sábado, 21 de julho de 2018

O ARGUMENTO TRANSCENDENTAL – Vincent Cheung

O ARGUMENTO TRANSCENDENTAL, às vezes chamado de argumento abdutivo, argumenta a partir de um  conhecido ou reconhecido Y para uma precondição necessária X. Ou, como Robert Stern explica:

Como uniformemente apresentado, geralmente se diz que os argumentos transcendentais são distintos ao envolver um certo tipo de afirmação, a saber: "Para Y ser possível, X deve ser o caso" onde Y é um fato indisputável sobre nós e nossa vida mental (por exemplo, que temos experiências, usamos a linguagem, fazemos certos julgamentos, temos certos conceitos, realizamos certas ações, etc.), mas exatamente o que é substituído por X, é onde está aberto a debate nesse estágio. [12]

Um aspecto do sistema bíblico de apologética envolve discutir que dado qualquer Y, a precondição necessária X é a cosmovisão bíblica.

Por exemplo, a ciência assume a uniformidade da natureza (Y), mas ela não pode provar esse princípio — ele é assumido irracionalmente. A cosmovisão bíblica (X) é a precondição necessária para tornar essa suposição inteligível.[13] Agora, a cosmovisão bíblica, na verdade, nega a uniformidade da natureza, mas afirma a doutrina da providência ordinária. Ou seja, é Deus quem controla o mundo, e Ele o faz de maneira regular, embora Ele seja livre para se desviar de sua prática usual sempre que desejar. Em todo caso, uma vez que a cosmovisão bíblica é a precondição necessária para a suposição de qualquer regularidade no mundo, ela é uma pressuposição necessária que torna a ciência inteligível. Isso não significa que a ciência seja racional ou que suas teorias e conclusões sejam verdadeiras, mas significa que ninguém pode sequer dar sentido à ciência, a menos que os princípios bíblicos sejam pressupostos. A implicação é que a ciência nunca pode refutar a Escritura ou até mesmo argumentar contra ela.

A revelação bíblica gera um tipo particular de argumento transcendental que é irrefutável, uma vez que no processo de argumentação ela mostra que a cosmovisão bíblica (X) é aplicável a todo e  qualquer Y. O que quer que seja afirmado como verdadeiro ou inteligível no contexto do debate, a cosmovisão bíblica é sua precondição necessária.
Isso é verdade até mesmo em relação a argumentos contra o cristianismo — sem que a cosmovisão bíblica seja a pressuposição, nenhuma objeção contra o cristianismo sequer é inteligível.[14]
Isso ocorre porque qualquer argumento, seja lá o que for que ele prove, é necessariamente precedido por princípios sobre epistemologia, metafísica, lógica, linguística e assim por diante — coisas que, em primeiro lugar, tornam o argumento possível ou inteligível. E podemos argumentar que apenas a Bíblia fornece esses princípios necessários. Mas, uma vez que a Bíblia é reconhecida como verdadeira, então obviamente nenhuma objeção contra ela pode ser verdadeira.

O movimento transcendental na apologética bíblica é, estritamente falando, mais uma estratégia ou método do que um argumento. Embora ele seja popularmente creditado a Cornelius Van Til e Greg Bahnsen, suas tentativas é um completo fracasso. Mesmo quando alegam defender a fé cristã, eles tentam proteger muitos princípios não cristãos, e o método deles é de colocá-los em uma base cristã para que eles possam "dar conta" deles.
Assim, eles fazem Deus e as Escrituras cúmplices da falsidade, e fundem Cristo e Satanás em um matrimônio profano. Eles, juntamente com seus seguidores, até mesmo têm tornado o argumento contra a fé cristã pela insistência de que algumas pressuposições não cristãs, incluindo a confiabilidade da sensação, fornecem a precondição necessária para nosso conhecimento da Escritura.[15] Esse sistema sincrético equivale a um ataque à fé cristã forçando juntos princípios cristãos e não cristãos, muitas vezes a favor dos últimos.

Além disso, é discutível que eles têm produzido apenas palpites e sugestões da aplicação do método transcendental, e certamente nada perto de uma demonstração suficiente. Por outro lado, Gordon H. Clark realizou essa tarefa com admirável sucesso e eficácia:

     "Os problemas da história, da política e da ética, como tem sido argumentado, exigem para sua solução certos pressupostos teístas. Aparentemente, o melhor procedimento geral para quem deseja recomendar o teísmo cristão é mostrar que outras formas de teísmo são misturas inconsistentes. Se algumas de suas proposições deveriam ser levadas às suas conclusões lógicas, naturalismo e eventualmente ceticismo resultariam; enquanto que, se justiça deve ser feita à possíveis interpretações de suas outras afirmações, o cristianismo teria que ser assumido.[16]

NOTAS DE RODAPÉ:

[12] Robert Stern, Transcendental Arguments and Scepticism; New York: Oxford University Press, Inc., 2000; p. 6.

[13] Veja Vincent Cheung, Ultimate Questions.

[14] Para um exemplo, veja Vincent Cheung, "The Problem of Evil." Veja também Vincent Cheung, Ultimate
Questions e Presuppositional Confrontations.

[15] Eu tenho refutado isso em Ultimate Questions, Presuppositional Confrontations, e Captive to Reason.

[16] Gordon H. Clark, The Christian View of Men and Things (Trinity Foundation, 1998), p. 155.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Sytematic Theology. ed. 2010. pp. 39-41.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 21/07/2018.

FÉ E RAZÃO – Vincent Cheung

O estudo da apologética cristã freqüentemente inclui uma discussão sobre e razão. Uma visão sugere que a razão pode formular argumentos que compelem o assentimento dos incrédulos, usando premissas reconhecidas por ambos os lados. Isto é, as maiores reivindicações do Cristianismo podem ser provadas como verdadeiras pela razão somente, independente das premissas bíblicas. Contudo, sob uma análise pressuposicional, pode ser demonstrado que até mesmo a própria razão requer a cosmovisão cristã como sua pré-condição, sem a qual ninguém poderá sequer ser lógico. 

Lembre-se que este livro diz respeito somente ao esboço do método de apologética, ou à uma forma de argumentar em favor da verdade do Cristianismo. O método atualmente apresentado é freqüentemente chamado de apologética clássica ou apologética evidencial. Embora aderentes desta abordagem freqüentemente adotem a primeira visão de fé e razão como explicada no parágrafo anterior, o presente escritor está convencido de que ela é inadequada, e que a segunda visão é a correta.

Todavia, visto que este livro introduz a apologética evidencial, o que se segue tenta explicar ainda mais a primeira visão de e razão, para mostrar ao leitor como este sistema de apologética geralmente funciona. Mas, tenha em mente que sem primeiro assumir a fé cristã, até mesmo a própria razão não tem fundamento. Esta última consideração serve como um desvio da apologética evidencial para a apologética pressuposicional, mas não consideraremos a última neste livro. Agora continuaremos com a apologética evidencial.

Quando falando aos outros sobre a fé cristã, precisamos de um denominador comum com o qual ambos os lados possam contar, e ao qual ambos possam apelar. Os cristãos contam com a Escritura para informá-los sobre Deus, o universo, a natureza humana, a sociedade e todos os outros aspectos da fé e da vida. Nós consideramos a Escritura como autoritativa e infalível, pois suas palavras foram inspiradas por Deus. Deus nos diz diretamente a verdade através da Bíblia.

Contudo, problemas levantam-se quando cristãos tentam usar a Escritura em suas conversações com incrédulos ou membros de religiões não-cristãs –– a saber, estes não consideram a Escritura autoritativa e, portanto, falham em sentir qualquer impacto nos argumentos dos cristãos ao usarem a Escritura. Certamente, a maioria dos não-cristãos não tem problema com os cristãos apelarem à Escritura quando o debate é sobre o que o Cristianismo autêntico crê, mas isto não significa que eles reconhecerão o que é ensinado na Escritura como verdadeiro. Aqueles que pertencem à religiões não-cristãs, freqüentemente têm seus próprios textos sagrados confiáveis, e responderão aos apelos dos cristãos à Escritura apelando ao seu próprio livro sagrado.

Parece que, mesmo se formos usar a Escritura em nossos argumentos, devemos apelar a alguns outros denominadores comuns que temos com os não-cristãos, para levá-los a crer na reivindicação de que a Bíblia é confiável. A Escritura não pode ser o primeiro e o único denominador comum que temos com os não-cristãos, pois eles não reconhecem sua autoridade. Certamente, é possível para o Espírito Santo usar passagens da Bíblia para convencer os incrédulos e abrir suas mentes para aceitarem a posição cristã.

Portanto, precisamos de um denominador comum que seja considerado autoritativo para o incrédulo, de forma que quando o cristão demonstrar a verdade do Cristianismo usando este denominador comum, o incrédulo será forçado a abandonar o denominador comum, ou a aceitar o Cristianismo como verdadeiro. O melhor denominador comum que corresponde às exigências é a razão. A maioria dos incrédulos respeita a autoridade da razão, e muitos reivindicam que eles não são cristãos precisamente devido à sua confiança na razão.

Se puder ser demonstrado que a razão favorece as reivindicações do Cristianismo, e mostrar de fato que o ateísmo, ou qualquer outra filosofia ou religião sustentada pelo incrédulo, é falso e contraditório, então, o incrédulo deve fugir para o campo da irracionalidade (uma acusação que eles falsamente trazem contra o Cristianismo), ou concordar com as reivindicações do Cristianismo e agir de acordo com ele.

Alguns cristãos podem objetar a este ponto, dizendo que a razão é contra o Cristianismo; contudo, isto é uma mentira que incrédulos têm publicado por anos, tanto que muitos cristãos a têm aceitado como verdade. A lógica é tão essencial que é impossível argumentar contra seu uso sem usá-la. Se alguém afirma ou nega o seu uso, ela está afirmando-a. É como dizer, “Eu posso falar português” e “Eu não posso falar uma palavra em português” –– a primeira afirmação usa o português para afirmar a capacidade de alguém falar o idioma, enquanto que a última usa o português para negar a capacidade de falar português, que também tem o efeito de afirmar a capacidade de alguém de falar o português. Uma vez que alguém argumenta contra o uso da razão para defender o Cristianismo, ele já está usando a razão para falar sobre o assunto de defender o Cristianismo.

Nem todos os cristãos são contra o uso da razão porque eles a consideram uma forma ímpia de defender a fé. Embora alguns possam citar isto como sua razão, a causa real de sua preocupação descansa sobre a idéia de que o incrédulo vencerá o argumento se concordamos sobre a razão como o nosso denominador comum. Eles suspeitam que se concordarmos que crenças contraditórias devem ser falsas, então, o Cristianismo se mostrará como falso.

