quinta-feira, 6 de setembro de 2018

2. ESCRITURA – Vincent Cheung

A NATUREZA DA ESCRITURA
A INSPIRAÇÃO DA ESCRITURA
A UNIDADE DA ESCRITURA
A INFALIBILIDADE DA ESCRITURA
A AUTORIDADE DA ESCRITURA 
A NECESSIDADE DA ESCRITURA
A CLAREZA DA ESCRITURA
A SUFICIÊNCIA DA ESCRITURA

2. ESCRITURA

A Bíblia, ou Escritura, é a autoridade suprema e o primeiro princípio do sistema cristão, e é a fonte de nosso conhecimento sobre Deus e as coisas de Deus. Portanto, é apropriado começar o estudo da teologia considerando os atributos da Escritura.

A NATUREZA DA ESCRITURA

A revelação bíblica existe na forma proposicional. Embora muitas pessoas depreciem palavras em favor de imagens e sentimentos, Deus escolheu se revelar e se comunicar conosco nas palavras da linguagem humana. As palavras são capazes de transmitir de maneira exata e unívoca as informações de Deus e sobre Deus. Isso afirma que a Escritura é uma revelação divina significativa, e também afirma que a pregação e a escrita são capazes de comunicar a mente de Deus como estabelecida na Bíblia. A natureza proposicional da Bíblia testemunha contra as noções populares de que a linguagem humana é inadequada para falar sobre Deus, que imagens são superiores às palavras, que a música é de maior valor do que a pregação, e que as experiências religiosas podem ensinar uma pessoa mais sobre as coisas divinas do que estudos teológicos.

Algumas pessoas insistem que a Bíblia fala de uma maneira que produz imagens mentais vívidas. Isso supostamente mostra que, embora a Bíblia consista de palavras, o efeito pretendido dessas palavras é produzir imagens, e isso é endosso implícito para imagens como veículos superiores de comunicação. O argumento é forçado e desesperado. Primeiro, sua base não está na própria Bíblia, mas numa alegação sobre o efeito que ela tem nos leitores.
Em segundo lugar, na melhor das hipóteses, ela descreve a reação de apenas alguns leitores; outros leitores podem responder de forma diferente.
Terceiro, se Deus quisesse se comunicar conosco através de imagens, Ele poderia ter inspirado os profetas e os apóstolos a desenhar imagens na Bíblia. Mas não há nem mesmo uma.

Se as imagens são superiores, então como não há imagens na Bíblia? Se as imagens são essenciais para a comunicação teológica, a inclusão de imagens garantiria que ninguém formaria as imagens mentais erradas quando exposto à revelação divina. Mesmo que se pretenda imagens mentais, o fato de Deus ter escolhido usar palavras para produzi-las implica que as palavras são suficientes e superiores. No entanto, além das imagens de palavras, a Escritura também usa palavras para discutir as coisas de Deus em termos abstratos, não associados a nenhuma imagem.[1]

Suponhamos que mostremos uma imagem da crucificação de Cristo a uma pessoa que não tenha conhecimento da fé Cristã. Sem qualquer explicação verbal, seria impossível para ela averiguar que o próprio Cristo era inocente, que Ele morreu para satisfazer a ira de Deus, e que Ele fez isso para redimir aqueles que Deus havia escolhido antes da criação do mundo. A imagem não sugere nenhuma relação entre o evento com algo divino ou espiritual. Ela não mostra se o evento foi histórico ou fictício. E não haveria maneira de conhecer as palavras que Cristo falou quando Ele estava na cruz. A imagem não carrega nenhum significado teológico. E a menos que haja pelo menos várias centenas de palavras para explicá-la, nenhuma interpretação adequada é possível. Mas uma vez que há muitas palavras para explicá-la, a imagem se tornou desnecessária. Uma imagem não vale mais que mil palavras. Ela não pode nem mesmo substituir uma palavra.
Se houvesse dez milhões de imagens para descrever cada detalhe da vida de Cristo, ainda não haveria evangelho inteligível. Se não há evangelho, então não há salvação, e a pessoa a quem é exibida essas imagens permaneceria em seu pecado e destinada ao inferno, confusa ao invés de iluminada pela nossa coleção de arte em massa. 

Qualquer visão que exalte a música acima da comunicação verbal sofre críticas semelhantes. É impossível obter qualquer significado ou qualquer conteúdo religioso a partir da música se ela for executada sem palavras. O Livro dos Salmos é uma grande coleção de cânticos e nos fornece uma rica herança para adoração, doutrina e reflexão. Entretanto, toda essa herança consiste em palavras. As melodias originais estão conspícuamente ausentes. Nenhuma notação musical é encontrada em qualquer parte da Bíblia. Assim, o desígnio de Deus na inspiração da Escritura mostra que o valor dos salmos bíblicos está nas palavras e não nas melodias. A música desempenha um papel secundário na adoração; isto é, comparado às palavras da Escritura e o ministério da pregação, as próprias melodias não são importantes. Quer cantemos João 3:16 ao som de uma canção de aniversário ou de uma vinheta, não há efeito sobre o conteúdo. Porém se as letras forem voltadas para o aniversário ou o produto, então, mesmo uma melodia de Bach não pode nos salvar.

Quanto às experiências religiosas, quando se trata de comunicar informações, até mesmo uma visão de Cristo não pode substituir mil palavras da Escritura. Sem o conhecimento da Escritura, uma pessoa não pode avaliar qualquer experiência religiosa, seja ela um milagre de cura ou uma visitação angélica. As experiências religiosas, sem a comunicação verbal, não carregam sua própria interpretação, de modo que os encontros sobrenaturais mais espetaculares permanecem ininteligíveis sem palavras para informar a mente com informações definidas. E assim como dez mil imagens não podem corresponder à inteligibilidade mesmo de uma palavra ou sentença, até mesmo uma visão de Deus requer interpretação verbal. Essa não é uma observação irreverente, visto que é o próprio Deus quem nos envia suas palavras e nos ordena a segui-las. Pelo contrário, é irreverente afirmar que suas palavras não são necessárias ou que alguns outros meios de comunicação são superiores àquele que Ele escolheu.

O episódio inteiro do Êxodo não poderia ter ocorrido se Deus tivesse permanecido em silêncio quando Ele apareceu a Moisés na sarça ardente. Quando Jesus apareceu em uma luz brilhante no caminho para Damasco, o que aconteceria se Ele se recusasse a responder quando Saulo lhe perguntasse: "Quem és, Senhor?". A razão pela qual Saulo percebeu quem estava falando com Ele foi porque Jesus respondeu com as palavras: "Eu sou Jesus, a quem você está perseguindo" (Atos 9: 3-6). As experiências religiosas são sem sentido, a menos que sejam acompanhadas por comunicação verbal que carregue conteúdo inteligível.

Outra posição errônea em relação à Bíblia é considerá-la como um mero registro de eventos reveladores, ao invés da própria revelação de Deus.
Isto é, a Bíblia não é a revelação, mas um registro da revelação – a revelação como tal não consiste em palavras e proposições, mas em coisas tais como criação, milagres, aparições divinas, a "pessoa" de Cristo, seus atos de compaixão e sacrifício, e assim por diante. É verdade que, em certo sentido, um milagre pode ser considerado revelação, mas sobre o que o milagre revela? Ele revela algo sobre Deus ou o diabo? E o que o milagre revela sobre Deus? Ele revela que Ele é poderoso, que Ele é compassivo ou que Ele pode fazer coisas para ajudar as pessoas, embora normalmente não as faça? O que podemos derivar de um milagre? Precisamos de palavras para nos dizer os princípios pelos quais interpretamos esses eventos, e então precisamos de palavras para declarar as interpretações desses eventos.
Caso contrário, uma interpretação é tão inválida quanto seu oposto, uma vez que, sem um padrão de interpretação, nenhuma interpretação pode ser uma inferência necessária de qualquer evento. Assim, os eventos em si não revelam nada, a menos que haja uma abundância de palavras para interpretá-los. As próprias palavras constituem a revelação. Uma vez que eles constituem o que é revelado, eles são identificados com a revelação.

