A teologia é necessária para tudo do pensamento e da vida. Uma vez que Deus é o princípio, o supremo e onipotente criador, Ele tem autoridade para dirigir todos os aspectos de nossas vidas e tem o poder de impor seus comandos e desejos. Portanto, quando Ele fala, devemos ouvir, crer, e nos submeter. A teologia cristã sistematiza sua revelação verbal, e é autorizada na medida em que reflete os ensinamentos da Bíblia. A necessidade da teologia é uma questão da necessidade de comunicação de Deus. Uma vez que este é o universo de Deus, a revelação divina é a fonte de informação e interpretação infalível e obrigatória a respeito de tudo do pensamento e da vida. Uma vez que Deus falou e, uma vez que é necessário ouvi-lo, crer nele, obedecê-lo e declará-lo, a teologia é necessária.
A teologia é central para tudo do pensamento e vida, porque lida com a revelação verbal que vem do ser supremo – a realidade essencial que dá existência e significado a todas as coisas. Para ilustrar, a ignorância das teorias musicais não tem relevância direta para a capacidade de alguma pessoa mexer com álgebra ou raciocinar sobre questões morais. É improvável que a falta de habilidades atléticas atrapalhe o desempenho de uma pessoa na cozinha. Mas a ignorância da revelação divina afeta tudo do pensamento e da vida, desde a visão de alguém em relação à história e à filosofia, até a interpretação da música e da literatura; até sua compreensão da matemática e da física.
Uma vez que este é o universo de Deus, apenas a sua interpretação sobre qualquer coisa está correta, e Ele revelou seus pensamentos nas palavras da Bíblia. Segue-se que uma ignorância da teologia significa que a interpretação de uma pessoa de cada objeto carecerá do fator definidor que a coloca na perspectiva correta. Quando se trata de ética, por exemplo, é impossível derivar ou estabelecer qualquer princípio moral universal sem um apelo a Deus. Até as próprias ideias de certo e errado permanecem indefinidas sem sua revelação verbal – Ele deve definir esses conceitos para nós, e apenas suas definições são autoritativas, relevantes e obrigatórias para todas as pessoas. E uma vez que a Bíblia é a única revelação objetiva e pública de Deus, a única maneira de apelar para a autoridade de Deus – a única maneira de construir uma teologia, filosofia ou apologética pública – é apelar para a Bíblia.
Há um valor intrínseco no conhecimento sobre Deus. Enquanto todos os outros tipos de conhecimento são um meio para um fim, o conhecimento sobre Deus é um fim digno em si mesmo – não conhecemos a Deus para saber ou fazer algo mais importante. Uma vez que a teologia é o estudo de Deus, ou a sistematização e articulação do conhecimento sobre Deus, em termos de seu valor, ela é autojustificada. De fato, o conhecimento de Deus é o fundamento para um conhecimento correto de todas as outras coisas, e é o fundamento para o propósito correto, a ação correta e assim por diante. Mas seu valor não depende do efeito que tem sobre essas outras coisas. Ela é importante e seu estudo é justificado apenas por causa do que ela é. Dizer que a teologia não é um fim em si mesma carrega a implicação blasfema de que Deus não é último. E visto que Deus se revelou através da Escritura, conhecer a Escritura é conhecê-lo, e isso significa estudar teologia.
Muitos cristãos têm sucumbido ao espírito anti-intelectual do mundo e, como resultado, eles fazem uma nítida distinção entre conhecer a Deus e conhecer sobre Deus. Se "conhecer sobre" Deus representa o estudo da teologia, então, para eles, uma pessoa pode conhecer muito sobre Deus, mas não conhecer a Deus; ou ela pode conhecer a Deus, mas não conhecer muito sobre Deus. O conhecimento teológico de uma pessoa é desproporcional ao quão bem ela conhece a Deus, e algumas pessoas parecem pensar que quanto mais se conhece sobre Deus, menos se conhece a Deus. Ou seja, o conhecer sobre Deus não é apenas distinto do conhecer a Deus, mas em alguns casos, e certamente quando é muito enfatizado, o conhecer sobre Deus pode até mesmo impedir uma pessoa de conhecer a Deus.
Isso é anti-intelectualismo. Outro nome para isso é insanidade. No entanto, em várias formas, ele é desenfreado entre aqueles que se chamam cristãos; e mesmo aqueles que afirmam se opor ao anti-intelectualismo são frequentemente infectados por esse modo de pensar. A suposição que envenena a teologia é a de que a piedade é pelo menos um pouco, se não inteiramente, não intelectual e não racional. Essa suposição é não bíblica, arbitrária, falsa e muito perigosa. Se é possível conhecer a Deus sem conhecer muito sobre Ele, então o que significa conhecer a Deus? Se conhecer a Deus significa ter algum tipo de comunhão com Ele (1 João 1: 3), então isso implica, pelo menos, reconhecimento – é preciso conhecer que Ele é, o que Ele é e como ter comunhão com Ele.
Uma pessoa que tem comunhão com Deus deve conhecer que existe um Deus, que Deus é uma Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – e não Alá, ou Buda, o gato do seu vizinho, ou a árvore no seu quintal. Deve conhecer as condições sob as quais ele deve se relacionar com esse Deus, e deve conhecer os meios e métodos que tornam possível essa comunhão com a Divindade. Tudo isso implica conhecer coisas – muitas, muitas coisas – sobre Deus. Comunhão também envolve comunicação, a qual requer a troca de pensamentos, e isso novamente implica conhecimento sobre muitas, muitas coisas e sobre muitas palavras e ideias. Uma pessoa não pode se comunicar com outra sem trocar informações na forma de proposições, ou de uma maneira em que a informação transmitida seja redutível a proposições.