Esta insegurança vem da falta de informação e treinamento. Pode-se dizer com segurança que muitos parariam de se objetar ao uso da razão e da lógica como o nosso denominador comum com o incrédulo, se eles tivessem a certeza de que o Cristianismo não é contraditório e que ele pode ser demonstrado como sendo o único sistema de crença lógico, coerente e realístico que existe. Devemos perceber que a própria natureza de Deus é lógica e não-contraditória. A razão sã procede naturalmente de Deus, e qualquer discurso sobre Ele ou qualquer estudo das Escrituras deve empregar a razão e as regras da lógica para receber e transmitir idéias de uma maneira significativa e coerente. Sem a razão para confirmar nossas (e dos incrédulos) crenças, a apologética seria impossível, visto que todas as crenças seriam reduzível à preferências subjetivas, pessoais e não-demonstráveis.

Para dizer outra palavra concernente à apologética pressuposicional, pode parecer que, se a fé é a pré-condição da própria lógica, então, o denominador comum da razão entre o crente e o incrédulo desaparece; sem primeiro assumir a cosmovisão cristã, o incrédulo não tem direito de arrazoar. Mas o ponto é que o incrédulo tentar usar a lógica, e ao agir assim, revela uma inconsistência de sua parte, visto que suas cosmovisões inadequadas tornam a lógica impossível. Este é um dos argumentos disponíveis à apologética pressuposicional.

Um pressuposicionalista pode negar quer sem assumir o Cristianismo alguém pode chegar à verdade de alguma forma, e, assim, por seus defeituosos princípios básicos, a ciência sempre falha em chegar à verdade. Todavia, tal apologeta ainda pode empregar a evidência científica para sustentar sua posição como argumentos ad hominem eficazes; isto é, mesmo por pressuposições do incrédulo, o Cristianismo permanece triunfante sobre as cosmovisões oponentes. O restante deste livro continua a apresentar como um evidencialista tende a defender a fé cristã. Para entender mais com respeito a como as pressuposições de alguém afetam seu raciocínio, o leitor é encorajado a estudar meus outros escritos sobre o assunto. 

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Evidential Apologetics, capítulo 2.

Traduzido por:
Felipe Sabino, em 30/03/2005.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

DEUS É LÓGICA – Vincent Cheung


 

(O que se segue é uma correspondência de e-mail editada)

Estou tentando caminhar com dificuldade por seus diferentes livros e documentos, de forma que, por favor, perdoe-me se eu não tiver (1) chegado a esse assunto ainda ou (2) se eu não o percebi.

Estou presentemente tendo uma discussão sobre Deus e lógica. Uma premissa tem sido feita de que “Deus=lógica” e “lógica=Deus”. Do seu ponto de vista, essa é uma premissa válida? Ou ela seria melhor declarada como “Deus é lógico!”?

Para dar um pequeno contexto, estamos discutindo a Trindade e como ela é lógica — o mesmo para a união hipostática de Cristo.

Uma pessoa disse: “Eu discordo com a declaração de que Deus é lógica. Isso é contrário à revelação bíblica. Lógica tem como seu alvo uma declaração verdadeira. É importante reconhecer que lógica é uma ferramenta, não uma verdade”.

Você tem alguns pensamentos sobre o assunto?

 

Eu digo algo sobre isso em meus livros, mas eu darei um sumário aqui.

Há diferentes sentidos nos quais podemos usar a palavra “Lógica”, e quando respondendo a questão, devemos especificar o significado.

É errado dizer diretamente que “Deus é Lógica” é contrário à revelação bíblica, pois João 1:1 diz que Cristo é o “Logos”, o que pode ser tão facilmente traduzido por “Razão” ou “Lógica” como por “Palavra”. De fato, no contexto desse versículo, que apresenta Cristo como o verdadeiro “Logos” da filosofia grega (o princípio de racionalidade que estrutura, regula e sustenta todas as coisas) — mas no sentido correto e personificado — é provavelmente preferível traduzi-lo por “Razão” ou “Lógica” antes do que por “Palavra”.

Portanto, nesse sentido, é verdade que “Deus é Lógica”. Contudo, estamos usando a palavra num sentido pessoal e personificado — ou no sentido mais pleno. “Lógica” (talvez “Razão” seja a melhor palavra) nesse sentido é uma pessoa, e inclui conteúdo intelectual (tudo o que Deus sabe). A ênfase, então, é sobre a racionalidade de Cristo o Logos — que todas as coisas são consistentes em Sua mente e em Suas obras, que Sua sabedoria e poder estrutura, regula e sustenta todas as coisas de acordo com Sua perfeita racionalidade.

Nós frequentemente usamos a palavra “lógica” num sentido mais restrito — como nas “leis da lógica”. Quando estamos usando a palavra nesse sentido, então, eu não diria que “Deus é as leis da lógica”; antes, a relação entre as leis da lógica e Deus é que essas leis são descrições da forma como Deus pensa e opera. Quando estamos usando a palavra nesse sentido, então, “lógica” é deveras vazia de conteúdo; contudo, elas não são meras “ferramentas” — quando estamos pensando logicamente (de acordo com as leis da lógica), não estamos usando meras “ferramentas” de pensamento, como se elas fossem separadas e independentes da mente de Deus, mas estamos imitando a forma como Deus pensa e opera. Chamar as leis da lógica de meras ferramentas pode transmitir a idéia de que elas são algo que Deus tem meramente dado ou até mesmo inventado para nós usarmos (o que seria falso), ao invés de regras necessárias de pensamento que devemos seguir para imitar o padrão de pensamento e ação de Deus.

A distinção acima entre os sentidos pessoais e impessoais podem ser expressos somente escrevendo em maiúsculo as palavras “lógica” e “razão” quando estamos usando-as no sentido pessoal. Este é o porquê eu algumas vezes uso a palavra “Razão” em meus livros e artigos quando me referindo a Cristo o Logos.

LEITURA RECOMENDADA:

Gordon Clark, The Johannine Logos

 

 

Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 26 de Julho de 2005.

Via: Monergismo.com

quarta-feira, 18 de julho de 2018

DEUS É SEMPRE EVIDENTE – Vincent Cheung

     Pois seus atributos invisíveis, a saber, seu eterno poder e natureza divina, foram claramente percebidos, desde a criação do mundo, nas coisas que foram criadas. De modo que eles estão sem desculpa. (Romanos 1:20, ESV)

Deus não está oculto. Ele está evidente em sua criação e em nossas mentes. Os pecadores não o reconhecem porque reprimem o que percebem sobre Ele. Eles não têm desculpas para fazer isso, e não têm desculpas para negar a Deus ou transgredir seus mandamentos

A distinção entre o consciente e o inconsciente fornece uma estrutura para pensarmos sobre isso. O consciente se refere a pensamentos e percepções que estão diante de sua consciência neste exato momento. Já o inconsciente se refere a lembranças, suposições e percepções que não são imediatamente anteriores à sua consciência, mas que poderiam ser evocadas ou aplicadas, e que poderiam, talvez sem o seu conhecimento, afetar seus pensamentos e ações conscientes.

Isso é tudo o que queremos dizer com a distinção agora. Você não está constantemente consciente ou pensando em todas as suas memórias, suposições e assim por diante. Talvez você não estivesse pensando sobre sua comida favorita um minuto atrás, mas, embora você possa não estar pensando nisso o tempo todo, você sempre sabe o que é, e você poderia trazer novamente o item para sua consciência a qualquer momento. E agora que eu mencionei isso, você pode estar pensando sobre isso. Ele subiu do inconsciente para o consciente.

Agora, uma música pode lembrá-lo de um amigo. Ele gosta de panquecas, gosta de tênis, mas não gosta de hóquei e tem um metro e oitenta de altura. Talvez você não estivesse pensando nele há um momento atrás, e a música que o lembra dele não contém toda essa informação, mas é um gatilho que traz à mente o que você sabe do inconsciente para o consciente.

Todos os homens sabem sobre Deus, seu eterno poder e natureza divina, e até mesmo seu justo decreto e os requisitos da Lei (1:32, 2:15). Mas porque os pecadores estão traumatizados por esse Deus Santo e desejam continuar em rebelião contra Ele, eles tentam esquecê-lo. Sempre que eles são lembrados de Deus, eles reprimem seus pensamentos sobre Ele no inconsciente, ou reinterpretam e redirecionam esses pensamentos, resultando em idolatria, heresia e falsa filosofia.

Por esta razão, eles detestam e perseguem os crentes. O cristão lembra de tudo que eles querem esquecer; ele representa tudo o que eles desejam destruir. Mas o cristão é mais ativo e concreto do que um pensamento passageiro - ele testifica a justiça de Deus e a salvação através de Jesus Cristo com declarações, anedotas e argumentos.

O cristão se torna uma bandeira viva de Jesus Cristo no mundo, dizendo aos incrédulos que se arrependam e acreditem na verdade. Aqueles que foram escolhidos para a salvação são despertados. Seu conhecimento inato de Deus é agitado e surge em sua consciência. Eles reconheceram a voz do pastor e o seguiram. A pregação do evangelho acrescenta muito mais ao que eles já sabem, revelando-lhes as obras de Cristo e o caminho da salvação.

Mas os réprobos são endurecidos. Eles suprimem ou redirecionam o que já sabem sobre Deus e resistem ao conhecimento do evangelho que vem de nossa pregação. Se eles são indesculpáveis antes de nos ouvir, eles são condenados ainda mais depois de nos ouvir. Esse também é o propósito de Deus em seu mandamento de pregar o evangelho a toda a criação.

Vamos, portanto, constantemente colocar Jesus Cristo diante da consciência dos homens, para que os escolhidos possam ser movidos à fé e à santidade, e que os réprobos possam ser confirmados em sua rebelião, e sofrer o castigo justo de Deus nesta vida e na vida por vir.

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Extraído de:
http://www.vincentcheung.com/2012/05/11/god-is-always-evident/

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 02/05/2018.

DESAFIO: A Precondição do Significado – Vincent Cheung

Imagine que estamos assistindo a um jogo de tênis na televisão, embora, para nosso propósito, possa ser simplesmente qualquer tipo de jogo – basquete, futebol ou até mesmo xadrez. Suponha que eu conheça as regras do tênis, mas você não as conhece. E suponha ainda que tenhamos silenciado a televisão, de modo que não recebamos nenhuma comunicação verbal do comentarista. Por fim, suponha que não haja comunicação visual, de modo que nem as pontuações sejam mostradas. Agora, minha pergunta, é se o jogo será totalmente inteligível para você.

Se eu prestar muita atenção, ainda serei capaz de acompanhar o jogo mesmo sem qualquer comunicação verbal, porque já conheço as regras do jogo. Da mesma forma, os próprios jogadores seriam capazes de seguir o jogo sem a constante assistência do locutor ou do placar. Por outro lado, embora você esteja assistindo ao mesmo jogo, você não seria capaz de entender o que está vendo, pois não conhece as regras.