Algumas pessoas temem que uma forte devoção à Escritura implicaria que valorizássemos o registro de um evento revelador mais do que o evento em si. O evento possui um valor especial porque é considerado uma revelação. Mas se a própria Escritura é a revelação, então essa preocupação é equivocada. Como Paulo explica, "Toda a Escritura é soprada por Deus" (2 Timóteo 3:16). As palavras da Bíblia foram sopradas por Deus. Se isso não é revelação, então nada é revelação. E como as palavras sopradas pelo próprio Deus podem ser menos reveladoras do que um milagre ou mesmo a pessoa de Cristo?
Essa maneira de pensar coloca Deus contra si mesmo e resulta em completa confusão.

Além disso, mesmo se considerarmos os eventos registrados na Bíblia como revelação, não temos nenhum contato direto com eles. A única revelação pública e constante com a qual temos contato é a Bíblia. É contraproducente depreciar uma revelação que possuímos em favor de um tipo de revelação que não temos. Deus não apenas projetou e causou os eventos que as palavras da Bíblia descrevem e interpretam, mas também selecionou e fez com que fossem escritas estas mesmas palavras que encontramos na Bíblia. E muitas declarações na Bíblia não correspondem à aparições pessoais, ações ou eventos; antes, apenas as proposições constituem a revelação: "No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus" (João 1:1).

Visto que essa alta visão da Escritura é aquela que a Escritura afirma de si mesma, ela é a única que é justamente chamada de Cristã, e todo cristão é obrigado a concordar com ela. Enquanto a pessoa nega que a própria Bíblia seja uma revelação divina, ela não é mais do que um livro comum, de modo que hesitaria em oferecer-lhe total reverência, como se fosse possível adorá-la excessivamente.

Há pregadores que dizem aos crentes que eles devem procurar "o Senhor do livro, não o livro do Senhor", ou algo para esse efeito. Mas visto que as palavras da Escritura foram sopradas por Deus, e essas palavras constituem a única revelação pública e explícita de Deus, é impossível olhar para o Senhor sem olhar para o seu livro. De fato, visto que as palavras da Escritura são as próprias palavras de Deus, uma pessoa está olhando para o Senhor apenas na medida em que ela está olhando para as palavras da Bíblia. Uma "pessoa" é identificada com seus pensamentos e suas palavras. Alguém que me diz: "Eu concordo você, quanto em pessoa, mas não concordo com seus pensamentos e suas palavras", não é inteligente nem respeitoso, mas insano. Concordar comigo é concordar com meus pensamentos e minhas palavras. Não há diferença.

Nosso contato com Deus é através das palavras da Bíblia. Provérbios 22:17-21 indica que confiar no Senhor é confiar em suas palavras:

     Preste atenção e ouça os ditados dos sábios; aplique o coração ao meu ensino. Será uma satisfação guardá-los no íntimo e tê-los todos na ponta da língua. Para que você confie no Senhor, a você hoje ensinarei. Já não lhe escrevi conselhos e instruções, ensinando-lhe palavras dignas de confiança, para que você responda com a verdade a quem o enviou?

Deus governa e ensina sua Igreja através da Bíblia; portanto, nossa atitude para com ela reflete nossa atitude para com Deus. Qualquer um que ama a Deus amará suas palavras da mesma forma, e não fará distinção entre os dois. Aqueles que afirmam amar a Deus devem demonstrá-lo por uma obsessão zelosa com suas palavras:

     Como eu amo a tua lei! Medito nela o dia inteiro. ... Como são doces para o meu paladar as tuas palavras! Mais do que o mel para a minha boca! (Salmos 119: 97,103)

     O temor do Senhor é puro, e dura para sempre. As ordenanças do Senhor são verdadeiras, são todas elas justas. São mais desejáveis do que o ouro, do que muito ouro puro; são mais doces do que o mel, do que as gotas do favo.
(Salmos 19: 9-10)

Uma pessoa ama a Deus somente na medida em que ela ama a Bíblia. O amor pela Bíblia é o padrão pelo qual todos os outros aspectos da vida espiritual são medidos.

A INSPIRAÇÃO DA ESCRITURA

A Bíblia é a revelação verbal de Deus. É Deus nos falando. É a voz de próprio Deus. A própria natureza da Bíblia indica que a melhor maneira de comunicar a revelação divina é por meio de palavras. Conhecemos a Deus estudando as palavras de Deus, isto é, as palavras da Bíblia. Ela é a fonte mais precisa, acurada e abrangente de informações sobre Deus disponível para nós.

     Toda Escritura é soprada por Deus e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja plenamente preparado para toda boa obra (2 Timóteo 3:16-17).

Todas as palavras da Bíblia foram sopradas por Deus.[2] Ele fez com que os escritores humanos registrassem as palavras exatas que Ele queria usar para comunicar seus pensamentos. Essa é a doutrina da INSPIRAÇÃO DIVINA.

A Escritura, ou a Bíblia, consiste do Antigo e Novo Testamentos, sessenta e seis documentos no total, funcionando como um todo orgânico. O apóstolo Pedro, certamente, reconhece o Antigo Testamento como Escritura.

     Tenham em mente que a paciência de nosso Senhor significa salvação, como também o nosso amado irmão Paulo lhes escreveu, com a sabedoria que Deus lhe deu. Ele escreve da mesma forma em todas as suas cartas, falando nelas destes assuntos. Suas cartas contêm algumas coisas difíceis de entender, as quais os ignorantes e instáveis torcem, como também o fazem com as demais Escrituras, para a própria destruição deles (2 Pedro 3:15-16).

Ele explica que os homens que escreveram as Escrituras foram "impelidos pelo Espírito Santo", de modo que nenhuma parte dela "teve sua origem na vontade do homem", ou veio pela "própria interpretação do profeta" (2 Pedro 1:20-21). Da mesma forma, os apóstolos escreveram sob a inspiração do Espírito.

A Bíblia é uma revelação verbal exata de Deus, de modo que Jesus disse: “Digo-lhes a verdade: Enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou o menor traço, até que tudo se cumpra” (Mateus 5:18). Deus exerceu um controle tão preciso sobre a produção da Bíblia que o seu conteúdo, até a própria letra, é o que Ele desejava colocar por escrito. A Bíblia revela a natureza e a mente de Deus de uma maneira exata e unívoca.

Há a objeção de que essa alta visão das Escrituras implica uma teoria do ditado da inspiração bíblica, e uma vez que os vários documentos nas Escrituras parecem refletir as diferentes personalidades, cenários e estilos literários dos escritores, a teoria do ditado deve ser descartada, e assim também a inspiração divina é excluída. No entanto, essa é uma objeção não inteligente. Os cristãos lutam para negar a teoria do ditado, mas não há nada intrinsecamente absurdo ou impossível sobre ela. Deus poderia ter ditado seus pensamentos para refletir uma variedade de personalidades e estilos literários para atender seus propósitos e manifestar sua multiforme sabedoria. Não há necessidade de renunciar ao princípio do ditado, uma vez que não há nada de errado com ele.
E como indicado pelos próprios profetas, partes significativas da Bíblia foram de fato ditadas e escritas. Talvez o exemplo mais proeminente seja os Dez Mandamentos – o próprio Deus escreveu nas tábuas enquanto falava, mas Moisés também registrou as palavras exatas que Deus falou. Muitas passagens ditadas são encontradas e claramente identificadas em Isaías, Jeremias, Ezequiel, muitos dos outros profetas e em todas as passagens em que as palavras de Deus são identificadas como citações diretas.

