teria dificuldade em dizer que estava enganado sobre alguma observação trivial, mas as sensações são geralmente confiáveis.


(1) Sua posição é a mesma do materialista e do empirista. A diferença é que você recorre a Deus como uma "justa" defesa para sua epistemologia indefensável. Você precisa mostrar a partir das Escrituras que Deus nos fez "dessa forma". Não é suficiente mostrar apenas que Deus fez os olhos e os ouvidos, mas você deve mostrar que eles fazem o que você afirma que eles fazem, que você pode obter conhecimento através deles através da sensação - através de alguma função inerente a eles - e que você saberia, em qualquer ocorrência, porquê esse exemplo de sensação é confiável.

(2) É argumentar em círculos de dizer que normalmente agimos de uma certa forma, quando a forma como normalmente agimos é uma das coisas em discussão. Sua declaração pressupõe que o conhecimento normalmente vem por sensações, ou que as sensações são geralmente confiáveis. Mas isso é exatamente o ponto que nós discordamos.

Além disso, mesmo se normalmente agirmos de determinada forma, isso não prova que estamos corretos. Eu posso justamente dizer que estamos normalmente errados.

(3) Você terá que mostrar que a Escritura ensinam que as sensações são confiáveis ​​sob certas condições, e que não é confiável sob essas outras condições litadas por você. Já que você alega que as Escrituras são explicadas ​​pelas sensações, então você precisa mostrar como isso as explica.

Você não pode fazer sua afirmação sobre essas condições se você as "descobriu" por suas sensações em primeiro lugar, uma vez que isso levanta a questão. Isto é, como você sabe que as drogas afetam suas sensações? Você não pode alegar saber isto pela sensação se ainda tiver que estabelecer a confiabilidade da sensação. Como você sabe que a iluminação afeta a confiabilidade das sensações? Na verdade, como você sabe que a iluminação é boa ou ruim em uma sala? Talvez a iluminação seja boa (o que é boa?), mas você é que está ficando cego.

Além disso, mesmo que as Escrituras digam que as sensações são confiáveis ​​sob certas condições, e que elas não são confiáveis ​​sob outras, você ainda deve ter uma forma de descobrir em que tipo de condição você está atualmente. Se você usa sensações para descobrir em que condição está, a fim de determinar se suas sensações atuais são confiáveis, então é argumentar em círculos.

- G -

(1) A faca corta dos dois lados e você precisa mostrar a partir das Escrituras todas as coisas que você afirma e me contradizer com elas.

(2) Além disso, acho que você teria que negar algumas coisas do senso comum, de modo que você não saiba que "Vincent é um homem". Se você está disposto a morder essa isca, eu não sei.

(1) Sim, eu fiz isso em meus livros, mostrando em detalhes que minha posição está de acordo com as Escrituras. Por favor, leia-os.

Mas você dizer que "a faca corta dos dois lados" é admitir que ela corta do seu lado. Então, por sua própria declaração, você aceitou a obrigação de mostrar a partir das Escrituras que sua visão esteja correta.

(2) O "senso comum" é agora sua autoridade? O que aconteceu com as Escrituras? O que aconteceu com a razão? O que aconteceu, até mesmo,  com as sensações? Sou cético em relação ao senso comum e acho que a própria ideia é incoerente. De fato, o senso comum não é comum e não faz sentido. O que o senso comum determina não é o mesmo para todos, e o que às vezes é considerado senso comum é irracional e falso. Argumentar com base no senso comum revela o desespero.

Se eu sei que "Vincent é um homem", eu certamente não sei isso por minhas sensações[13] ou pelo senso comum,[14] mas pela iluminação do Logos, de acordo com minha explicação sobre o ocasionalismo. Afirmar uma crença na base do senso comum é "justamente" outra tática para se desculpar de uma falta de garantia racional para a crença.

Se você "sabe" alguma coisa, você sabe alguma coisa - apenas a opinião pode ser sustentada por graus de confiabilidade racional. Portanto, se eu não sei alguma coisa - se a proposição é formada em minha mente por algum processo falível e não pela inserção direta de Deus como algo que Ele considera verdadeiro e justificado - então eu não sei isso.

Portanto, eu nunca direi: "Pelo senso comum, sei que sou um homem, e essa proposição que extraí do senso comum é tão racionalmente confiável quanto as Escrituras, ou a revelação de Deus. Tanto o senso comum quanto as Escrituras me dão igual garantia racional e, portanto, creio tanto no senso comum quanto nas Escrituras. Meu próprio "senso" de realidade é tão bom quanto a revelação de Deus. As Escrituras não são mais confiáveis ​​e certas do que o "senso comum"."

Recuso-me a afirmar ou sugerir que o que posso descobrir à parte da revelação de Deus é tão bom quanto a revelação de Deus. Então me recuso a dizer que o "senso comum" é tão confiável quanto as Escrituras. Fazer tal afirmação seria irracional e irreverente. Você parece ansioso para "morder essa isca", não mostrando nenhuma distinção entre os dois, mas eu me recuso a fazer isso.

NOTAS DE RODAPÉ:

[11] Esta é uma correspondência editada com um devoto seguidor de Cornelius Van Til.

[12] Eu não nego que existe um mundo físico. Pelo contrário, estou dizendo que não preciso estar no mundo físico para funcionar.

[13] O que eu sinto ao ssber que "Vincent é um homem"? E como sei que isso é o que devo sentir?

[14] O "senso" que é "comum" me dirá "Vincent é um homem"?

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Captive to Reason. ed. 2009. pp. 11-17.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 10/07/2018

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