Isso significa que, quando você está assistindo a um jogo, o que você observa não fornece sua própria inteligibilidade e interpretação.[1] Para que um jogo seja inteligível à você e você tenha a interpretação correta do que está acontecendo, você deve trazer uma quantidade considerável de conhecimento para o ato de assistir ao jogo, e esse conhecimento não vem de assistir o jogo em si. Se eu tivesse explicado as regras antes do jogo, ou se eu explico as regras enquanto estamos assistindo ao jogo, então o que você está assistindo se tornará inteligível, e será capaz de interpretar corretamente o que está vendo.

Você pode argumentar que é possível derivar algumas das regras pela observação. Mas isso não é tão simples quanto a maioria das pessoas pensa. Por exemplo, suponha que você observe depois de cada "xeque-mate", que os dois jogadores se afastam do tabuleiro de xadrez. O que você pode inferir a partir disso? Você não pode inferir que um deles ganhou a menos que você conheça as regras. Talvez "xeque-mate" signifique um empate. Talvez isso signifique que os jogadores estão entediados e decidiram desistir do xadrez. Talvez isso signifique que é hora do almoço.
Você precisa saber que se trata de um jogo, que pode ser ganho ou perdido e como ele é ganho ou perdido. Mesmo se você inferir que um deles ganhou, de onde você obteve as categorias de "ganhar" e "perder" em seu pensamento? Você não obteve isso a partir da observação do jogo em si. Você deve trazer essas ideias para o ato de observação.

E quanto às ideias de tempo e causalidade? Elas são requeridas para entender o jogo, mas você não pode derivá-las do jogo. Você deve trazer essas ideias para o ato da observação. Alguns princípios éticos são também pressupostos. Você deve presumir que os jogadores não costumam trapacear, e que os jogadores não podem se safar com trapaças, ou então o jogo não teria regularidade suficiente para você derivar qualquer regra dele. Entretanto, se uma pessoa trapaceia e sai impune, como você saberá que ele está trapaceando ou se a ação dele é apenas uma exceção permitida pelas regras?

Se reservarmos tempo para enumerar, podemos explicitar dezenas, ou mais provavelmente centenas ou mesmo milhares de pressupostos necessários para que o jogo seja inteligível à sua observação, quando, ao mesmo tempo, essas pressuposições não podem vir do ato de observação. Para tornar as coisas mais difíceis, existem milhares de elementos arbitrários em todos os jogos que não são essenciais às regras, embora sejam objetos de observação. Por exemplo, se um jogo de xadrez é jogado por dois homens em trajes formais, o que você pode inferir disso? Você infere que essa é uma regra essencial do xadrez? E se assim for, as mulheres também devem usar ternos masculinos ou podem usar vestidos? Claro, as pessoas usam roupas normais quando estão jogando xadrez em outros ambientes. Mas como você sabe que eles não estão violando as regras, e que eles estão apenas fugindo disso? Ou você assume sem garantia que se eles estivessem de fato em violação, as regras sempre seriam aplicadas contra eles?

Sem conhecimento que vem a parte da observação, a observação em si não pode fazer sentido ou comunicar qualquer informação. A inteligibilidade e a interpretação da observação pressupõem conhecimento sobre os objetos de observação, e esse conhecimento não pode vir do próprio ato da observação. Ou seja, a inteligibilidade e interpretação de uma experiência é tornada possível pelo conhecimento que vem a parte da experiência. Esse conhecimento pode ser algo inato ou algo que seja recebido pela instrução verbal.

Se a mente estivesse totalmente em branco, de modo que nem sequer possuísse categorias como tempo, espaço e causalidade, a inteligibilidade e a interpretação seriam impossíveis. De fato, se a sua mente está em branco, sem nenhum conhecimento que vem à parte da observação, seu mundo seria para você como um turbilhão de sensações com nenhuma forma de organizá-las ou interpretá-las. Entretanto, se um conhecimento não observacional prévio da realidade é necessário para interpretar adequadamente a observação sobre a realidade, isso significa que a ordem e o significado que você observa são impostos ao que você observa, e nunca derivados do que você vê. Essa é outra maneira de dizer que o significado do que você observa é governado por suas pressuposições.

Retornando à nossa ilustração inicial, o que acontece se você pressupõe as regras do basquete ou do xadrez quando assiste ao jogo de tênis? Mesmo que pareça que você seja capaz de entender as coisas que você observa, porque as regras erradas são pressupostas, sua interpretação será falsa. Portanto, não é suficiente reconhecer que pressuposições não observacionais precedem a inteligibilidade e a interpretação, mas devemos perceber que nem todas as pressuposições são iguais e que elas podem ser verdadeiras ou falsas.

Nós estabelecemos várias possibilidades sobre o que acontece quando assistimos a um jogo de tênis:

1. A mente é totalmente branca, e nesse caso nada é inteligível, e a interpretação é impossível.

2. A mente contém apenas categorias básicas sem conhecimento das regras do jogo, de modo que ela reconhece conceitos como tempo, causalidade, ética e vitória. A interpretação ainda é impossível.

3. A mente aplica falsas pressuposições ao jogo, de modo que ela pode aplicar as regras do basquete ao tênis. A interpretação é impossível ou produz resultados falsos quando empreendida.

4. A mente contém as pressuposições corretas sobre o universo em geral e sobre o tênis em particular. A interpretação correta é possível.

O resultado é que duas pessoas podem observar a mesma coisa e chegar a interpretações contraditórias. No entanto, isso não precisa resultar em relativismo, pois uma pessoa pode estar certa e a outra pode estar errada. Depende de qual deles tem as pressuposições corretas sobre o universo em geral, e sobre o objeto que está sob observação em particular.

Aqui estão dois exemplos bíblicos que ilustram o que tem sido dito. O primeiro mostra que a observação não é confiável em primeiro lugar, e o segundo mostra que nossas pressuposições determinam a interpretação do que observamos, de modo que as pressuposições erradas levarão a uma falsa interpretação.

O primeiro exemplo vem de João 12:28-29. Assim que Jesus exclama, “Pai, glorifica o teu nome!”, a Escritura diz, “Então veio uma voz dos céus: ‘Eu já o glorifiquei e o glorificarei novamente’. A multidão que ali estava e a ouviu, disse que tinha trovejado; outros disseram que um anjo lhe tinha falado”. O testemunho infalível da Escritura diz que a voz expressou uma sentença completa: “Eu já o glorifiquei e o glorificarei novamente”. Todavia, alguns daqueles que estavam presentes, que observaram o mesmo evento, disseram “que tinha trovejado”. Portanto, a observação não é confiável, e a verdade nunca pode ser descoberta pela observação.

O segundo exemplo vem de Mateus 12:22-28, e diz respeito à autoridade de Cristo para expelir demônios: “Depois disso, levaram-lhe um endemoninhado que era cego e mudo, e Jesus o curou, de modo que ele pôde falar e ver.
Todo o povo ficou atônito e disse: ‘Não será este o Filho de Davi?’. Mas quando os fariseus ouviram isso, disseram: ‘É somente por Belzebu, o príncipe dos demônios, que ele expulsa demônios’” (v. 22-24). Baseada em sua observação do evento, a audiência geral estava preparada para considerar pelo menos a possibilidade de que Jesus fosse o Cristo, mas os fariseus, que tinham observado o mesmo evento, disseram que ele expelia demônios pelo poder de Satanás.

Contudo, isso não levou a um impasse, nem reduziu a verdade a juízos relativos e subjetivos. A resposta de Cristo indica que nem todas as interpretações estão corretas:

     Todo reino dividido contra si mesmo será arruinado, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá. Se Satanás expulsa Satanás, está dividido contra si mesmo. Como, então, subsistirá seu reino? E se eu expulso demônios por Belzebu, por quem os expulsam os filhos de vocês? Por isso, eles mesmos serão juízes sobre vocês. Mas se é pelo Espírito de Deus que eu expulso demônios, então chegou a vocês o Reino de Deus. (v. 25-28)

Ele primeiro reduz a afirmação deles ao absurdo, e então dá a interpretação
correta do evento, e conclui com uma implicação sobre o evangelho.

Se os fariseus tivessem crido verdadeiramente na Escritura, eles deveriam ter chegado à mesma interpretação sobre Cristo como aquela que o próprio Cristo afirmou sobre si mesmo. Mas embora reivindicassem crer na Escritura, na realidade eles suprimiam a verdade sobre ela.
Embora eles tivessem acesso às pressuposições corretas ou ao conhecimento pelo qual eles poderiam interpretar corretamente a realidade, por causa da sua pecaminosidade, eles rejeitaram aceitar essas pressuposições e suas implicações, e rejeitaram assim a verdade, suprimindo-a e distorcendo-a.

NOTA DE RODAPÉ:

[1] É claro que a própria observação deve ser possível para chegar a este ponto na discussão. Ou seja, estamos assumindo que quando você pensa que vê uma bola de tênis, de fato você vê uma bola de tênis. Esta suposição infundada e irracional nunca pode ser estabelecida. Mas iremos permitir isso por enquanto, para que nossa discussão sobre inteligibilidade e interpretação possa continuar.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Pressupositional Confrontations. ed. 2010. pp. 4-7.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 18/07/2018.

O CONHECIMENTO INATO DO HOMEM – Vincent Cheung

 

(O que se segue é uma resposta editada a uma pergunta de um leitor, me enviada há algum tempo atrás. A pergunta foi trazida no contexto de minha Systematic Theology, mas é também relevante para a entrada anterior no blog, Van Til and Common Ground).

Eu afirmo que o homem tem um conhecimento inato de Deus, com claridade e conteúdo suficiente, de forma que ele não tem escusa para negar a existência de Deus ou desobedecer-Lhe.

Contudo, eu nego que um sistema de teologia possa ser baseado em nosso conhecimento inato de Deus. Ou, para dizer de outra forma, eu nego que o nosso conhecimento inato de Deus possa ser o primeiro princípio da cosmovisão bíblica — há conteúdo, claridade e objetividades insuficientes, entre outras razões.

Este é o porquê eu nunca apelo à intuição para justificar qualquer parte da minha teologia ou para fazer apologética. Um entendimento acurado do conteúdo e da extensão do nosso próprio conhecimento inato de Deus vem, antes de tudo, da revelação verbal.

Para dizer isto de uma outra forma ainda, embora eu afirme que temos um conhecimento inato de Deus, eu não baseio nossa fé e certeza ou a nossa teologia e apologética neste conhecimento inato; antes, devemos basear estas coisas na revelação verbal.