Dado o poder e a sabedoria de Deus, a objeção contra o ditado é irrelevante e é imediatamente derrotada. É uma reação impensada à doutrina da inspiração baseada no preconceito e falsas suposições sobre como Deus deve se revelar em palavras, ou se Ele escolheu o ditado, como deve ter ocorrido. Mas a habilidade de Deus desafia as restrições humanas.

Essa é uma questão de interesse sobre se a inspiração divina aconteceu dessa ou se aconteceu de alguma outra maneira, mas não há problema inerente com o ditado.

Em qualquer caso, uma alta visão da Escritura não implica que tudo dela tenha sido revelado por ditado. E mesmo quando o ditado ocorreu, Deus não ditou sua palavra aos profetas e apóstolos como um homem ditaria suas cartas a uma secretária. Uma pessoa pode assumir que o ditado é a mais alta forma de inspiração, uma vez que é a situação humana mais familiar na qual um escritor registra as palavras exatas de outra pessoa. No entanto, o ditado nesse contexto humano não representa a forma mais elevada de inspiração.

Um homem pode ditar suas palavras para a secretária, mas ele não tem controle sobre os detalhes da vida da secretária – seu nascimento, família, educação, personalidade, circunstâncias e até seus próprios pensamentos. Em contraste, a Bíblia ensina que Deus exerce controle total sobre todos os detalhes de sua criação, na medida que até os pensamentos dos homens estão sob seu controle.[3] Isto é verdade com relação aos escritores bíblicos. Deus então ordenou, dirigiu e controlou os pensamentos e vidas de seus instrumentos escolhidos, que quando a hora chegou, suas personalidades e cenários eram perfeitamente adequados para escrever aquelas porções das Escrituras que Ele havia designado para elas:

     Disse-lhe o SENHOR: “Quem deu boca ao homem? Quem o fez surdo ou mudo? Quem lhe concede vista ou o torna cego? Não sou eu, o SENHOR? Agora, pois, vá; eu estarei com você, ensinando-lhe o que dizer” (Êxodo 4:11-12).

     A palavra do Senhor veio a mim, dizendo: “Antes de formá-lo no ventre eu o escolhi; antes de você nascer, eu o separei e o designei profeta às nações”... O Senhor estendeu a mão, tocou a minha boca e disse-me: “Agora ponho em sua boca as minhas palavras” (Jeremias 1:4-5,9).

     Irmãos, quero que saibam que o evangelho por mim anunciado não é de origem humana. Não o recebi de pessoa alguma nem me foi ele ensinado; ao contrário, eu o recebi de Jesus Cristo por revelação.... Mas Deus me separou desde o ventre materno e me chamou por sua graça. Quando lhe agradou revelar o seu Filho em mim para que eu o anunciasse entre os gentios... (Gálatas 1:11-12, 15-16).

Deus não encontrou as pessoas certas para escrever a Escritura, mas criou as pessoas certas para escrevê-la e depois fez com que a escrevessem[4]. No momento da escrita, o Espírito de Deus as controlou de uma maneira tão deliberada e completa que elas escreveram materiais que eram além do que sua inteligência natural poderia conceber.[5] O resultado foi a revelação verbal de Deus, e foi a própria letra que Ele desejou pôr por escrito. E por seu controle da natureza, da história e da humanidade, Ele tem preservado seu livro este dia.

Portanto, a inspiração da Bíblia não se refere apenas aos tempos em que Deus exerceu controle especial sobre os escritores, embora Ele de fato exerceu esse controle, mas a preparação começou antes mesmo da criação do mundo. Deus controla cada detalhe de cada pessoa e, portanto, de todo escritor bíblico, e não apenas quando eles se sentaram para escrever a Escritura. Em comparação, o mero ditado é mais fraco e implica uma visão mais baixa da Escritura, uma vez que atribui a Deus menos controle sobre o processo.

Essa visão da inspiração explica o assim chamado "elemento humano" na Escritura. Os documentos bíblicos refletem os vários cenários sociais, econômicos e intelectuais dos autores, suas diferentes personalidades e seus vocabulários e estilos literários únicos. Esse fenômeno é o que se esperaria, dada a visão bíblica da inspiração, na qual Deus exerceu completo controle sobre suas vidas, circunstâncias, até seus próprios pensamentos, e não apenas sobre o processo de escrita. Portanto, o "elemento humano" nas Escrituras é parte do que Deus pretendeu produzir, de modo que ele não prejudica a doutrina da inspiração, mas é consistente com ela e é explicado por ela.

A UNIDADE DA ESCRITURA

A inspiração da Escritura implica a unidade da Escritura. O fato de que as palavras da Escritura procedem de uma mente divina racional implica que ela deve exibir perfeita coerência. Isso é o que encontramos na Bíblia. Embora a personalidade e o estilo literário de cada escritor sejam evidentes, o desígnio e a unidade da Bíblia indicam um único autor divino. Cada documento escriturístico exibe uma consistência interna perfeita e todos os documentos são consistentes entre si. A Bíblia nunca se contradiz.

Jesus afirma a coerência da Escritura, e Ele assume isso em todos os seus ensinamentos e aplicações da Bíblia. Isso é demonstrado em sua resposta à tentação de Satanás:

     Então o diabo o levou à cidade santa, colocou-o na parte mais alta do templo e lhe disse: "Se você é o Filho de Deus, jogue-se daqui para baixo. Pois está escrito: ‘Ele dará ordens a seus anjos a seu respeito, e com as mãos eles o segurarão, para que você não tropece em alguma pedra’". Jesus lhe respondeu: "Também está escrito: ‘Não ponha à prova o Senhor, o seu Deus’".
(Mateus 4:5-7)

Satanás insta Jesus a pular do templo com base no Salmo 91: 11-12. Jesus replica com Deuteronômio 6:16, sugerindo que o uso da passagem por Satanás contradiz a instrução de Deuteronômio e, portanto, é uma má aplicação. Quando uma pessoa interpreta uma passagem da Escritura de uma maneira que contradiz outra passagem, ela está manejado mau o texto. O argumento de Cristo assume a unidade da Escritura, e mesmo o diabo não a desafiou.

Em outra ocasião, quando Jesus confronta os fariseus, seu desafio a eles assume a unidade da Escritura e a lei da não contradição:

     Estando os fariseus reunidos, Jesus lhes perguntou: "O que vocês pensam a respeito do Cristo? De quem ele é filho?" "É filho de Davi", responderam eles. Ele lhes disse: "Então, como é que Davi, falando pelo Espírito, o chama ‘Senhor’? Pois ele afirma: ‘O Senhor disse ao meu Senhor: "Senta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo de teus pés" ’. Se, pois, Davi o chama ‘Senhor’, como pode ser ele seu filho? " Ninguém conseguia responder-lhe uma palavra; e daquele dia em diante, ninguém jamais se atreveu a lhe fazer perguntas.
(Mateus 22:41-46)

Uma vez que Davi estava "falando pelo Espírito", ele não poderia ter errado. Mas se Cristo era o descendente de Davi, como poderia Ele também ser o Senhor de Davi? O fato de isso colocar um problema, em primeiro lugar, significa que tanto Jesus como os fariseus assumiam a unidade da Escritura e a lei da não contradição. Se eles acreditassem que a Escritura se contradiz, ou se eles pensassem que uma pessoa pode afirmar duas proposições que contradizem uma à outra, então Jesus não estaria fazendo um ponto significativo. A resposta é que o Messias seria tanto humano quanto divino e, portanto, "filho" e "Senhor" de Davi.

