sábado, 1 de setembro de 2018

DEUS É SEMPRE EVIDENTE – Vincent Cheung

Pois seus atributos invisíveis, a saber, seu eterno poder e natureza divina, foram claramente percebidos, desde a criação do mundo, nas coisas que foram criadas. De modo que eles estão sem desculpa. (Romanos 1:20, ESV)

Deus não está oculto. Ele está evidente em sua criação e em nossas mentes. Os pecadores não o reconhecem porque reprimem o que percebem sobre Ele. Eles não têm desculpas para fazer isso, e não têm desculpas para negar a Deus ou transgredir seus mandamentos

A distinção entre o consciente e o inconsciente fornece uma estrutura para pensarmos sobre isso. O consciente se refere a pensamentos e percepções que estão diante de sua consciência neste exato momento. Já o inconsciente se refere à lembranças, suposições e percepções que não são imediatamente anteriores à sua consciência, mas que poderiam ser evocadas ou aplicadas, e que poderiam, talvez sem o seu conhecimento, afetar seus pensamentos e ações conscientes.

Isso é tudo o que queremos dizer com a distinção agora. Você não está constantemente consciente ou pensando em todas as suas memórias, suposições e assim por diante. Talvez você não estivesse pensando sobre sua comida favorita um minuto atrás, mas, embora você possa não estar pensando nisso o tempo todo, você sempre sabe o que é, e você poderia trazer novamente o item para sua consciência a qualquer momento. E agora que eu mencionei isso, você pode estar pensando sobre isso. Ele subiu do inconsciente para o consciente.

Agora, uma música pode lembrá-lo de um amigo. Ele gosta de panquecas, gosta de tênis, mas não gosta de hóquei e tem um metro e oitenta de altura. Talvez você não estivesse pensando nele há um momento atrás, e a música que o lembra dele não contém toda essa informação, mas é um gatilho que traz à mente o que você sabe do inconsciente para o consciente.

Todos os homens sabem sobre Deus, seu eterno poder e natureza divina, e até mesmo seu justo decreto e os requisitos da Lei (1:32, 2:15). Mas porque os pecadores são traumatizados por esse Deus Santo e desejam continuar em rebelião contra Ele, eles tentam esquecê-lo. Sempre que eles são lembrados de Deus, eles reprimem seus pensamentos sobre Ele no inconsciente, ou reinterpretam e redirecionam esses pensamentos, resultando em idolatria, heresia e falsa filosofia.

Por esta razão, eles detestam e perseguem os crentes. O cristão lembra de tudo que eles querem esquecer; ele representa tudo o que eles desejam destruir. Mas o cristão é mais ativo e concreto do que um pensamento passageiro - ele testifica a justiça de Deus e a salvação através de Jesus Cristo com declarações, anedotas e argumentos.

O cristão se torna uma bandeira viva de Jesus Cristo no mundo, dizendo aos incrédulos que se arrependam e acreditem na verdade. Aqueles que foram escolhidos para a salvação são despertados. Seu conhecimento inato de Deus é agitado e surge em sua consciência. Eles reconheceram a voz do pastor e o seguiram. A pregação do evangelho acrescenta muito mais ao que eles já sabem, revelando-lhes as obras de Cristo e o caminho da salvação.

Mas os réprobos são endurecidos. Eles suprimem ou redirecionam o que já sabem sobre Deus e resistem ao conhecimento do evangelho que vem de nossa pregação. Se eles são indesculpáveis antes de nos ouvir, eles são condenados ainda mais depois de nos ouvir. Esse também é o propósito de Deus em seu mandamento de pregar o evangelho a toda a criação.

Vamos, portanto, constantemente colocar Jesus Cristo diante da consciência dos homens, para que os escolhidos possam ser movidos à fé e à santidade, e que os réprobos possam ser confirmados em sua rebelião, e sofrer o justo castigo de Deus nesta vida e na vida por vir.