Eu “apelo” ao conhecimento inato em meus escritos, mas eu nunca faço isto como se a verdade do Cristianismo descansasse sobre isto como o seu fundamento, ou como se este conhecimento inato fosse em si mesmo a prova de que o Cristianismo é verdadeiro. De outra forma, isto se tornaria um apelo à intuição humana, e o argumento se tornaria subjetivo.

Antes, eu apelo a este conhecimento inato somente para explicar o porquê as pressuposições bíblicas não são negadas na prática, mas são implicitamente assumidas até mesmo por incrédulos, e para explicar em que sentido temos um fundamento comum ou um ponto de contato com os incrédulos quando pregando o evangelho para eles.

Assim, embora eu afirme que a Escritura seja deveras logicamente inegável, quando eu uso “inegável” no contexto da discussão do conhecimento inato do homem, a ênfase então não está sobre a inegabilidade da Escritura, mas que algumas premissas bíblicas centrais não podem se negadas na prática, a despeito das reivindicações ao contrário dos incrédulos.

Assim, nos referimos ao conhecimento inato não para provar a Escritura (antes, é a Escritura que prova o conhecimento inato), mas somente para explicar por que podemos nos comunicar com incrédulos e como nos relacionar propriamente com eles.

Em outras palavras, quando estamos falando do conhecimento inato de Deus, estamos considerando o aspecto estratégico da apologética, e não estritamente o aspecto racional. Que a Escritura é logicamente inegável é demonstrado engajando-se os próprios conteúdos da Escritura, e não do conhecimento inato do homem.

Algumas pessoas têm falhado em notar esta distinção em meus escritos (ou equivocadamente pensam que eu tenho falhado em fazer esta distinção em meus escritos), de forma que elas falsamente me acusam de ser incoerente sobre este ponto (isto é, como se eu negasse a intuição e então apelasse a ela). Antes, no meu sistema de teologia e apologética, (se não fosse o fato de que a Escritura o ensina) podemos jogar fora o conhecimento inato do homem e ele permanecerá essencialmente não afetado (embora alguns ajustes práticos seriam precisos), visto que ele não depende do conhecimento inato do homem.

Então, você escreve: “Estou pensando que talvez o que seja suprimido é o conhecimento inato de Deus que está escrito em todo coração do homem”. Isto está exatamente correto. Mas você poderia gostar de saber o porquê isto ainda é chamado de conhecimento, se ele é suprimido ao ponto de ser negado. A explicação é que apenas porque você conhece algo não significa que você conscientemente pense sobre ele em todo tempo. Contudo, se você conhece algo, isso implica que ele pode potencialmente ser recordado.

Isto tem similaridades com o que as pessoas querem dizer quando elas se referem à memória reprimida, embora eu seja cauteloso quanto às implicações que podem vir do uso desta palavra. Quando chega ao conhecimento inato de Deus, a Escritura ensina que os pecadores conhecem a Deus em suas mentes, mas que eles têm, de uma maneira moralmente culpável, suprimido ou reprimido este conhecimento. Greg Bahnsen chama isto de o “auto-engano” do pecador.

Na regeneração, o pecador eleito é despertado, como se de um sono profundo, para a sabedoria e conhecimento, e para a luz de Cristo e da Verdade:

Mas, tudo o que é exposto pela luz torna-se visível, pois a luz torna visíveis todas as coisas. Por isso é que foi dito: Desperta, ó tu que dormes,, levanta-te dentre os mortos e Cristo resplandecerá sobre ti” (Efésios 5:13–14)

Para ler mais sobre o conhecimento inato de Deus, e suas implicações e usos, por favor, veja minha Systematic Theology, Ultimate Questions, e Presuppositional Confrontations.

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Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto. Cuiabá-MT, 29 de Junho de 2005.

Via: http://www.monergismo.com/

terça-feira, 17 de julho de 2018

A SUPRESSÃO DA VERDADE – Vincent Cheung


Paulo diz que isso é o que a humanidade tem feito com o seu conhecimento
sobre Deus. Ele declara que algum conhecimento sobre Deus é inato, de modo que cada pessoa nasce com algum conhecimento sobre Deus, mas porque o homem é pecador, ele se recusa a reconhecer e adorar este verdadeiro Deus, e assim suprime e distorce esse conhecimento inato:

     Pois a ira de Deus é revelada dos céus contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça, pois aquilo que é conhecido sobre Deus é evidente entre eles; porque Deus lhes manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis. Porque, embora tenham conhecido a Deus, não o honraram como Deus, nem lhe renderam graças; mas eles tornaram-se fúteis em suas especulações, e o coração insensato deles foi obscurecido. (Romanos 1:18-21, NASB)

As pessoas frequentemente reclamam que há evidência insuficiente sobre
Deus e o Cristianismo, mas a Bíblia diz que eles já conhecem sobre esse verdadeiro Deus, pois se recusam reconhecê-lo ou adorá-lo. O conhecimento sobre Deus é "evidente entre eles", porque Ele "lhes manifestou". O problema não é uma falta de evidência, mas uma série de pressuposições artificialmente manufaturadas que suprimem a evidência sobre Deus.

Alguns pensam que essa passagem fornece justificativa para argumentos empíricos que levam ao conhecimento de Deus. Contudo, temos estabelecido por nossas ilustrações e por exemplos bíblicos que a observação não pode fornecer nenhum significado ou informação inteligível. Portanto, a passagem não pode significar que uma observação da criação possa fornecer conhecimento sobre Deus; antes, certas ideias sobre Deus já residem na mente, independentemente de qualquer experiência ou observação.

A ilustração de assistir ao tênis também mostrou que é insuficiente ter apenas as categorias básicas necessárias à inteligibilidade, mas nossas ideias inatas devem conter conteúdos substanciais. Entretanto, se as ideias ou pressuposições inatas já contêm conteúdos substanciais sobre Deus, então o conhecimento sobre Deus não vem da experiência ou observação, mas este conhecimento já está na mente antes e à parte da experiência ou observação. Se você conhece as regras do tênis, assistir ao tênis não lhe dará informações adicionais sobre as suas regras, mas pode apenas estimular você a recordar e aplicar as regras ao observar o jogo. Da mesma forma, a experiência ou a observação, na melhor das hipóteses, pode apenas estimular a recordar e aplicar o conhecimento inato que você tem sobre Deus. Mais do que alguns comentaristas parecem concordar com essa visão até certo ponto. Aqui irei citar apenas Charles Hodge:

     “Não é de uma mera revelação externa que o apóstolo está falando, mas daquela evidência do ser e das perfeições de Deus que todo homem tem na constituição de sua própria natureza, e em virtude da qual ele é competente para apreender a manifestação de Deus em suas obras”. Consequentemente, a NLT traduz, ou melhor, parafraseia, como se segue:
Pois a verdade sobre Deus é conhecida instintivamente por eles. Deus colocou esse conhecimento nos corações deles”.

Uma passagem posterior confirma que Deus colocou algum conhecimento sobre si mesmo na mente do homem diretamente, à parte da experiência ou observação:

     Pois quando os gentios, que não têm a Lei, praticam instintivamente as coisas da Lei, esses, não tendo Lei, são uma lei para si mesmos, pois mostram a obra da Lei escrita em seus corações. Disso dão testemunho a sua consciência e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os. Isso tudo se verá no dia em que Deus julgar os segredos dos homens, mediante Jesus Cristo, de acordo com o meu evangelho. (Romanos 2:14-16, NASB).

Não pense que isso significa que alguns gentios sejam inocentes - o ponto de Paulo é que ninguém é inocente. Em vez disso, o versículo 12 diz: “Todo aquele que pecar sem a Lei, sem a Lei também perecerá, e todo aquele que pecar sob a Lei, pela Lei será julgado”.

Paulo está argumentando que aqueles que têm a palavra de Deus (mas que não acreditam no que ela diz sobre Cristo) e aqueles que não têm a palavra de Deus são ambos culpados de pecado e sujeitos à condenação. Então ele não está dizendo que alguns ou todos os homens são salvos porque eles já conhecem a Deus, nem está dizendo que o conhecimento inato sobre Deus carrega conteúdo suficiente para a salvação, se uma pessoa apenas reconhecer o que ele conhece.
Em vez disso, o ponto é que os homens estão sem desculpas para negar o verdadeiro Deus porque eles suprimem a verdade sobre Ele. Portanto, a passagem não justifica as religiões do mundo, mas seu propósito é condenar todas as cosmovisões  não cristãs, especialmente religiões não cristãs.

Nosso interesse neste ponto está no conhecimento inato sobre Deus na mente do homem, à parte da experiência ou observação. A NASB tem "instintivamente" no verso 14, o que é bom, e o NJB usa o termo "sentido inato". Mas a frase "uma lei para si mesmos" pode induzir em erro. Isso não significa que os gentios, por não possuírem a Escritura, determinem o certo e o errado por si mesmos; em vez disso, significa o que já está implícito no "sentido inato", de modo que J. B. Phillips traduz "eles têm uma lei em si mesmos". Isso confirma nossa afirmação de que existem ideias inatas na mente do homem, e que os conteúdos consistem não apenas em categorias de pensamento, mas em conhecimento real sobre Deus, tornando aqueles que o negam sem desculpa.

As pessoas devem, de fato, "ver" Deus na natureza,[3] mas estou tentando explicar por que elas não o fazem, ou por que afirmam que não o fazem.
Paulo está dizendo que você tem que suprimir e distorcer o conhecimento que já está em sua mente, a fim de rejeitar o cristianismo e afirmar uma religião, filosofia ou cosmovisão não cristã. Somente o cristianismo corresponde ao que você já conhece em sua mente, de modo que você terá que reprimir e distorcer o que você já conhece e, na verdade, enganar a si mesmo, para aceitar alguma outra coisa que não a cosmovisão ou religião cristã.

NOTA DE RODAPÉ:

[3] Charles Hodge, Romans; The Banner of Truth Trust, 1997 (original: 1835); p. 36.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Pressupositional Confrontations. ed. 2010. pp.7-8.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 17/07/2018.



REVELAÇÃO INESCAPÁVEL – Vincent Cheung

A cosmovisão bíblica torna o conhecimento e a argumentação possíveis, mas o faz sobre bases diferentes dos princípios indefensáveis ​​dos não cristãos.

Nós começamos com Romanos 1: 18-20, que diz:

     Portanto, a ira de Deus é revelada do céu contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça, pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis.

Alguns comentaristas tomam uma interpretação mais ou menos empírica dessa passagem, então pensam que ela ensina que, observando o universo, o homem deriva um conhecimento de Deus e de alguns de seus atributos, e que essa evidência na criação torna sua negação de Deus indesculpável. No entanto, como o empirismo é inerente e incuravelmente defeituoso, é falso pensar que qualquer conhecimento ou informação possa ser derivado da observação. Em outro lugar, Paulo diz que Deus tem, em sua sabedoria divina, assegurado que o homem não possa conhecê-lo através da sabedoria humana (1 Coríntios 1:21). Portanto, essa passagem em Romanos não pode significar que é possível ao homem construir um argumento a partir da observação do universo que o conduza ao conhecimento de Deus.