No entanto, é popular tolerar contradições na teologia. Alister McGrath escreve em seu Understanding Doctrine:

     O fato de que algo é paradoxal e até mesmo autocontraditório, não o invalida... Aqueles dentre nós que têm trabalhado no campo científico estão muitíssimos conscientes da completa complexidade e do caráter misterioso da realidade. Os eventos subjacentes à teoria quântica, as dificuldades de se usar modelos na explicação científica — para mencionar apenas dois fatores de que posso lembrar claramente do meu próprio período como cientista natural — apontam para a inevitabilidade do paradoxo e da contradição em tudo, exceto quando o compromisso com a realidade é o mais superficial.... [6]

Isso é absurdo. Concedendo que McGrath conhece ciência suficiente para falar sobre o assunto, isso é um testemunho contra a ciência, e não um argumento para abraçar as contradições na teologia. Ele assume a confiabilidade da ciência e julga todas as outras disciplinas por ela. Seu pensamento é que, se existem contradições na ciência, então as contradições devem ser aceitáveis, e devemos aceitá-las também na teologia.

No entanto, o fato de a ciência muitas vezes se contradizer é uma razão para afirmar que ela é irracional e não confiável, e não uma razão para permitir contradições em outros campos de estudo. A ciência é uma disciplina de especulação irracional sobre a realidade. Às vezes, suas teorias se correlacionam com efeitos que desejamos, mas não podem descobrir qualquer verdade sobre a realidade. O conhecimento sobre a realidade vem de deduções válidas da revelação bíblica e nunca de métodos científicos ou empíricos.[7] McGrath não nos dá argumentos para ignorar ou tolerar as contradições da ciência; antes, ele assume a confiabilidade da ciência apesar das contradições. Não há justificação para isso.

O que faz da ciência o padrão pelo qual devemos julgar todas as outras disciplinas? O que dá à ciência o direito de fazer regras para todos os outros campos de estudo? McGrath afirma que a ciência aponta "para a inevitabilidade do paradoxo e da contradição em tudo, exceto quando o compromisso com a realidade é o mais superficial". Mas a ciência não é teologia. A ciência se contradiz e desmorona, mas isso não significa que a teologia tenha o mesmo destino. Na verdade, McGrath tem um problema muito grande. Sua declaração implica que, a menos que Deus se contradiga quando fala conosco, suas palavras são "muito superficiais". Ele está certo de que a ciência se contradiz, mas a aplicação à teologia é falsa.

Em todo caso, a teologia lida com Deus, que tem o direito e o poder de governar todo o pensamento e a vida.
Deus conhece a natureza da realidade e a comunica através da Bíblia. Portanto, é a teologia que faz as regras para a ciência, e um sistema bíblico de teologia não contém paradoxos ou contradições. Em sua tentativa de negar isso, McGrath se compromete com a blasfêmia de que Deus seja inconsistente, ou Ele seja superficial. Ele parece pensar que, se os homens não podem falar sobre a realidade sem contradições, então, mesmo Deus não pode nos falar sobre a realidade sem contradições. Isso é o quanto McGrath pensa dos homens, ou melhor, isso é o quão pouco ele pensa de Deus.

Para qualquer proposição que afirme X, a proposição que a contradiz é aquela que afirma não-X. Isto é o que uma contradição significa. Qualquer proposição que afirme uma coisa é, por necessidade, também uma negação de seu oposto. Afirmar X é negar não-X e afirmar não-X é negar X. Para manter isso simples, vamos supor que Y = não-X, de modo que o oposto de X seja Y. Assim, afirmar X é negar Y, e afirmar Y é negar X. Ou, X = não-Y e Y = não-X. Então, uma vez que afirmar uma proposição é negar seu oposto, afirmar X e Y ao mesmo tempo é o equivalente de corresponder não-Y e não-X. Assim, afirmar duas proposições contraditórias é, na realidade, negar ambas. Mas afirmar tanto não-Y quanto não-X é também afirmar X e Y, o que significa novamente negar Y e X. E assim toda a operação se torna sem sentido. O resultado é que é impossível afirmar duas proposições contraditórias ao mesmo tempo. Afirmar a proposição "Adão é um homem" (X) é negar a proposição contraditória "Adão não é um homem" (Y ou não-X). Da mesma forma, afirmar a proposição, "Adão não é um
homem "(Y), é negar a proposição contraditória, "Adão é um homem "(X). Agora, afirmar tanto "Adão é um homem" (X) e "Adão não é um homem" (Y) é apenas negar ambas as proposições em ordem inversa. Isto é, é equivalente a negar "Adão não é um homem" (Y) e "Adão é um homem" (X). Mas então voltamos a reafirmar as duas proposições em ordem inversa. Quando afirmamos ambas, negamos ambas; quando negamos ambas, afirmamos ambas. Portanto, não há significado inteligível na afirmação de duas proposições contraditórias. É dizer não nada e não acreditar em nada.

Para ilustrar, é claro que a soberania divina e a liberdade humana contradizem uma à outra.[8] Se Deus controla tudo, incluindo os pensamentos do homem, então o homem não é livre de Deus. Se o homem é livre de Deus em qualquer sentido ou em qualquer grau, então Deus não controla tudo.[9] No entanto, alguns teólogos afirmam que a Bíblia ensina ambas a soberania divina e a liberdade humana, e assim eles insistem que devemos afirmar ambas. Contudo, uma vez que afirmar a soberania divina é negar a liberdade humana, e afirmar a liberdade humana é negar a soberania divina, então afirmar ambas apenas significa rejeitar tanto a soberania divina (na forma de uma afirmação da liberdade humana) quanto a liberdade humana ( na forma de uma afirmação da soberania divina). Mas negar ambas significa afirmar ambas na ordem inversa e afirmar ambas significa negar ambas em ordem inversa novamente.

O resultado necessário é que a pessoa que alega crer tanto na soberania divina quanto na liberdade humana não acredita em nenhuma delas. Ao alegar acreditar em tudo da Bíblia, ele de fato não acredita em nada dela.

Nesse exemplo, uma vez que a Bíblia afirma a soberania divina e nega a liberdade humana, não há contradição – nem mesmo aparente. Por outro lado, quando os não cristãos alegam que a encarnação de Cristo acarreta uma contradição, o cristão não tem a opção de negar a divindade nem a humanidade de Cristo. Antes, ele deve formular a doutrina como a Bíblia a ensina e mostrar que não há contradição. O mesmo se aplica à doutrina da Trindade. Em qualquer caso, se uma pessoa afirma que ele vê contradições na Bíblia, isso significa que ele não pode acreditar na Bíblia.

Uma resposta popular é que essas são apenas aparentes contradições; ou seja, as doutrinas apenas parecem contradições para a mente dos homens, mas elas estão em perfeita harmonia na mente de Deus. Esta resposta é fútil. Não há diferença entre uma aparente contradição e uma contradição real quando se trata de afirmá-las. Permanece que afirmar algo é negar o outro ao mesmo tempo, de modo que afirmar ambas é negar ambas, e negar ambas é reafirmar ambas. Assim, a pessoa que afirma uma contradição aparente realmente não afirma nada e não nega nada. Se a contradição é apenas aparente é algo irrelevante. Desde que pareça real para a pessoa, ela é real o bastante.