Como uma pessoa conhece a Deus, se não através do conhecimento sobre Ele? Algumas pessoas podem responder que conhecemos a Deus através da experiência religiosa. Mas a experiência religiosa é definida e interpretada pela teologia ou conhecimento sobre Deus. O que é uma experiência religiosa? O que significa um sentimento particular, sensação ou até mesmo aparição ou encontro? É a experiência de Deus ou de Satanás? A Bíblia adverte que o diabo pode aparecer como um anjo de luz. As respostas a essas perguntas só podem vir estudando a revelação verbal de Deus. E mesmo que seja possível conhecer a Deus através da experiência religiosa, o que se obtém é ainda conhecimento sobre Deus, ou informação intelectual redutível a proposições.
Uma pessoa pode alegar conhecer a Deus através da oração e da adoração. Mas o que isso significa? Isso é apenas mais uma maneira de afirmar que conhecemos a Deus pela experiência religiosa? Sentimos algo ou passamos por um processo que nos permite conhecê-lo melhor? Mas, novamente, o que é esse "melhor", se não for um conhecimento mais completo sobre Deus? Se conhecer sobre Deus e conhecer a Deus pode ser claramente distinguido, então é preciso definir conhecer a Deus de uma maneira que evite qualquer sobreposição com conhecer sobre Deus. Nós já sabemos o que conhecer sobre Deus significa. Se conhecer a Deus permanece indefinido, então pode ser apenas uma maneira piedosa de dizer o mesmo que conhecer sobre Deus, e a distinção não acrescenta nada à nossa fé, exceto confusão e falsa espiritualidade.
Em todo caso, o objeto e a prática da oração e adoração permanecem indefinidos até que uma formulação teológica sobre elas seja estabelecida. Antes de uma pessoa poder orar e adorar adequadamente, ela deve primeiro determinar a quem oferece oração e adoração. Depois, ela deve determinar a maneira pela qual deve oferecer oração e adoração. Tudo isso significa que um estudo sistemático da Escritura é necessário, porque é a Escritura que informa e governa todos os aspectos das crenças e práticas cristãs. Portanto, o conhecimento de Deus vem de sua revelação verbal e não por meio de exercícios religiosos não verbais. A maioria das pessoas que resistem aos estudos teológicos não tem pensado nessas questões, mas praticam a oração e a adoração assumindo, muitas vezes sem entender e por engano, o objeto e a maneira dessas práticas espirituais.
Ainda outra pessoa pode dizer que conhecemos a Deus andando em amor. Mas, novamente, a ideia de amor permanece indefinida até que haja uma reflexão teológica sobre o assunto. Até mesmo a relação entre conhecer a Deus e andar em amor origina-se da Bíblia:
Amados, amemos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor (1 João 4:7-8).
Sem passagens bíblicas como essa, uma pessoa não pode justificar a alegação de que conhecer a Deus é andar em amor, ou que andar em amor é conhecer a Deus. Além disso, João diz que nascemos de Deus e conhecemos Deus antes de nos amarmos uns aos outros, ou que nos amamos antes de nascermos de Deus e conhecermos a Deus? É claro que nascemos de Deus e que conhecemos Deus antes de nos amarmos uns aos outros. É precisamente porque nascemos de Deus que somos capazes de amar, e é porque conhecemos a Deus que percebemos o que o amor significa. Muitos daqueles que alegam conhecer a Deus através de andar em amor não estão fazendo nada além de serem gentis com os outros, e eles definem a gentileza de acordo com as normas não cristãs, e não de acordo com os princípios das Escrituras. Eles possuem apenas uma ilusão de conhecer a Deus.
Uma vez que uma pessoa tenta responder a essas perguntas sobre como alguém vem a conhecer a Deus, ela está fazendo teologia. A teologia é inevitável. O assunto então vem a ser se sua teologia é correta. Considerando que uma teologia errônea leva ao desastre espiritual, uma acurada leva à genuína adoração e vida piedosa.
Há um slogan que diz: "Dê-me Jesus, não exegese". A atitude anti-intelectual é evidente. Mas é a Bíblia que nos dá informações sobre Jesus, e é através da exegese bíblica que verificamos seu significado. Portanto, não podemos conhecer a Jesus sem exegese. Pode-se ilustrar essa afirmação questionando aqueles que afirmam esse slogan sobre o que eles conhecem sobre Jesus. Se sua versão de Jesus difere do relato bíblico, isso significa que, no final das contas, eles não o conhecem. Ainda menos podemos esperar que eles entendam outros tópicos importantes, tais como inspiração bíblica, eleição divina e governo da igreja. Mas se eles oferecerem um relato preciso de Jesus, como eles aprenderam isso se não da Bíblia? O que precisamos dizer é: "Dê-me Jesus através da exegese".
Um repúdio à teologia é também uma recusa em conhecer a Deus pela maneira que Ele prescreveu. Conhecer a Escritura – conhecer a Deus – pressupõe preeminência sobre tudo do pensamento e da vida humana. Teologia é o estudo sistemático e a expressão dos ensinamentos das Escrituras. Ela define e interpreta tudo o que uma pessoa pensa e faz. Ela está acima de todas as outras necessidades (Lucas 10:42); nenhuma outra tarefa ou disciplina aproxima-se dela em importância. Portanto, o estudo da teologia é a mais importante atividade humana.
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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Systematic Theology. ed. 2010. pp. 9-12.
Traduzido por:
Cristiano Lima, em 07/08/2018.
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