De fato, quando um homem interage com a natureza, ele deve perceber que o Deus cristão é seu criador. No entanto, o pensamento em si é impossível sem certas pressuposições para fornecer as precondições da inteligibilidade. Desde que somente os princípios bíblicos podem servir a essa função, segue-se que uma pessoa deve conhecer Deus em sua mente antes que uma interação com a natureza faça com que Deus (ou qualquer outro pensamento inteligível) surja em sua mente. Paulo diz que Deus edificou em cada mente humana tais princípios, de modo que uma pessoa deve perceber Deus como o Criador do universo. O homem possui um conhecimento inato de Deus. Ele já conhece sobre Deus antes que ele observe ou interaja com o mundo, e quando ele observa ou interage com o mundo, ele deve ser lembrado do Deus que ele já conhece. Mas porque os não cristãos são maus, eles tentam suprimir esse conhecimento.

Thomas Schreiner escreve:
  “Deus tem costurado na fábrica da mente humana sua existência e poder, de forma que eles são instintivamente reconhecidos quando alguém vê o mundo criado”.[9] Charles Hodge, embora de certa forma um empirista, admite: “Não é de uma mera revelação externa que o apóstolo está falando, mas daquela evidência do ser e da perfeição de Deus que todo homem tem na constituição de sua própria natureza, e em virtude da qual ele é capaz de apreender as manifestações de Deus em Suas obras”.[10] Consequemente, a NLT traduz: “Pois a verdade sobre Deus é conhecida por eles instintivamente. Deus colocou esse conhecimento em seus corações”. Esse conhecimento de Deus é inato. Embora possa ser chamado à consciência de alguém, ou deva ser chamado à consciência, na ocasião da interação do homem com a natureza, ele está presente na mente do homem e pode ser ou deveria ser chamado à própria consciência antes e à parte de qualquer experiência, sensação ou interação com a natureza.

Mesmo que os argumentos gramaticais em torno do versículo 19 sejam inconclusivos,[11] Romanos 2: 14-15 dissipa toda dúvida de que Deus em dotado o homem de um conhecimento inato sobre si mesmo:

     De fato, quando os gentios, que não têm a lei, praticam naturalmente o que ela ordena[12], tornam-se lei para si mesmos[13], embora não possuam a lei; pois mostram que as exigências da lei estão gravadas em seus corações. Disso dão testemunho também a consciência e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os.

Esses dois versículos ensinam que o conhecimento inato do homem é específico. Robert Haldane comenta: “Essa luz natural do entendimento é chamada de a lei escrita no coração, pois ela é impressa na mente pelo Autor da criação, e é a obra de Deus tanto quanto a impressão sobre as tábuas de pedra”.[14] Portanto, embora possamos ser incapazes de enumerar todas as proposições incluídas neste conhecimento inato, sabemos que ele é detalhado e específico o suficiente para excluir todas as cosmovisões e religiões não cristãs; somente o cristianismo é compatível com ele.

O versículo 15 menciona "consciência". Devemos deixar claro que ela não é uma parte do ser humano distinta da mente ou do intelecto. A tricotomia antropológica e a pregação popular ensinam que a consciência é a voz de um "espírito" ou "coração" não intelectual; entretanto, "espírito" e "coração" nas Escrituras são termos intelectuais e são frequentemente sinônimos de "mente". O versículo diz que a consciência das pessoas está em ação quando seus pensamentos estão acusando ou defendendo-os. Portanto, a consciência é uma função da mente e não uma parte separada e não intelectual do homem.

J. I. Packer define consciência como “o poder embutido de nossas mentes de executar julgamentos morais sobre nós mesmos, aprovando ou desaprovando nossas atitudes, ações, reações, pensamentos e planos, e dizendo-nos, em caso de desaprovação, que devemos sofrer por isto”.[15]

No entanto, ao contrário de alguns, não é verdade que alguém sempre fará a coisa certa se ouvir a sua consciência. Isso ocorre porque a consciência é meramente uma função moral da mente, e não um padrão moral infalível – a Escritura é o único padrão moral infalível. Paulo escreve que algumas pessoas “tiveram suas consciências queimadas como com um ferro quente” (1 Timóteo 4:2). A consciência “pode ser mal informada, ou condicionada a considerar o mal como bem”, e “pode levar uma pessoa a considerar como pecaminosa uma ação que a Palavra de Deus declara ser não pecaminosa”.[16]

O que a consciência de uma pessoa aprova não é necessariamente bom, e embora não seja seguro alguém violar sua própria consciência, o que ela desaprova não é necessariamente mau (Romanos 14: 1-2, 23).  Apenas os preceitos morais de Deus revelados nas Escrituras carregam autoridade final para fazer juízos morais, e não uma avaliação subjetiva baseada nessa função inata da mente. No entanto, como a consciência de uma pessoa é mais informada e treinada pelas palavras das Escrituras, ela se tornará cada vez mais confiável ao tomar de decisões morais.

João Calvino menciona o conhecimento inato do homem sobre Deus em suas Institutas da Religião Cristã. Embora o que se segue tenha sido tirado da tradução de Battles, eu também cito a tradução de Beveridge nas notas de rodapé, onde sua tradução é mais útil e preferível:

     Há na mente humana, e deveras por instinto natural, uma percepção da divindade. Isso está fora de controvérsia. Para prevenir alguém de tomar refúgio na pretensão de ignorância, o próprio Deus implantou em todos os homens certo entendimento de sua majestade divina. Sempre renovando a mente deles, ele repetidamente derrama novas gotas.[20] Portanto, quando alguém e todos percebem que há um Deus e que ele é o seu Criador, eles são condenados por seu próprio testemunho, pois eles falham em lhe honrar e consagrar suas vidas à sua vontade... Tão profundamente a concepção comum tem ocupado a mente de todos, tão tenazmente ela é inerente nos corações de todos![21]

...Homens de julgamento sadio sempre estarão seguros que um senso da divindade, que nunca pode ser apagado, está gravado nas mentes dos homens... Pois o mundo... tenta tanto quanto é capaz lançar fora todo conhecimento de Deus, e por todos os meios corromper a adoração dele. Eu apenas digo que, apesar da estúpida dureza em suas mentes, pela qual os ímpios avidamente invocam rejeitar a Deus, todavia, o sendo da divindade, que eles grandemente desejam que seja extinguido, floresce e presentemente se desenvolve. Disso concluímos que essa não é uma doutrina que devemos aprender primeiro na escola, mas é uma na qual cada um de nós é mestre desde o ventre da sua mãe, e cuja própria natureza não permite que seja esquecida, embora muitos lutem com toda força para esse fim.[22] (I, iii, 1 e 3)[23]

A mente do homem não nasce uma tabula rasa – ela não começa como um quadro em branco sem nenhuma informação a priori. Em vez disso, toda pessoa nasce com um conhecimento e uma percepção inatos de Deus. Os pré-requisitos para aquisição de linguagem, pensamento racional e contemplação teológica são inerentes à mente do homem. Portanto, ninguém pode pensar ou falar sem assumir e usar premissas bíblicas que fornecem a precondição da inteligibilidade, de modo que mesmo as objeções contra o cristianismo devem primeiro pressupor que a cosmovisão cristã seja significativa. Mas, uma vez que pressupomos a cosmovisão cristã, a força e a substância de todas as objeções se desvanecem.

Ninguém pode fazer sentido à nem mesmo religiões falsas, como o budismo e o islamismo, sem antes adotar as pressuposições bíblicas que permitem que a lógica, a linguagem e a ética sejam significativas. É necessário pressupor o cristianismo, mas como o cristianismo exclui outras religiões desde o princípio, uma vez que o pressupomos, outras cosmovisões também não podem ser verdadeiras. Sem pressupor as premissas cristãs, não podemos chegar a nenhuma verdade ou conhecimento, mas então não podemos saber que não podemos saber nada, e não pode ser verdade que nada é verdade. Assim, o cristianismo é uma precondição necessária da inteligibilidade e do conhecimento; toda a Bíblia é verdadeira por necessidade. Essa é a base para nossa posição de que toda proposição concebível é evidência para a existência de Deus e para a cosmovisão cristã.

"Assassinato é errado" é uma proposição que carece de qualquer justificação autoritativa, a menos que uma pessoa onisciente e todo-poderosa expresse verbalmente sua proibição de tal ato a criaturas que carreguem sua imagem de mente racional, e então impõe tal ordem com uma punição que Ele considera apropriado, tal como a condenação eterna.
O ateísmo, o mormonismo e outras cosmovisões não cristãs não têm base para declarar o assassinato como moralmente repreensível. Em seus pressupostos, eles não podem nem mesmo tornar a palavra errado universalmente aplicável. Eles não podem autoritariamente definir assassinato, nem podem autoritariamente impor quaisquer regras contra a prática.

"Assassinato é errado" encontra justificativa racional apenas dentro da cosmovisão cristã. Embora muitos não cristãos também pensem que o assassinato é errado, se suas cosmovisões não cristãs não podem levar à conclusão de que o assassinato é errado, e se somente o cristianismo pode produzir tal conclusão, isso só pode significar que esses não cristãos têm  pressuposto o cristianismo para chegar a conclusão deles. Embora eles tentem suprimir seu conhecimento do Deus da Bíblia, eles se denunciam ao afirmar proposições que só podem ser deduzidas a partir de princípios cristãos.

Além disso, embora "Assassinato é certo" seja falso de acordo com as pressuposições bíblicas, a própria  proposição é inteligível apenas dentro do sistema bíblico, porque fora da cosmovisão cristã é impossível definir ou justificar os conceitos de certo e errado, e de qualquer definição de assassinato. Isto é, mesmo quando os não cristãos afirmam falsas  proposições, essas proposições são inteligíveis e são entendidas como falsas apenas porque esse universo é o que a cosmovisão cristã diz que é.

De fato, estamos usando o assassinato apenas como um exemplo. O acima exposto aplica-se a toda proposição, de modo que os incrédulos, de fato, empregam pressuposições bíblicas em toda proposição que proferem e em toda ação que realizam. Portanto, contrário à objeção de que há evidência insuficiente para a existência de Deus ou a verdade do Cristianismo, a revelação de Deus é inescapável, porque Deus tornou a verdade clara e específica (Romanos 1:19).