Além disso, como pode uma pessoa distinguir entre uma aparente contradição e uma contradição real? Ela nunca pode saber que uma contradição é apenas aparente. A menos que ela saiba como resolver a aparente contradição, a mesma parecerá para ela uma contradição real. E se ela sabe que uma contradição é apenas aparente, então ela já a resolveu e o termo contradição não mais se aplica. Se devemos tolerar contradições aparentes, então devemos tolerar todas as contradições. Mas se nós tolerarmos aparente contradições, então não há nada para impedir que os não cristãos afirmem que as contradições em suas cosmovisões são apenas aparentes.

D. Martyn Lloyd-Jones ilustra como a tradição de abraçar o paradoxo tem envenenado nossa teologia. Ele faz os cristãos parecerem tolos diante do mundo. Isso é tão ridículo que devo fazer um ponto dizendo que estes são dois parágrafos consecutivos, sem nenhuma interrupção entre eles:

     Acima de tudo, é preciso que compreendamos que há certas coisas que,  com nossas mentes finitas, não seremos capazes de conciliar umas com as outras. Ora, estou tentando evitar o uso de termos técnicos o quanto posso, todavia aqui devo introduzir a palavra antinomia – não antimônio.  O que é uma antinomia? É aquela posição em que nos são dadas duas verdades, as quais, para nós mesmos, não podemos conciliar. Há certas antinomias finais na Bíblia, e, como pessoas de fé, devemos estar dispostos a aceitar tal fato. Quando alguém diz: "Oh, mas você não pode reconciliar esses dois", você deve prontamente dizer: "É verdade, não posso". Não presumo ser capaz de fazê-lo. Eu não sei.  Só creio no que me é dito nas Escrituras."

     Pois bem, aproximamo-nos dessa grande doutrina assim: à luz das coisas que já consideramos sobre o ser,  a natureza e o caráter de Deus, esta doutrina dos decretos eternos deve ser deduzida como uma necessidade suprema e absoluta. Devido Deus ser quem é e o que Ele é, Ele tem de operar da maneira como Ele opera. Como temos visto, todas as doutrinas na Bíblia são consistentes umas com as outras, e quando estamos considerando uma doutrina específica, devemos lembrar que ela deve ser sempre consistente com as demais. Portanto, quando decidimos estudar o que a Bíblia nos afirma sobre como Deus age,  devemos tomar cuidado para não dizermos algo que contradiga o que já afirmamos sobre a sua Onisciência, sua Onipotência e todas as demais coisas, que juntos temos concordado estarem nas Escrituras.[10]

No primeiro parágrafo, ele insiste na contradição. No segundo, ele insiste na coerência. É difícil determinar a razão exata dessa insanidade. Talvez o primeiro parágrafo mostre que ele foi infectado com a tradição humana de que existem contradições na Bíblia, sejam aparentes ou reais, e que a piedade acarreta um paradoxo. E talvez o segundo parágrafo expresse o que ele é compelido a admitir, que se a Bíblia é verdadeira, ela deve ser autoconsistente, e que se quisermos entender a Bíblia, ou se devemos afirmar a Bíblia, então devemos percebê-la como autoconsistente, sem contradições aparentes ou reais. Em todo caso, ele diz: há certas coisas que, com nossas mentes finitas, não seremos capazes de conciliar umas com as outras." Mas se esses dois parágrafos fornecem alguma indicação, parece que algumas mentes são muito mais finitas do que outras.[11]

Cientistas e não cristãos podem chafurdar em contradições, mas os cristãos não devem tolerá-los. Em vez de abandonar a unidade das Escrituras ou a lei da não contradição como uma "defesa" contra aqueles que afirmam que as doutrinas bíblicas se contradizem, devemos afirmar e demonstrar a perfeita harmonia dessas doutrinas.

A INFALIBILIDADE DA ESCRITURA

A inspiração e a unidade da Escritura implicam a infalibilidade da Escritura. A Bíblia não contém erros; ela está correto em tudo o que afirma. Uma vez que Deus não mente ou erra, e a Bíblia é a sua palavra, segue-se que tudo o que nela está escrito é verdadeiro. Como Jesus diz, "a Escritura não pode ser anulada" (João 10:35), e que "é mais fácil o céu e a terra desaparecerem do que cair da Lei o menor traço." (Lucas 16:17).

A INFALIBILIDADE da Escritura refere-se à impossibilidade de erro ou incapacidade de errar – a Bíblia não pode errar. A primeira refere-se ao potencial, enquanto a segunda aborda o real estado das coisas. Agora, é possível que uma pessoa seja falível, mas produza um texto livre de erros. A possibilidade de erro não garante o erro. Pessoas que são capazes de cometer erros não cometem erros constantemente. Assim, a infalibilidade implica inerrância, mas a inerrância não implica necessariamente infalibilidade. Portanto, estritamente falando, infalibilidade é a palavra mais forte, e implica inerrância, mas às vezes as duas são intercambiáveis ​​no uso. Em todo caso, uma vez que a nossa posição é que a Bíblia não pode errar e que ela não erra, nós dizemos que ela é infalível e inerrante.

Há aqueles que rejeitam a inerrância da Escritura, mas ao mesmo tempo desejam afirmar, em certo sentido, a perfeição de Deus e que a Bíblia é sua palavra, e assim eles mantêm a estranha posição de que a Bíblia é infalível, porém errante. Em outras palavras, a Bíblia não pode conter erro, mas contém erro. Isso é absurdo e impossível. Às vezes, o que eles querem dizer é que a Bíblia é infalível em um sentido, talvez quando fala de coisas espirituais, enquanto contém erros em outro sentido, talvez quando se trata de assuntos históricos. No entanto, as afirmações bíblicas sobre as coisas espirituais estão inseparavelmente vinculadas às afirmações bíblicas sobre a história, de modo que é impossível afirmar uma e rejeitar a outra.

Por exemplo, é impossível separar o que a Escritura diz sobre a ressurreição de Cristo como um evento da história e o que ela diz sobre o significado espiritual desse evento. Se a ressurreição não aconteceu como a Bíblia diz que aconteceu, então o que ela diz sobre seu significado espiritual pode não ser verdade. E se o que diz sobre seu significado espiritual é verdadeiro, então também deve ser afirmado que a ressurreição aconteceu como a Bíblia diz que aconteceu. Isso ocorre porque o significado espiritual da ressurreição depende de sua historicidade, de que Jesus Cristo morreu em seu corpo físico e foi sepultado, mas foi fisicamente ressuscitado dos mortos e ascendeu à destra de Deus.

Aqueles que rejeitam a infalibilidade e inerrância bíblicas não têm nenhum princípio epistemológico de autoridade pelo qual possam julgar que uma parte da Escritura seja verdadeira e outra parte seja falsa. Uma vez que a Bíblia é a única fonte objetiva de informação a partir da qual o sistema cristão é construído, uma pessoa que considera qualquer parte da Escritura como falível ou errante deve rejeitar todo o cristianismo. E, consequentemente, podemos rejeitar sua reivindicação de ser um cristão.

Uma pessoa não pode questionar ou rejeitar a autoridade última de um sistema de pensamento e ainda reivindicar lealdade a ele, uma vez que a autoridade última em qualquer sistema define e produz todo o sistema.
Quando uma pessoa questiona ou rejeita a autoridade última de um sistema, ele não é mais um adepto do sistema, mas é alguém que adere ao princípio pelo qual questiona ou rejeita a autoridade última do sistema que abandonou. Ter uma autoridade última que não seja a Escritura é rejeitar a Escritura, uma vez que a própria Bíblia reivindica ser infalível e definitiva. Portanto, uma pessoa que rejeita a infalibilidade e inerrância bíblicas assume a posição intelectual de um não cristão, e deve proceder para defender e justificar sua cosmovisão contra os argumentos do cristão para a verdade da fé bíblica.

