sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

A BÍBLIA: uma pedra de tropeço

 A Escritura previu que Deus justificaria os gentios pela fé e anunciou o evangelho com antecedência a Abraão: "Todas as nações serão abençoadas por meio de você".  (Gálatas 3:8)

Aqui está um caso muito curioso de personificação.  No relato do Gênesis, foi Deus quem falou com Abraão, mas neste versículo, é dito que a Escritura — isto é, a Bíblia, o próprio livro — falou com Abraão.  A palavra "Escritura" refere-se a algo escrito, mas mesmo que o que Deus disse fosse imediatamente colocado na forma escrita, não estava na forma escrita quando ele falou.  No entanto, aqui é dito que a Escritura proferiu a promessa a Abraão.

 Duas características divinas são atribuídas às Escrituras.  Primeiro, Paulo escreve que a Escritura "previu" algo.  E observe que o apóstolo faz uma distinção entre a Escritura e Deus — a Bíblia previu que Deus faria algo.  Mas não foi Deus quem previu o que ele mesmo faria?  A personificação é total.  Ele se refere à Bíblia como algo vivo, pessoal e divino.  Em segundo lugar, Paulo escreve que a Escritura anunciou, ou pregou, o evangelho a Abraão.  A promessa veio do próprio Deus.  Esta não foi uma declaração relacionada por um servo ou mensageiro, mas o pronunciamento inicial da promessa.  Foi Deus quem fez isso, e somente Deus poderia fazer isso.  Mas aqui diz que a Bíblia fez isso.

 Quatro inferências são tiradas disso.  Primeiro, um dos princípios essenciais da fé cristã é que, para muitas intenções e propósitos, Deus e as Escrituras são intercambiáveis.  Por exemplo, Deus e as Escrituras devem ser considerados idênticos em verdade e autoridade.  Em segundo lugar, em muitos contextos, é totalmente apropriado nos referirmos às Escrituras como nos referiríamos a Deus.  Na verdade, isso deve ser esperado, até mesmo exigido, de todos os cristãos.  Deveria ser natural dizermos: "A Bíblia ordena que você...", "A Bíblia proíbe você..." ou "A Bíblia prediz que...".  Devemos suspeitar de uma pessoa se, a partir da análise de suas declarações, encontrarmos uma distinção deliberada e consistente entre Deus e as Escrituras.  Em terceiro lugar, uma formulação ou aplicação da doutrina da Escritura que não incorre na acusação de bibliolatria por parte de alguns setores provavelmente fica aquém da própria estimativa da Bíblia de si mesma e, portanto, indigna de afirmação.  Quarto, se a Escritura pode possuir presciência divina e faz pronunciamentos divinos, então ela pode ser caluniada e blasfemada.  Qualquer declaração feita sobre a Bíblia que falha em identificá-la com a própria verdade, conhecimento e autoridade de Deus deve ser considerada calúnia e blasfêmia.  O ofensor deve ser tratado de acordo — isto é, ele deve ser removido de todos os cargos da igreja, interrogado perante a igreja e, sem retratação e arrependimento completos, expulso de todas as dependências e relações da igreja.

 Percebemos que a mensagem da Bíblia ofende os não cristãos.  Mas a própria forma de sua existência também é uma pedra de tropeço para eles.  Se eles acreditassem em Deus, não esperariam que ele falasse por meio da Bíblia, isto é, por meio de um livro.  Naamã disse que achava que Eliseu viria até ele, invocaria seu Deus, acenaria com a mão sobre sua lepra e o curaria.  É claro que Deus poderia fazer dessa maneira, embora não tenha dado a Naamã o que ele esperava.  Mas um servo sábio argumentou com Naamã, de modo que ele se submeteu às instruções do profeta e foi curado.  Agora, os não cristãos esperam que Deus faça aparecer uma mão e escreva uma mensagem diante deles, ou que fale do céu com uma voz trovejante.  Ou, eles esperam que Cristo apareça em uma luz ofuscante, dizendo: "Tolo, tolo, por que você me persegue? É difícil para você chutar contra os aguilhões."  O que?  "Quero dizer que é difícil para você ficar batendo a cabeça contra a parede." 

Deus tinha, de fato, feito todas essas coisas e, ao contrário de muitos teólogos, ele ainda poderia fazê-las se quisesse.  Não há nada na Bíblia que nos garanta que ele sempre cumpriria a doutrina do cessacionismo.  No entanto, na maioria dos casos, a verdade de Jesus Cristo não atinge os homens por meios que eles consideram espetaculares.  Em vez disso, Deus lhes entrega um livro e, na verdade, diz: "Leiam. Creiam e vivam. Descreiam e queimem no inferno".  Isso é muito difícil, até mesmo impossível, para os não cristãos aceitarem.  Deus projetou esse obstáculo para expor aqueles que estão destinados ao fogo do inferno e excluí-los da vida eterna.  Não é que a divindade da Bíblia esteja escondida, mas sim que os pecadores estão cegos para ela.  Como Jesus disse, se alguém se recusasse a crer em Moisés, ele se recusaria a crer, mesmo que uma pessoa voltasse dos mortos para falar com ele.  A recusa dos homens em ouvir o Cristo ressuscitado é o cumprimento final disso.  Mas Deus desperta a inteligência de seus escolhidos para perceber a sabedoria e o poder da Bíblia, e perceber que o livro é idêntico à voz de Deus.

 A Bíblia disse a Abraão que ele se tornaria o pai de muitas nações e que por meio dele todos os tipos de pessoas seriam abençoados.  A promessa nunca foi feita para ser cumprida pela carne, mas pelo poder de Deus.  Nunca foi feita para vir da maneira que Ismael veio, mas da maneira que Isaque veio.  Todas as nações seriam abençoadas porque, por meio de Abraão, Cristo nasceria e seu evangelho se espalharia por toda a terra, convertendo multidões à verdade, salvando-as do pecado e do inferno e garantindo-lhes seu lugar no céu.  Elas seriam unidas por esta única promessa que veio por meio de Abraão.  Seja judeu ou não judeu, homem ou mulher, rico ou pobre, eles seriam unidos — abençoados por uma promessa — por sua fé comum em Jesus Cristo. 


Vincent Cheung. Sermonettes, Volume 1; 2010.

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