No entanto, os não cristãos se recusam a reconhecer ou agradecer a Deus, que proveu aos homens a precondição de inteligibilidade e conhecimento. Paulo condena-os por isso quando ele escreve:

     Portanto, a ira de Deus é revelada dos céus contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça... porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se... Além do mais, visto que desprezaram o conhecimento de Deus, ele os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem o que não deviam. (Romanos 1:18, 21, 28)

O problema nunca foi falta de evidência, mas o problema é que os não cristãos “suprimem a verdade” por sua impiedade. Eles encobrem a verdade porque são pessoas perversas.
Eles já conhecem sobre Deus – o conhecimento é tanto uma parte deles que dele não podem escapar. No entanto, porque os não cristãos são tolos e perversos, eles se recusam a admitir que têm esse conhecimento. Mas embora neguem a Deus, eles permanecem criaturas feitas à sua imagem, vivendo em um mundo que Ele criou e, portanto, devem empregar premissas bíblicas em qualquer coisa que pensem ou digam. Para o cristão, esse fato fornece a base de uma estratégia invencível de argumentação, que vamos explorar em um momento mais adiante.

Embora esse conhecimento sobre Deus esteja implícito em tudo o que uma pessoa diga e faça, às vezes ele se manifesta mais claramente.

Paulo diz aos atenienses que até mesmo os poetas gregos escreveram: "Pois nele vivemos e nos movemos e temos nosso ser", e "nós somos sua descendência" (Atos 17:28). Mas se somos sua criação, então como podemos justificar a adoração de ídolos – isto é, servir a objetos inferiores a nós? Assim, Paulo diz: "Portanto, uma vez que somos descendentes de Deus, não devemos pensar que o ser divino é como ouro ou prata ou pedra – uma imagem feita pela imaginação e habilidade do homem" (v. 29).

A adoração não cristã é incompatível com o conhecimento inato de Deus. O que o homem conhece em sua mente é substancial e específico o suficiente para excluir todas as formas de adoração não cristãs. Assim, esse conhecimento inato não apenas exclui o ateísmo, mas também o budismo, o islamismo e todas as outras religiões e filosofias não cristãs. Os escritos dessas falsas religiões e filosofias mostram um conhecimento inato das pressuposições cristãs, mas então se recusam a viver de acordo com o que sabem ser verdadeiro. Como Paulo diz:

     Porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos e trocaram a glória do Deus imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis. (Romanos 1: 21-23)

Qual é então o veredicto? Visto que a revelação de Deus ao homem é inescapável, a supressão do homem dessa revelação é inescusável: “Pois desde a criação do mundo, os atributos invisíveis de Deus e seu eterno poder têm sido vistos claramente pelo entendimento da mente das coisas criadas. E assim, essas pessoas não tem escusa” (v. 20, NJB). O grego diz que essas pessoas não têm apologia — sem apologética; as posições não cristãs deles são indefensáveis. Um aspecto da defesa de nossa fé envolve demonstrar que os não cristãos não têm defesa para suas próprias crenças. Pelo contrário, nós os temos pego em flagrante — eles negam a fé cristã enquanto continuam usando as pressuposições cristãs. Eles negam com suas bocas o que conhecem em seus corações.

Essa supressão inescusável da verdade e evidência leva à sua inevitável condenação: “Portanto, a ira de Deus é revelada dos céus contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça” (v.18). A ira de Deus está sendo derramada contra os réprobos mesmo nessa vida, à medida que Deus lhes dá uma mente depravada: “Além do mais, visto que desprezaram o conhecimento de Deus, ele os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem o que não deviam” (v, 28). A impiedade deles se torna cada vez pior, e seus pecados se tornam crescentemente grotescos e não naturais. Como exemplos, Paulo menciona a homossexualidade e a idolatria:

     Por isso Deus os entregou à impureza sexual, segundo os desejos pecaminosos do seu coração, para a degradação do seu corpo entre si. Trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram a coisas e seres criados, em lugar do Criador, que é bendito para sempre. Amém. Por causa disso Deus os entregou a paixões vergonhosas. Até suas mulheres trocaram suas relações sexuais naturais por outras, contrárias à natureza. Da mesma forma, os homens também abandonaram as relações naturais com as mulheres e se inflamaram de paixão uns pelos outros. Começaram a cometer atos indecentes, homens com homens, e receberam em si mesmos o castigo merecido pela sua perversão. (v. 24-27)

Paulo também menciona outros pecados pelos quais Deus os punirá com tormento eterno no inferno:

     Tornaram-se cheios de toda sorte de injustiça, maldade, ganância e depravação. Estão cheios de inveja, homicídio, rivalidades, engano e malícia. São bisbilhoteiros, caluniadores, inimigos de Deus, insolentes, arrogantes e presunçosos; inventam maneiras de praticar o mal; desobedecem a seus pais; são insensatos, desleais, sem amor pela família, implacáveis. Embora conheçam o justo decreto de Deus, de que as pessoas que praticam tais coisas merecem a morte, não somente continuam a praticá-las, mas também aprovam aqueles que as praticam. (v. 29-31)

Os não cristaos não fazem essas coisas em ignorância absoluta, mas Paulo novamente enfatiza o conhecimento inato deles de Deus no versículo 32: “Além do mais, visto que desprezaram o conhecimento de Deus, ele os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem o que não deviam”. Eles sabem o que Deus requer, mas se recusam a concordar com Ele; além do mais, eles aprovam aqueles que se rebelam contra ele. Isso descreve os não cristãos de nossa geração tanto quanto de qualquer outra geração – eles não apenas desafiam os mandamentos de Deus, mas aprovam outros que fazem o mesmo, de modo que eles até mesmo apóiam e encorajam ateus, idólatras, homossexuais, abortistas e todos os tipos de pessoas abomináveis ​​e ímpias. Em seus corações, eles conhecem sobre Deus e seus mandamentos, e assim como a revelação de Deus para eles é inescapável, a condenação deles é inevitável.

NOTAS DE RODAPÉ:

[9] Thomas R. Schreiner, Baker Exegetical Commentary on the New Testament: Romans; Grand Rapids, Michigan: Baker Books, 1998; p. 86.

[10] Charles Hodge, A Commentary on Romans; Carlisle, Pennsylvania: The Banner ofTruth Trust, 1997
(original: 1835); p. 36.

[11] Leon Morris, The Pillar New Testament Commentary: The Epistle to the Romans; Grand Rapids,
Michigan: William B. Eerdmans Publishing Company, 1988; p. 78-80.

[12] A NJB usa o termo “sentido inato”.

[13] Isso apenas significa que embora os gentios careçam da revelação explicita da Escritura, seu conhecimento inato da lei moral de Deus é suficiente para condená-los (2:12). Isto é, “Eles mostram que em seus corações eles sabem o que é certo e o que é errado. Eles demonstram que a lei de Deus está escrita dentro deles” (NLT).

[14] Robert Haldane, Commentary on Romans; Grand Rapids, Michigan: Kregel Publications, 1996 (original: 1853); p. 99.

[15] J. I. Packer, Concise Theology; Wheaton, Illinois: Tyndale House Publishers, Inc., 1993; p. 96.

[16] Ibid., p. 97.

[17] A tradução de Henry Beveridge traz o seguinte: “…a memória dos quais Ele constantemente renova e
ocasionalmente alarga…” (I, iii, 1); John Calvin, Institutes of the Christian Religion; Grand Rapids, Michigan: William B. Eerdmans Publishing Company, 1998; Vol. 1, p. 43.

[18] Beveridge: “…tão profundamente tem essa convicção comum possuído a mente, de forma que ela é
firmemente estampada sobre os seios de todos os homens”; Ibid., p. 43.

[19] Beveridge: “Porque o mundo… labora tanto quanto pode para livrar-se de todo conhecimento de Deus, e corrompe sua adoração de inúmeras formas. Eu somente digo que, quando a dureza estúpida de coração, a qual o ímpio avidamente abriga como um meio de desprezar Deus, se torna debilitada, o sendo da Deidade, que de todas as coisas que eles desejam mais sejam extingas, ainda está em vigor, e agora e então se adianta. Disso inferimos que essa não é uma doutrina que foi primeiro aprendida na escola, mas uma que todo homem, desde o ventre, é seu próprio mestre; uma cuja própria natureza não permite nenhum individuo esquecer, embora muitos,
com toda sua força, tentem fazê-lo”; Ibid., p. 45.

[20] John Calvin, Institutes ofthe Christian Religion; Edited by John T. McNeill; Translated by Ford Lewis Battles; Philadelphia: The Westminster Press, 1960; p. 43-46.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Ultimate Questions. ed. 2010. pp. 55-61.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 16/07/2018.

domingo, 15 de julho de 2018

EPISTEMOLOGIA – Vincent Cheung

Essa visão da metafísica produz uma implicação necessária para a epistemologia. Se Deus controla todas as operações no universo, segue-se necessariamente disso que Ele controla todas as operações relacionadas ao pensamento e ao conhecimento. Se a existência e a operação contínuas do universo dependem de Deus, e o homem não é autônomo ou independente, então todas as suas aquisições de conhecimento e atividades intelectuais também dependem de Deus. Para dizer isso de outra forma, se Deus controla todas as coisas, então Ele também controla a mente do homem. Se Deus é a única causa de qualquer coisa, então Ele também é a causa de todo evento mental no homem. Se isso for negado, então a soberania de Deus também é negada. O Deus da Bíblia é novamente rejeitado, e o que resta não é mais a visão cristã.

Assim como o homem não pode existir ou funcionar sem Deus, o homem não pode conhecer ou pensar em algo sem Ele. Deus não apenas sustenta e controla todas as coisas, mas Ele soberanamente sustenta e controla todas as coisas. Ele pode trazer à vida ou levar à morte, fazer algo mover ou parar, e cria ou destrói, tudo por sua vontade e prazer. A mente do homem é apenas um aspecto do controle total de Deus sobre o universo; portanto, Deus também soberanamente controla todos os aspectos do conhecimento humano. Esse controle vem sob sua providência ordinária. Uma visão cristã da epistemologia necessariamente segue e é necessariamente consistente com essa visão cristã da metafísica.

Todas as alternativas são
e são falhas. O empirismo é um exemplo proeminente. Os empiristas defendem a confiabilidade da sensação, e aqueles que são mais extremos afirmam que o conhecimento vem apenas dos sentidos. Em contraste, afirmamos uma epistemologia da revelação fundada na infalibilidade das Escrituras. Nós rejeitamos o empirismo porque o ensino bíblico o contradiz e por causa de seus problemas inerentes e fatais. Nenhum conhecimento pode vir da sensação.

Os empiristas respondem: "Mas você deve confiar em suas sensações para ler a Bíblia". Este desafio é fútil. Quer possamos ou não derrotá-los, se eles não puderem responder aos argumentos contra o empirismo, então o desafio deles por si só não resgata o empirismo. Mesmo que eles refutassem a epistemologia da revelação bíblica, isso não significaria que uma epistemologia da sensação seria automaticamente justificada. Todos os argumentos antiempíricos permanecem em vigor até serem refutados.