____________
Extraído de:
http://www.vincentcheung.com/2012/05/11/god-is-always-evident/

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 02/05/2018.

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

A NATUREZA DA ESCRITURA – Vincent Cheung

A revelação bíblica existe na forma proposicional. Embora muitas pessoas depreciem palavras em favor de imagens e sentimentos, Deus escolheu se revelar e se comunicar conosco nas palavras da linguagem humana. As palavras são capazes de transmitir de maneira exata e unívoca as informações de Deus e sobre Deus. Isso afirma que a Escritura é uma revelação divina significativa, e também afirma que a pregação e a escrita são capazes de comunicar a mente de Deus como estabelecida na Bíblia. A natureza proposicional da Bíblia testemunha contra as noções populares de que a linguagem humana é inadequada para falar sobre Deus, que imagens são superiores às palavras, que a música é de maior valor do que a pregação, e que as experiências religiosas podem ensinar uma pessoa mais sobre as coisas divinas do que estudos teológicos.

Algumas pessoas insistem que a Bíblia fala de uma maneira que produz imagens mentais vívidas. Isso supostamente mostra que, embora a Bíblia consista de palavras, o efeito pretendido dessas palavras é produzir imagens, e isso é endosso implícito para imagens como veículos superiores de comunicação. O argumento é forçado e desesperado. Primeiro, sua base não está na própria Bíblia, mas numa alegação sobre o efeito que ela tem nos leitores.
Em segundo lugar, na melhor das hipóteses, ela descreve a reação de apenas alguns leitores; outros leitores podem responder de forma diferente.
Terceiro, se Deus quisesse se comunicar conosco através de imagens, Ele poderia ter inspirado os profetas e os apóstolos a desenhar imagens na Bíblia. Mas não há nem mesmo uma.

Se as imagens são superiores, então como não há imagens na Bíblia? Se as imagens são essenciais para a comunicação teológica, a inclusão de imagens garantiria que ninguém formaria as imagens mentais erradas quando exposto à revelação divina. Mesmo que se pretenda imagens mentais, o fato de Deus ter escolhido usar palavras para produzi-las implica que as palavras são suficientes e superiores. No entanto, além das imagens de palavras, a Escritura também usa palavras para discutir as coisas de Deus em termos abstratos, não associados a nenhuma imagem.[1]

Suponhamos que mostremos uma imagem da crucificação de Cristo a uma pessoa que não tenha conhecimento da fé Cristã. Sem qualquer explicação verbal, seria impossível para ela averiguar que o próprio Cristo era inocente, que Ele morreu para satisfazer a ira de Deus, e que Ele fez isso para redimir aqueles que Deus havia escolhido antes da criação do mundo. A imagem não sugere nenhuma relação entre o evento com algo divino ou espiritual. Ela não mostra se o evento foi histórico ou fictício. E não haveria maneira de conhecer as palavras que Cristo falou quando Ele estava na cruz. A imagem não carrega nenhum significado teológico. E a menos que haja pelo menos várias centenas de palavras para explicá-la, nenhuma interpretação adequada é possível. Mas uma vez que há muitas palavras para explicá-la, a imagem se tornou desnecessária. Uma imagem não vale mais que mil palavras. Ela não pode nem mesmo substituir uma palavra.
Se houvesse dez milhões de imagens para descrever cada detalhe da vida de Cristo, ainda não haveria evangelho inteligível. Se não há evangelho, então não há salvação, e a pessoa a quem é exibida essas imagens permaneceria em seu pecado e destinada ao inferno, confusa ao invés de iluminada pela nossa coleção de arte em massa. 