Confusão permeia o clima teológico atual; portanto, é melhor afirmar explicitamente a infalibilidade e a inerrância bíblicas e explicar o que queremos dizer com esses termos. Deus é infalível e, visto que a Bíblia é sua palavra, ela não pode e não contém erros. Afirmamos que a Bíblia é infalível em todos os sentidos do termo e, portanto, também deve ser inerrante em todos os sentidos do termo. A Bíblia não pode e não contém erros, quer ela esteja falando de assuntos espirituais, históricos ou outros. Ela está correta em tudo o que afirma.

A AUTORIDADE DA ESCRITURA

A extensão da autoridade da Bíblia determina o nível de controle que ela tem sobre nossas vidas. A inspiração, unidade e infalibilidade da Escritura implicam que ela possui autoridade absoluta. Visto que a Escritura é a própria palavra de Deus, ou Deus falando, a conclusão necessária é que ela carrega a autoridade de Deus. Portanto, a autoridade da Escritura é idêntica à autoridade de Deus.

A própria Bíblia algumas vezes se refere a Deus e à Escritura como se os dois fossem intercambiáveis. Como Warfield escreve, "Deus e as Escrituras são trazidos em tal conjunção como para mostrar que na questão da exatidão da autoridade, nenhuma distinção foi feita entre eles".[12]

     “Ora, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gênesis 12:1-3).

     “Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti” (Gálatas 3.8).

     “Então disse o SENHOR a Moisés: Levanta-te pela manhã cedo, e põe-te diante de Faraó, e dize-lhe: Assim diz o SENHOR Deus dos hebreus: Deixa ir o meu povo, para que me sirva; Porque esta vez enviarei todas as minhas pragas sobre o teu coração, e sobre os teus servos, e sobre o teu povo, para que saibas que não há outro como eu em toda a terra. Porque agora tenho estendido minha mão, para te ferir a ti e ao teu povo com pestilência, e para que sejas destruído da terra;Porque agora tenho estendido minha mão, para te ferir a ti e ao teu povo com pestilência, e para que sejas destruído da terra” (Êxodo 9:13-16).

     “Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei; para em ti mostrar o meu poder, e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra” (Romanos 9:17).

Enquanto a passagem de Gênesis diz que foi "o Senhor" que falou com Abraão, Gálatas diz: "A Escritura previu ... [A Escritura] anunciou. ..." A passagem de Êxodo afirma que foi "o Senhor" quem falou a Moisés o que dizer ao Faraó, mas Romanos diz: "a Escritura diz ao Faraó ...".

Visto que Deus possui autoridade absoluta, a Bíblia também carrega autoridade absoluta. Visto que não há diferença entre Deus falando e a Bíblia falando, não há diferença entre obedecer a Deus e obedecer a Bíblia. Crer e obedecer a Bíblia é crer e obedecer a Deus; descrer e desobedecer a Bíblia é descrer e desobedecer a Deus. A Bíblia é mais do que um instrumento através do qual Deus fala à nós; antes, as palavras da Bíblia são as próprias palavras que Deus fala – não há diferença. A Bíblia é a voz de Deus e a autoridade da Escritura é total.

A NECESSIDADE DA ESCRITURA

A Bíblia é necessária para informações precisas e autorizadas sobre as coisas de Deus. Visto que a teologia é central para tudo do pensamento e da vida, a Escritura é necessária como fundamento para tudo da civilização humana. Aqueles que rejeitam a Bíblia, ainda assim, continuam a assumir princípios cristãos para governar seu pensamento e sua vida, embora se recusem a admitir isso.  Uma tarefa do apologista cristão é expor a suposição implícita de premissas bíblicas dos não cristãos, apesar de sua rejeição explícita a elas. Mas, na medida em que qualquer cosmovisão exclui consistentemente premissas bíblicas, ela se degenera em ceticismo e barbarismo.

A revelação bíblica é o único  primeiro princípio justificável do qual se pode deduzir informações sobre questões últimas tais como metafísica, epistemologia e ética. O conhecimento pertencente a categorias subsidiárias, tais como política e biologia, também se limita a proposições dedutíveis da revelação. Sem a revelação como ponto de partida, o conhecimento é impossível. Qualquer outro primeiro princípio não se justifica e, portanto, um sistema que depende dele não pode sequer começar.

A Escritura é necessária para definir todo conceito e atividade cristã. Ela governa todos os aspectos da vida espiritual, incluindo pregação, oração, adoração e orientação.
A Escritura também é necessária para a salvação, uma vez que a informação necessária para a salvação é revelada na Bíblia, e deve ser comunicada a uma pessoa para que ela receba a salvação.
Paulo escreve: "as Sagradas Escrituras ... são capazes de torná-lo sábio para a salvação pela fé em Jesus Cristo" (2 Timóteo 3:15).

Uma seção anterior mostra que todos os homens sabem que o Deus cristão existe e que Ele é o único Deus. Os homens nascem com esse conhecimento. Embora esse conhecimento seja suficiente para condenar a incredulidade e a desobediência, é insuficiente para a salvação. Uma pessoa adquire conhecimento sobre a obra de Cristo diretamente da Escritura, ou indiretamente, quando alguém prega ou escreve sobre a fé Cristã com base na Escritura.

Portanto, a Bíblia é necessária para o conhecimento que leva à salvação, instruções que levam ao crescimento espiritual, respostas às questões últimas e ao conhecimento sobre realidade.
Ela é a precondição necessária para todo conhecimento e para qualquer apreensão racional de Deus e do universo.

A CLAREZA DA ESCRITURA

Os cristãos devem evitar dois extremos em relação à clareza da Escritura. Alega-se que a Escritura é totalmente obscura para a pessoa comum, de modo que apenas um grupo de profissionais da elite pode interpretá-la. A outra visão alega que a Escritura é tão simples que nada nela é difícil de entender, e que nenhum treinamento em hermenêutica é necessário para manusear o texto.  Por extensão, a exposição de um teólogo experiente não é mais confiável do que a opinião de uma pessoa inexperiente.

A posição anterior isola a Escritura da população em geral e impede que alguém desafie as interpretações dos profissionais. Mas a outra posição também é perigosa. A Bíblia não é tão simples que toda pessoa possa interpretá-la com igual facilidade e precisão. Referindo-se aos escritos de Paulo, o apóstolo Pedro diz: "Suas cartas contêm algumas coisas que são difíceis de entender". Ele adverte que "pessoas ignorantes e instáveis ​​torcem" as palavras de Paulo, "como fazem com as outras Escrituras, para sua própria destruição" (2 Pedro 3:16). 

Muitas pessoas gostariam de pensar em si mesmas como competentes em assuntos importantes, tais como teologia e hermenêutica, mas em vez de orar por sabedoria e estudar a Escritura, elas apenas assumem que são tão capazes quanto os teólogos ou seus próprios pastores. Esse modo de pensar resulta em confusão e desastre. Qualquer um pode ser ensinado a entender melhor a Bíblia. Não é necessário ser treinado por professores e seminários. É até possível ser autodidata, aprender com os livros, ou até como diz Paulo, ser ensinado por Deus. De um jeito ou de outro, uma pessoa deve ser ensinada e treinada. A educação, diligência, reverência e o dom divino de alguém contribuem para sua capacidade de interpretar e aplicar a Bíblia.