No entanto, somos realmente capazes de responder ao desafio deles com base no que temos dito sobre a metafísica e a epistemologia bíblica. Consistente com a metafísica cristã, a epistemologia cristã afirma que todo conhecimento deve ser imediatamente - isto é, sem mediação - transmitido à mente humana por Deus. Assim, na ocasião em que uma pessoa olha para as palavras da Bíblia, Deus comunica diretamente o que está escrito à sua mente. Isto é, as sensações de uma pessoa proporcionam as ocasiões em que Deus transmite informações à sua mente à parte das próprias sensações. Portanto, embora leiamos a Bíblia, o conhecimento nunca vem da sensação.

Isso resolve novamente o problema mente-corpo, mas desta vez é ilustrado na direção inversa. Na metafísica, Deus facilita os movimentos físicos em correspondência aos pensamentos da mente; na epistemologia, Deus concede conhecimento à mente nas ocasiões das sensações, mas à parte das próprias sensações. Portanto, as sensações nada mais fazem que estimular a intuição intelectual, proporcionando as ocasiões em que a mente obtém conhecimento do Logos divino. Os empiristas devem explicar como as sensações físicas transmitem conhecimento para a mente incorpórea. É claro que alguns empiristas não cristãos não acreditam em uma mente incorpórea, mas que o conhecimento reside apenas em um cérebro físico. Embora possamos facilmente derrotá-los neste ponto, mesmo à parte disso, eles ainda precisam provar, por argumentos válidos e sólidos, como as sensações físicas poderiam transmitir qualquer informação ao cérebro físico. Ninguém pode fazer isso.

Os empiristas pensam que podem fazer inferências a partir das muitas sensações presentes à mente a qualquer momento para produzir conhecimento. No entanto, eu os desafio a escrever o processo em forma silogística para mostrar a validade lógica de tais inferências. Mesmo que eles pudessem escrever o processo do raciocínio, eles veriam que todas as inferências a partir das sensações são inevitavelmente falaciosas; nenhuma inferência a partir das sensações pode alcançar validade formal.

Por exemplo, se você está olhando para um carro vermelho, por qual processo válido de raciocínio você pode inferir dessa sensação a conclusão de que está olhando para um carro vermelho? É impossível.

Entretanto, se toda inferência a partir da sensação é falaciosa, então isso significa que toda inferência é uma conclusão desnecessária ou mesmo arbitrária a partir de premissas que em primeiro lugar são duvidosas. Mas uma cosmovisão empírica constrói suas proposições sobre essas inferências falaciosas. Assim, tal cosmovisão é inútil, embora seja abraçada por multidões.

A todo momento, você é bombardeado por muitas sensações, e se você for conhecer os objetos que está vendo através de uma epistemologia empírica, isso significa que sua mente deve organizar e combinar essas sensações para agrupar as que pertencem à seus objetos correspondentes.[15] Para ilustrar, suponha que você observe uma maçã sobre uma mesa. Para você reconhecer que existem dois objetos e quais são esses dois objetos, você deve ser capaz de dizer onde um objeto termina e o outro começa. Entretanto, isso requer que você conheça os atributos e as aparências desses objetos antes de observá-los, [16] mas o empirismo ensina que uma pessoa aprende os atributos e as aparências dos objetos pela observação. Se você deve conhecê-los antes de observá-los, e se você [não] pode conhecê-los apenas observando-os, então isso significa que você nunca poderá saber nada que você já não saiba. E se você seguir alguns empiristas ao afirmar que o homem nasce com uma mente em branco para ser preenchida com o conhecimento adquirido pela experiência, então, com base no empirismo, sua mente permanecerá em branco para sempre. A aquisição de conhecimento é impossível com base no empirismo.

[...]

A verdade é necessariamente proposicional, já que apenas uma proposição pode ser verdadeira ou falsa. Por métodos empíricos, é impossível comunicar qualquer proposição de uma mente humana para outra; em vez disso, apenas os Logos pode facilitar a comunicação. Desde que a epistemologia cristã rejeita o empirismo, ela não é atormentada por suas dificuldades. O único papel das sensações na epistemologia cristã é proporcionar a ocasião para a intuição intelectual; isto é, marca um tempo e um lugar em que o Logos comunica informações para a mente humana. A sensação em si fornece zero conhecimento ou informação. O homem depende de Deus para sua existência contínua e operações intelectuais; ele não é autônomo ou independente em nenhuma esfera da vida. Assim, é claro que "lemos" a Bíblia, mas isso não depende da sensação, mas da soberana vontade e poder de Deus.

Alguns teólogos concordam que o prólogo de João, pelo menos, sugere essa epistemologia. Como Ronald Nash escreve:

     Depois de João descrever Jesus como o Logos cosmológico, ele apresenta-o como o Logos epistemológico. João declara que Cristo era "a verdadeira luz que ilumina todo homem" (João 1: 9). Em outras palavras, o Logos epistemológico não é apenas o mediador da revelação especial divina (João 1:14), Ele é também a base de todo o conhecimento humano.[19]

Vários dos pais da igreja primitiva também ensinaram essa visão: "Com base em João 1: 9, Justino Mártir argumentou que toda apreensão da verdade (seja pelo crente ou descrente) é feita possível porque os homens estão relacionados ao Logos."[20] Toda pessoa depende de Cristo para seu conhecimento e pensamento. Os crentes admitem isso; os incrédulos não.

Mesmo se alguém discordar dessa compreensão do prólogo, isso não enfraquece a epistemologia apresentada. Primeiro, nada no prólogo contradiz esta epistemologia. Em segundo lugar, esta epistemologia é uma consequência necessária da metafísica bíblica introduzida anteriormente. A Bíblia afirma que Deus criou e controla todas as coisas, e todas as coisas devem incluir todas as atividades intelectuais humanas. Terceiro, mais do que alguns versos bíblicos ensinam que Deus é aquele que soberanamente concede compreensão e conhecimento.

Deus é a única fonte de conhecimento e Ele revelou algo de seu conhecimento na Bíblia. Assim, a Bíblia é o primeiro princípio da cosmovisão cristã. A verdade que está disponível para nós consiste de proposições diretamente declaradas na Bíblia e de proposições que são validamente deduzidas dela ou que são endossadas por ela. Todas as outras proposições são, na melhor das hipóteses, opiniões injustificadas. Essa epistemologia bíblica segue necessariamente a metafísica bíblica. Qualquer outra epistemologia é indefensável e colapsa em ceticismo autocontraditório.

NOTAS DE RODAPÉ:

[15] Como Gordon Clark escreve, alguém pode “numa ocasião combinar a cor vermelha e o gosto suculento para fazer uma maçã, se ele desejar; mas ele não pode em outra ocasião combinar essa cor com o cheiro do sulfato de hidrogênio e o som do Si bemol para fazer um boogum?Thales to Dewy; The Trinity Foundation, 2000 (original: 1957); p. 307-308

[16] De outra forma, você não saberia como organizar e combinar as sensações. Para agravar o problema, pela sensação é impossível  dizer a distância entre dois objetos, ou que existe alguma distância entre dois objetos. O espaço em si não é observável aos sentidos; ninguém jamais viu ou tocou o "espaço".

[19] Ronald H. Nash, The Word of God and the Mind of Man; Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and
Reformed Publishing, 1982; p. 67.

[20] Ibid., p. 67.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Ultimate Questions. ed. 2010. pp.15-17,20.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 15/07/2018.

A POSSIBILIDADE DA TEOLOGIA – Vincent Cheung

Antes da construção de um sistema teológico, é necessário estabelecer que o conhecimento teológico é possível. "Deus é Espírito" (João 4:24) – Ele transcende a existência espaço-temporal do homem. Assim, a questão é se o homem pode conhecer alguma coisa sobre Deus, ou como o homem pode saber algo acerca dele. A resposta da Bíblia é que é possível ao homem ter conhecimento sobre Deus porque Deus se revelou ao homem.

A Bíblia ensina que o universo exibe a glória de Deus. A magnitude e a excelência das coisas que Deus criou oferecem um testemunho de seu poder e sabedoria:

          Os céus estão declarando a glória de Deus. A vasta expansão mostra o seu trabalho manual. Um dia “fala” disso a outro dia; uma noite mostra conhecimento a outra noite. Não há discursos, não há palavras; Nenhum som é ouvido delas. Sua “voz” estende-se por toda a terra, suas palavras até os confins do mundo (Salmo 19:1-3)[1]

No entanto, o homem não percebe diretamente este testemunho, e ele não infere logicamente informações sobre Deus a partir dele. Como Paulo  escreve:

          Visto que, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por meio da sabedoria humana, agradou a Deus salvar aqueles que crêem por meio da loucura da pregação. (1 Corintios 1:21)

Deus fez questão de impedir que os não cristãos o conhecessem por meio de sua própria sabedoria.

Portanto, embora o testemunho da criação seja forte e evidente, o homem não pode adquirir conhecimento sobre Deus por meio de uma observação do mundo. Isso não significa que alguns homens não tenham um conceito de Deus em suas mentes. De fato, a Bíblia ensina que todo homem conhece a Deus, mas esse conhecimento não vem da observação. Antes, Paulo escreve que ele foi "escrito" na mente do homem – é um conhecimento inato:

          De fato, quando os gentios, que não têm a lei, praticam naturalmente o que ela ordena, tornam-se lei para si mesmos, embora não possuam a lei; pois mostram que as exigências da lei estão gravadas em seus corações. Disso dão testemunho também a consciência e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os. (Romanos 2:14-15)[2]

Os teólogos chamam o testemunho da criação e o conhecimento inato na mente do homem  REVELAÇÃO GERAL DE DEUS. [3] Embora todos os homens saibam sobre Deus dessa maneira, isso não significa que todos os homens conscientemente o reconheçam. De fato, desde  que todos os homens são pecadores, eles se recusam a reconhecer esse Deus que eles conhecem, mas tentam suprimir a verdade:

          Portanto, a ira de Deus é revelada do céu contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça, pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis; porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e os seus corações insensatos se obscureceram. (Romanos 1:18-21)[4]

No entanto, esse conhecimento é indestrutível e inegável, de modo que ele aparece em formas distorcidas nas religiões, filosofias e princípios éticos não cristãos.

Assim, Deus revelou sua existência, atributos e algumas de suas exigências morais a todas as pessoas, incluindo essas informações na mente humana. Esse conhecimento é inato e não é derivado do raciocínio a partir da sensação. O homem não infere do que ele observa na natureza que deve haver um Deus; antes, ele conhece o Deus da Bíblia antes de ter acesso a dados empíricos. A interação com a criação, incluindo o ato de observação, estimula a mente humana a recordar esse conhecimento inato, que foi suprimido pelo pecado.