Qualquer visão que exalte a música acima da comunicação verbal sofre críticas semelhantes. É impossível obter qualquer significado ou qualquer conteúdo religioso a partir da música se ela for executada sem palavras. O Livro dos Salmos é uma grande coleção de cânticos e nos fornece uma rica herança para adoração, doutrina e reflexão. Entretanto, toda essa herança consiste em palavras. As melodias originais estão conspícuamente ausentes. Nenhuma notação musical é encontrada em qualquer parte da Bíblia. Assim, o desígnio de Deus na inspiração da Escritura mostra que o valor dos salmos bíblicos está nas palavras e não nas melodias. A música desempenha um papel secundário na adoração; isto é, comparado às palavras da Escritura e o ministério da pregação, as próprias melodias não são importantes. Quer cantemos João 3:16 ao som de uma canção de aniversário ou de uma vinheta, não há efeito sobre o conteúdo. Porém se as letras forem voltadas para o aniversário ou o produto, então, mesmo uma melodia de Bach não pode nos salvar.

Quanto às experiências religiosas, quando se trata de comunicar informações, até mesmo uma visão de Cristo não pode substituir mil palavras da Escritura. Sem o conhecimento da Escritura, uma pessoa não pode avaliar qualquer experiência religiosa, seja ela um milagre de cura ou uma visitação angélica. As experiências religiosas, sem a comunicação verbal, não carregam sua própria interpretação, de modo que os encontros sobrenaturais mais espetaculares permanecem ininteligíveis sem palavras para informar a mente com informações definidas. E assim como dez mil imagens não podem corresponder à inteligibilidade mesmo de uma palavra ou sentença, até mesmo uma visão de Deus requer interpretação verbal. Essa não é uma observação irreverente, visto que é o próprio Deus quem nos envia suas palavras e nos ordena a segui-las. Pelo contrário, é irreverente afirmar que suas palavras não são necessárias ou que alguns outros meios de comunicação são superiores àquele que Ele escolheu.

O episódio inteiro do Êxodo não poderia ter ocorrido se Deus tivesse permanecido em silêncio quando Ele apareceu a Moisés na sarça ardente. Quando Jesus apareceu em uma luz brilhante no caminho para Damasco, o que aconteceria se Ele se recusasse a responder quando Saulo lhe perguntasse: "Quem és, Senhor?". A razão pela qual Saulo percebeu quem estava falando com Ele foi porque Jesus respondeu com as palavras: "Eu sou Jesus, a quem você está perseguindo" (Atos 9: 3-6). As experiências religiosas são sem sentido, a menos que sejam acompanhadas por comunicação verbal que carregue conteúdo inteligível.

Outra posição errônea em relação à Bíblia é considerá-la como um mero registro de eventos reveladores, ao invés da própria revelação de Deus.
Isto é, a Bíblia não é a revelação, mas um registro da revelação – a revelação como tal não consiste em palavras e proposições, mas em coisas tais como criação, milagres, aparições divinas, a "pessoa" de Cristo, seus atos de compaixão e sacrifício, e assim por diante. É verdade que, em certo sentido, um milagre pode ser considerado revelação, mas sobre o que o milagre revela? Ele revela algo sobre Deus ou o diabo? E o que o milagre revela sobre Deus? Ele revela que Ele é poderoso, que Ele é compassivo ou que Ele pode fazer coisas para ajudar as pessoas, embora normalmente não as faça? O que podemos derivar de um milagre? Precisamos de palavras para nos dizer os princípios pelos quais interpretamos esses eventos, e então precisamos de palavras para declarar as interpretações desses eventos.
Caso contrário, uma interpretação é tão inválida quanto seu oposto, uma vez que, sem um padrão de interpretação, nenhuma interpretação pode ser uma inferência necessária de qualquer evento. Assim, os eventos em si não revelam nada, a menos que haja uma abundância de palavras para interpretá-los. As próprias palavras constituem a revelação. Uma vez que eles constituem o que é revelado, eles são identificados com a revelação.