Há aqueles que consideram uma educação no seminário como o único treinamento adequado. Certamente, muitos deles são estudantes de seminário e graduados, e essa afirmação eleva sua espécie a uma forma de sacerdócio exclusivo. Mas é puro lixo e não há razão para que alguém a aceite. Na verdade, o próprio fato de que eles adotam essa invenção humana mostra que a educação no seminário é inadequada e que eles permanecem grosseiramente incompetentes e não espirituais. O Espírito Santo não está morto, e não há nada na Bíblia que exija que Ele ensine seu povo através de seminários, ou mesmo através de igrejas. Qualquer um que afirme o sacerdócio de todos os crentes, que somente Cristo é o mediador entre Deus e o homem, deve também concordar que é possível alguém pegar a Bíblia e ser guiado à verdade por Deus sem nenhum mestre humano.
Só porque a igreja é uma instituição ordenada por Deus não significa que ela seja outro mediador entre Deus e o homem junto com Jesus Cristo. Ela faz o que Deus diz que ela faz e não mais. No entanto, permanece o ponto de que, não importa como isso aconteça, uma pessoa deve receber um ensino confiável sobre as doutrinas e a interpretação da Escritura.
Qualquer um que afirme uma interpretação deve ser capaz de fornecer uma explicação sóbria, reverente e lógica para ela.

Isso não é para minar o lugar dos pregadores e teólogos, mas para manter seu papel como servos de Cristo, e não como uma elite de crentes.
De fato, embora muitas passagens da Bíblia sejam fáceis de entender, algumas delas requerem diligência e sabedoria extra para interpretar. É possível para uma pessoa ler a Escritura e obter dela suficiente compreensão e conhecimento para a salvação, embora às vezes alguém precise da ajuda de um crente fiel:

     Então Filipe correu para a carruagem, ouviu o homem lendo o profeta Isaías e lhe perguntou: "O senhor entende o que está lendo? "
Ele respondeu: "Como posso entender se alguém não me explicar? " Assim, convidou Filipe para subir e sentar-se ao seu lado. (Atos 8: 30-31)

Também é possível aprender os princípios básicos da fé cristã lendo a Bíblia sem ajuda humana. Mas algumas passagens podem ser difíceis de entender. Nesses casos, uma pessoa pode pedir a assistência de pregadores e teólogos para explicar as passagens, mas devemos insistir que eles nunca são necessários em qualquer caso particular, uma vez que somente Cristo é o verdadeiro professor e mediador.

Neemias 8:8 afirma o lugar do ministério de pregação: "Leram o Livro da Lei de Deus, interpretando-o e explicando-o, a fim de que o povo entendesse o que estava sendo lido." A autoridade final repousa nas declarações da Escritura e não nas interpretações dos estudiosos. A Bíblia nunca está errada, embora nossa compreensão e inferências dela às vezes possam ser inválidas.[13] Por essa razão, toda igreja deve treinar seus membros em teologia, hermenêutica e lógica, para que possam manusear melhor a palavra da verdade.

Portanto, embora a doutrina da clareza da Escritura conceda a toda pessoa o direito de ler e interpretar a Bíblia, ela não elimina a necessidade de mestres na igreja, mas sim afirma sua importância. Paulo escreve que Deus estabeleceu o ofício ministerial de mestre e que Ele nomeou pessoas para cumprir a função (1 Coríntios 12:28). Mas Tiago adverte que muitos não devem estar ansiosos para assumir esse ofício:

     "Meus irmãos, não sejam muitos de vocês mestres, pois vocês sabem que nós, os que ensinamos, seremos julgados com maior rigor." .(Tiago 3: 1).

Em outro lugar, Paulo escreve:
"Não pense de si mesmo mais do que deveria, mas pense de  si mesmo com um julgamento sóbrio." (Romanos 12: 3). O ofício é uma responsabilidade séria. É perigoso reivindicá-lo por orgulho ou ambição. Quanto àqueles a quem Deus escolheu e dotou para serem ministros da doutrina, eles são capazes de lidar com as passagens mais difíceis na Escritura, e podem extrair insights valiosos que podem confundir a outros. Efésios 4:7-13 refere-se a esse ofício como um dos dons de Cristo para sua igreja e, portanto, os cristãos devem valorizar e respeitar aqueles que estão em tal ministério.

Esta geração despreza a autoridade. As pessoas odeiam ser instruídas sobre o que fazer ou o que acreditar, embora pensem dessa forma em parte porque elas têm sido instruidas a assim fazer. A maioria das pessoas não respeita nem mesmo a autoridade de Deus ou da Escritura, muito menos a autoridade da igreja e de seus ministros. Consideram sua opinião tão boa quanto a dos apóstolos, ou pelo menos a dos pregadores e dos teólogos. Sua religião é democrática, não autoritária. Mas a Bíblia ordena aos cristãos que obedeçam a seus líderes:

     Obedeçam aos seus líderes e submetam-se à autoridade deles. Eles cuidam de vocês como quem deve prestar contas. Obedeçam-lhes, para que o trabalho deles seja uma alegria e não um peso, pois isso não seria proveitoso para vocês. (Hebreus 13:17)

Todo cristão tem o direito de ler a Bíblia e seguir diretamente a Deus, com Cristo como seu único mediador. Mas isso não deve se traduzir em desafio ilegítimo[14] contra o ensino aprendido dos estudiosos ou a autoridade dos líderes da igreja.

A SUFICIÊNCIA DA ESCRITURA

Muitos cristãos alegam afirmar a suficiência da Escritura, mas os seus reais pensamentos e prática negam-na. A doutrina afirma que a Bíblia contém informações suficientes para uma pessoa não apenas encontrar a salvação em Cristo, mas depois receber instrução e orientação em todos os aspectos do pensamento e da vida, seja pelas declarações explícitas da Escritura, ou por inferências necessárias dela.

A Bíblia contém tudo o que é necessário para construir uma cosmovisão completa, uma visão verdadeira da realidade. Ela nos transmite não apenas a vontade de Deus nas questões gerais de fé e conduta cristãs, mas aplicando os preceitos bíblicos, podemos também conhecer sua vontade ao tomar decisões específicas e pessoais. Tudo o que precisamos saber, como cristãos, é encontrado na Bíblia.

Paulo escreve que a Escritura não é apenas divina em sua origem, mas também abrangente em seu escopo:

     “Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça. Para que o homem de Deus seja perfeito, e 'perfeitamente' instruído para 'toda' a boa obra” (2 Timóteo 3.16-17).

A implicação necessária é que meios extrabíblicos de orientação, como visões e profecias, não são necessários; entretanto, uma vez que a Bíblia não declara que eles cessaram, Deus ainda pode concedê-los quando quiser. Se Deus ainda fala com as pessoas por meio dessas maneiras especiais é outra questão, mas não há justificação bíblica para negar a possibilidade.

Devemos desafiar os teólogos que insistem em que Deus não realiza mais o miraculoso ou não fala às pessoas de maneiras especiais, porque eles afirmam isso não com base em sólida dedução da Escritura, como eles mesmos poderiam exigir para todas as outras doutrinas, mas por impor esquemas artificiais sobre o progresso da revelação e por outros argumentos forçados. Tanto o cessacionismo quanto o fanatismo estão errados. Mas a doutrina da soberania de Deus é sempre correta, e não devemos comprometê-la de maneira alguma e em qualquer grau a favor da tradição humana ou para apaziguar a pressão religiosa.

Dito isso, os problemas ocorrem quando os cristãos negam que a Bíblia seja suficiente para fornecer instruções e orientações abrangentes. Alguns deles reclamam que a Bíblia carece de informações específicas das quais precisam para tomar decisões pessoais. Entretanto, à luz das palavras de Paulo – ou seja, uma vez que Deus afirma através de seu apóstolo que a Bíblia é suficiente – a deficiência deve estar nesses indivíduos e não na Bíblia.