Toda pessoa tem um conhecimento inato de Deus, e para qualquer lugar que ela olhe a natureza o lembra disso. Todo seu pensamento e toda sua experiência testificam a existência e os atributos de Deus; a evidência é inescapável. Portanto, aqueles que negam a existência de Deus estão suprimindo a verdade por causa de sua maldade e rebelião.  A revelação geral de Deus de sua existência e atributos através de sua criação – o conhecimento inato no homem e as características do universo – tornam sem desculpa aqueles que negam que Ele é e o que Ele é, e assim eles são justamente condenados.

Embora cada pessoa tenha um conhecimento inato da existência e atributos de Deus, e o universo sirva como um lembrete constante, a revelação geral exclui muita informação sobre Deus e sua criação, e em particular não contém informação necessária para a salvação – ela não contém o evangelho. Assim, Deus revelou o que Ele decidiu nos ensinar por revelação verbal, isto é, a Escritura. Em outras palavras, ele fala conosco e nos diz o que ele quer que saibamos:

          As coisas encobertas pertencem ao Senhor, ao nosso Deus, mas as reveladas pertencem a nós e aos nossos filhos para sempre, para que sigamos todas as palavras desta lei.

      A teologia é possível porque Deus se revelou a nós através das palavras da Bíblia. Essa é a sua REVELAÇÃO ESPECIAL. Ela contém informações ricas e precisas sobre Deus e as coisas que Ele decidiu que deveríamos aprender. É da Bíblia que obtemos conhecimento necessário para a salvação. É da Bíblia que chegamos a conhecer a mensagem sobre Jesus Cristo, que precisamos ser salvos do pecado e do inferno, e como podemos ser salvos através dele:

      Quanto a você, porém, permaneça nas coisas que aprendeu e das quais tem convicção, pois você sabe de quem o aprendeu. Porque desde criança você conhece as sagradas letras, que são capazes de torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus. ( 2 Timóteo 3:13-15)

É possível ao homem conhecer a Deus por meio de sua revelação, porque Deus fez o homem à sua própria imagem, de modo que há um ponto de contato entre os dois, apesar da transcendência de Deus. Animais e objetos inanimados não podem conhecer a Deus da maneira que o homem pode, mesmo se eles fossem apresentados com sua revelação verbal, uma vez que eles não podem recebê-la e entendê-la.

Deus escolheu revelar informações para nós através da Bíblia – em palavras e não em imagens ou experiências; falar ao invés de mostrar. Sua revelação para nós é de natureza racional e intelectual, e não mística ou empírica. A comunicação verbal é superior porque pode ser precisa, acurada e extensiva. Uma vez que a Bíblia assume essa forma de comunicação, um sistema teológico digno deve ser derivado de proposições bíblicas, e não de uma base não verbal, como sentimentos e experiências religiosas, ou construções irracionais, como as teorias científicas.[5]

Todo sistema de pensamento começa com um primeiro princípio, e nessa base deriva o resto por raciocínio indutivo ou dedutivo, ou uma combinação dos dois. A indução é uma falácia formal, uma vez que devido à forma ou estrutura do processo de raciocínio, a conclusão nunca é um resultado logicamente necessário das premissas. A falácia ocorre quando alguém raciocina a partir de particulares para universais. Agora, o raciocínio com base em dados empíricos requer a indução, uma vez que as sensações são particulares, e toda cosmovisão deve conter conceitos e proposições universais, como homem, carro, vermelho, tamanho e assim por diante. Portanto, a indução e o empirismo são irracionais, e um sistema que coloca qualquer dependência sobre ambos deve inevitavelmente entrar em colapso no ceticismo. O ceticismo é a posição de que o conhecimento é impossível, mas é autocontraditória, pois sustenta que podemos conhecer que não podemos conhecer.

A dedução é a única forma válida de raciocínio. Ela procede a partir das premissas para conclusões por necessidade lógica. No entanto, como o raciocínio dedutivo nunca produz informações que já não estejam implícitas nas premissas, o primeiro princípio de um sistema dedutivo deve conter todas as informações para o resto do sistema. Isso significa que um primeiro princípio que é muito estreito deixará de fornecer um número suficiente de proposições para produzir uma cosmovisão abrangente e coerente, ou um sistema de pensamento capaz de responder a todas as questões necessárias. Assim, o conhecimento é impossível com base na indução, empirismo ou qualquer princípio inicial inadequado.

Mesmo que um primeiro princípio pareça ser suficientemente amplo e conter informações suficientes para construir uma cosmovisão, deve haver justificativa para ele, ou alguma razão para afirmá-lo em detrimento de outro. A justificação para um primeiro princípio não pode vir de uma autoridade superior ou de uma premissa anterior, pois então não seria o primeiro princípio. Uma autoridade ou premissa inferior dentro do sistema não pode justificar o primeiro princípio, uma vez que é sobre este primeiro princípio que essa autoridade ou premissa inferior depende. Portanto, um primeiro princípio de um sistema de pensamento deve ser autoautenticado – ele deve permanecer sob sua própria autoridade.

A Bíblia é a autoridade final do sistema cristão; portanto, nosso primeiro princípio, nosso ponto de partida, ou a base de nosso pensamento, é a própria Bíblia. Isso pode ser expresso por qualquer proposição que represente todo o conteúdo da Bíblia, como "A Bíblia é a verdade" ou "A Bíblia é a palavra de Deus".

Embora argumentos empíricos, indutivos e científicos tenham sido formulados em apoio à revelação bíblica, e, embora pareçam ser fortes, dadas as suposições empíricas, de modo que nenhum não cristão inclinado empiricamente possa refutá-los, o cristão deve considerar esses argumentos como não confiáveis – como  tenho discutido extensivamente em outro lugar – todos os métodos empíricos, indutivos e científicos são irracionais e impedem a descoberta da verdade.[6] Além disso, se dependêssemos de argumentos e procedimentos empíricos para justificar a Bíblia, as suposições empíricas seriam, então, como um juíz da própria palavra de Deus, de modo que a Escritura deixaria de ser a autoridade suprema em nosso sistema. Como Hebreus 6:13 diz: "Quando Deus fez a sua promessa a Abraão, por não haver ninguém superior por quem jurar, jurou por si mesmo". Como Deus possui a autoridade última, não há autoridade superior pela qual se possa declarar a Bíblia como infalível e inerrante.

Dito isso, nem todo sistema que reivindica autoridade divina tem dentro de seu primeiro princípio o conteúdo para justificar a si mesmo. Um texto sagrado pode contradizer a si mesmo e se autodestruir. Outro pode admitir dependência da Bíblia cristã, mas a Bíblia condena todas as outras supostas revelações. Em qualquer caso, a Bíblia é verdadeira, e reivindica exclusividade, então todos os outros sistemas de pensamento devem ser falsos.
Portanto, se alguém afirma uma cosmovisão não cristã – qualquer cosmovisão diferente do cristianismo bíblico – ele deve ao mesmo tempo rejeitar a Bíblia.

Isso gera um conflito entre as duas visões de mundo. Quando isso acontece, o cristão pode ter certeza de que seu sistema de pensamento é impermeável aos ataques de outros, mas o próprio sistema bíblico fornece o conteúdo tanto para a defesa quanto para o ataque. O cristão pode destruir a cosmovisão não cristã questionando os primeiros princípios e as proposições subsidiária do sistema. O primeiro princípio do sistema contradiz a si mesmo? Ele não consegue satisfazer seus próprios requerimentos?[7] O sistema desmorona porque assume a confiabilidade da sensação, da indução e do método científico? Suas proposições subsidiárias contradizem umas às outras? Ela toma emprestadas premissas cristãs não dedutíveis de seu próprio princípio primeiro? O sistema fornece respostas coerentes para as questões últimas e necessárias, tais como as relativas à epistemologia, metafísica e ética?[8]

O primeiro princípio, o ponto de partida, ou a fundação do sistema cristão é a Bíblia. A partir desse primeiro princípio, o teólogo constrói um sistema abrangente de pensamento. Na medida em que seu raciocínio estiver correto, toda parte do sistema é deduzida por necessidade lógica do primeiro princípio infalível, e é, portanto, igualmente infalível.
E uma vez que a Bíblia é a revelação verbal de Deus, que exige nossa adoração e comanda nossa consciência, um sistema de teologia validamente deduzido da revelação é autoritativo e obrigatório. Portanto, na medida em que este livro for fiel em apresentar o que a Escritura ensina, ele representa o que os cristãos se têm se comprometido a acreditar e no que todos os homens devem acreditar, porque ele representa verdades universais e objetivas que Deus revelou.

NOTAS DE RODAPÉ:

[1] Robert L. Reymond, A New Systematic Theology ofthe Christian Faith; Nashville, Tennessee: Thomas Nelson, Inc.; p. 396.
A NVI lê: "Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos. Um dia fala disso a outro dia; uma noite o revela a outra noite. Sem discurso nem palavras, não se ouve a sua voz."

[2]Quando então os gentios, não tendo Lei, fazem naturalmente o que é prescrito pela Lei, eles, não tendo Lei, para si mesmo são Lei; eles mostram a obra da lei gravada em seus corações, dando disto testemunho sua consciência e seus pensamentos...” (v. 14-15, Bíblia de Jerusalém).

[3] Isso também é chamado de revelação natural – a revelação de Deus de si mesmo através da natureza, ou a marca de Deus em sua criação. Um sistema de teologia alegadamente derivado da revelação geral ou natural é chamado de teologia natural. Para expressar o ensino bíblico em termos teológicos, diríamos que há uma revelação geral ou natural (Salmos 19: 1-3), mas é impossível derivar uma teologia natural com base nessa revelação (1
Coríntios 1:21).

[4]  “Sua realidade invisível — seu eterno poder e sua divindade — tornou-se inteligível, desde a criação do mundo, através das criaturas, de sorte que não têm desculpa” (v. 20, Bíblia de Jerusalém).

[5] A ciência é irracional porque comete as falácias do empirismo, da indução e da afirmação do consequente (experimentação).

[6] Veja Vincent Cheung, Ultimate Questions, Presuppositional Confrontations, e Captive to Reason.

[7] Por exemplo, um princípio que afirme que toda afirmação deve ser verificada empiricamente não pode ser verificado empiricamente. O princípio destrói a sí mesmo.

[8] Para instruções sobre filosofia e apologética bíblicas, veja Vincent Cheung, Ultimate Questions, Presuppositional Confrontations, Apologetics in Conversation, e Captive to Reason.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. SYSTEMATIC THEOLOGY: A Possibilidade da Teologia. ed. 2010. pp. 5-9.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em julho de 2018.