Algumas pessoas temem que uma forte devoção à Escritura implicaria que valorizássemos o registro de um evento revelador mais do que o evento em si. O evento possui um valor especial porque é considerado uma revelação. Mas se a própria Escritura é a revelação, então essa preocupação é equivocada. Como Paulo explica, "Toda a Escritura é soprada por Deus" (2 Timóteo 3:16). As palavras da Bíblia foram sopradas por Deus. Se isso não é revelação, então nada é revelação. E como as palavras sopradas pelo próprio Deus podem ser menos reveladoras do que um milagre ou mesmo a pessoa de Cristo?
Essa maneira de pensar coloca Deus contra si mesmo e resulta em completa confusão.

Além disso, mesmo se considerarmos os eventos registrados na Bíblia como revelação, não temos nenhum contato direto com eles. A única revelação pública e constante com a qual temos contato é a Bíblia. É contraproducente depreciar uma revelação que possuímos em favor de um tipo de revelação que não temos. Deus não apenas projetou e causou os eventos que as palavras da Bíblia descrevem e interpretam, mas também selecionou e fez com que fossem escritas estas mesmas palavras que encontramos na Bíblia. E muitas declarações na Bíblia não correspondem à aparições pessoais, ações ou eventos; antes, apenas as proposições constituem a revelação: "No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus" (João 1: 1).

Visto que essa alta visão da Escritura é aquela que a Escritura afirma de si mesma, ela é a única que é justamente chamada de Cristã, e todo cristão é obrigado a concordar com ela. Enquanto a pessoa nega que a própria Bíblia seja uma revelação divina, ela não é mais do que um livro comum, de modo que hesitaria em oferecer-lhe total reverência, como se fosse possível adorá-la excessivamente.

Há pregadores que dizem aos crentes que eles devem procurar "o Senhor do livro, não o livro do Senhor", ou algo para esse efeito. Mas visto que as palavras da Escritura foram sopradas por Deus, e essas palavras constituem a única revelação pública e explícita de Deus, é impossível olhar para o Senhor sem olhar para o seu livro. De fato, visto que as palavras da Escritura são as próprias palavras de Deus, uma pessoa está olhando para o Senhor apenas na medida em que ela está olhando para as palavras da Bíblia. Uma "pessoa" é identificada com seus pensamentos e suas palavras. Alguém que me diz: "Eu concordo você, quanto em pessoa, mas não concordo com seus pensamentos e suas palavras", não é inteligente nem respeitoso, mas insano. Concordar comigo é concordar com meus pensamentos e minhas palavras. Não há diferença.

Nosso contato com Deus é através das palavras da Bíblia. Provérbios 22:17-21 indica que confiar no Senhor é confiar em suas palavras:

     Preste atenção e ouça os ditados dos sábios; aplique o coração ao meu ensino. Será uma satisfação guardá-los no íntimo e tê-los todos na ponta da língua. Para que você confie no Senhor, a você hoje ensinarei. Já não lhe escrevi conselhos e instruções, ensinando-lhe palavras dignas de confiança, para que você responda com a verdade a quem o enviou?

Deus governa e ensina sua Igreja através da Bíblia; portanto, nossa atitude para com ela reflete nossa atitude para com Deus. Qualquer um que ama a Deus amará suas palavras da mesma forma, e não fará distinção entre os dois. Aqueles que afirmam amar a Deus devem demonstrá-lo por uma obsessão zelosa com suas palavras:

     Como eu amo a tua lei! Medito nela o dia inteiro. ... Como são doces para o meu paladar as tuas palavras! Mais do que o mel para a minha boca! (Salmos 119: 97,103)

     O temor do Senhor é puro, e dura para sempre. As ordenanças do Senhor são verdadeiras, são todas elas justas. São mais desejáveis do que o ouro, do que muito ouro puro; são mais doces do que o mel, do que as gotas do favo.
(Salmos 19: 9-10)

Uma pessoa ama a Deus somente na medida em que ela ama a Bíblia. O amor pela Bíblia é o padrão pelo qual todos os outros aspectos da vida espiritual são medidos.

NOTA DE RODAPÉ:

[1] Veja Vincent Cheung, The View from Above

______________
Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Systematic Theology. ed. 2010. pp. 13-16.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em agosto de 2018.