Eles não têm a informação de que precisam por causa de sua imaturidade e ignorância. A Bíblia é de fato suficiente para guiá-los, mas eles negligenciam estudá-la. Alguns deles também exibem uma forte rebelião, de modo que embora a Bíblia claramente aborde suas situações, eles se recusam a obedecer suas ordens e instruções. Ou antes, se recusam a aceitar o próprio método de receber orientação da Escritura, mas insistem que Deus deve guiá-los, pelo menos ocasionalmente, através de visões, sonhos e profecias, embora Ele já tenha escrito o que eles precisam saber na Bíblia. Quando Deus não concede sua demanda por orientação extrabíblica, alguns deles até decidem buscar informações por meio de métodos proibidos, como astrologia, adivinhação e outras práticas ocultistas. Sua rebelião é tal que, se Deus não fornece as informações desejadas da maneira que eles desejam, ou se elas não concordam com seus desejos, então eles estão determinados a conseguir o que querem do diabo.

O conhecimento da vontade de Deus vem de uma compreensão e aplicação intelectual da Escritura.[15] Paulo escreve:

     “E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:2).

A teologia cristã deve afirmar a suficiência da Escritura, que é uma fonte abrangente de informação, instrução e orientação. A Bíblia contém toda a vontade de Deus, incluindo as informações que uma pessoa precisa para a salvação, desenvolvimento espiritual e orientação pessoal.
Ela contém informações suficientes pelo que, se alguém fosse obedecê-la integralmente, ele cumpriria a vontade de Deus em todos os detalhes da vida, e pecaria na medida em que a desobedecesse. Embora não consigamos a perfeita obediência nesta vida, permanece que a Bíblia contém toda a informação necessária para vivermos uma vida cristã perfeita.[16]

NOTAS DE RODAPÉ:

[1] Veja Vincent Cheung, The View from Above.

[2] A palavra traduzida "dada por inspiração de Deus" (KJV) ou "inspirada por Deus" (NASB) é theopneustos. Ela significa expiração (expirar) em vez de inspiração (inspirar), de modo que a NIV a traduz como "soprada por Deus". Embora “inspiração” seja um termo teológico aceitável, referindo-se à origem divina da Escritura, e como tal permanece útil, ele não consegue transmitir o significado literal de theopneustos.

[3] A Bíblia nega que o homem tenha "livre arbítrio". Embora a vontade do homem exista como uma função da mente, ela não é "livre" no sentido de poder operar fora do constante e completo controle de Deus.

[4] Alguns chamam essa posição de INSPIRAÇÃO ORGÂNICA, mas outros consideram o termo ambíguo ou enganoso. O ponto é que Deus não meramente sugeriu ou ditou palavras aos escritores, mas controlou todos os detalhes de seus pensamentos e vidas. A doutrina bíblica da inspiração é muito mais ambiciosa que o mero ditado.

[5] A Escritura excede o que os homens poderiam produzir sem inspiração divina, mas não está além da capacidade dos homens de entender.

[6] Alister McGrath, Understanding Doctrine; Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publishing House, 1990; p. 138.

[7] Veja Vincent Cheung, Ultimate Questions e Presuppositional Confrontations.

[8] A doutrina da soberania divina será discutida e aplicada ao longo deste livro. Veja também Vincent
Cheung, Commentary on Ephesians e The Author of Sin.

[9] A doutrina do compatibilismo ensina que o homem não é livre de Deus, mas que o homem ainda é livre em um sentido. No entanto, a menos que o tipo de liberdade sob consideração seja a liberdade de Deus, isso é irrelevante, uma vez que o tópico diz respeito ao controle de Deus sobre o homem. Veja Vincent Cheung, The Author of Sin.

[10] D. Martyn Lloyd-Jones, Great Doctrines of the Bible, Vol. 1 (Crossway), p. 95-96. Publicado em português com o título "Grandes Doutrinas Bíblicas - Deus o Pai, Deus o Filho. Vol. 1 ( PES 1996). pp. 128-129.

[11] Veja Vincent Cheung, Blasphemy and Mystery.

[12] The Works of Benjamin B. Warfield, Vol. 1; Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 2000 (original: 1932); p. 283.

[13] No entanto, isso não transforma a interpretação em uma questão de mera opinião, já que a validade das inferências das Escrituras é uma questão objetiva - isto é, a lógica é objetiva - de modo que todas as interpretações podem ser provadas ou refutadas com uma definição objetiva.

[14] Visto que não há diferença entre obedecer a Deus e obedecer às Escrituras, e visto que a Escritura é o nosso contato direto com a vontade revelada de Deus, o objeto imediato de nossa lealdade é a Bíblia (Atos 17:11), pela qual podemos testar os ensinamentos e práticas daqueles com instrução e autoridade na igreja. Sendo assim, ensinamentos e práticas que negam as doutrinas bíblicas constituem base suficiente para se desafiar a autoridade humana. "Devemos obedecer a Deus antes que aos homens!" (Atos 5:29)

[15] Veja Vincent Cheung, Godliness with Contentment, "Biblical Guidance and Decision-Making."

[16] Para mais informações sobre a Suficiência da Escritura, veja The Ministry of the Word.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Systematic Theology. ed. 2010. pp. 13-31.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em julho - setembro de 2018.

A INFALIBILIDADE DA ESCRITURA – Vincent Cheung

A inspiração e a unidade da Escritura implicam a infalibilidade da Escritura. A Bíblia não contém erros; ela está correto em tudo o que afirma. Uma vez que Deus não mente ou erra, e a Bíblia é a sua palavra, segue-se que tudo o que nela está escrito é verdadeiro. Como Jesus diz, "a Escritura não pode ser anulada" (João 10:35), e que "é mais fácil o céu e a terra desaparecerem do que cair da Lei o menor traço." (Lucas 16:17).

A INFALIBILIDADE da Escritura refere-se à impossibilidade de erro ou incapacidade de errar – a Bíblia não pode errar. A primeira refere-se ao potencial, enquanto a segunda aborda o real estado das coisas. Agora, é possível que uma pessoa seja falível, mas produza um texto livre de erros. A possibilidade de erro não garante o erro. Pessoas que são capazes de cometer erros não cometem erros constantemente. Assim, a infalibilidade implica inerrância, mas a inerrância não implica necessariamente infalibilidade. Portanto, estritamente falando, infalibilidade é a palavra mais forte, e implica inerrância, mas às vezes as duas são intercambiáveis ​​no uso. Em todo caso, uma vez que a nossa posição é que a Bíblia não pode errar e que ela não erra, nós dizemos que ela é infalível e inerrante.

Há aqueles que rejeitam a inerrância da Escritura, mas ao mesmo tempo desejam afirmar, em certo sentido, a perfeição de Deus e que a Bíblia é sua palavra, e assim eles mantêm a estranha posição de que a Bíblia é infalível, porém errante. Em outras palavras, a Bíblia não pode conter erro, mas contém erro. Isso é absurdo e impossível. Às vezes, o que eles querem dizer é que a Bíblia é infalível em um sentido, talvez quando fala de coisas espirituais, enquanto contém erros em outro sentido, talvez quando se trata de assuntos históricos. No entanto, as afirmações bíblicas sobre as coisas espirituais estão inseparavelmente vinculadas às afirmações bíblicas sobre a história, de modo que é impossível afirmar uma e rejeitar a outra.

Por exemplo, é impossível separar o que a Escritura diz sobre a ressurreição de Cristo como um evento da história e o que ela diz sobre o significado espiritual desse evento. Se a ressurreição não aconteceu como a Bíblia diz que aconteceu, então o que ela diz sobre seu significado espiritual pode não ser verdade. E se o que diz sobre seu significado espiritual é verdadeiro, então também deve ser afirmado que a ressurreição aconteceu como a Bíblia diz que aconteceu. Isso ocorre porque o significado espiritual da ressurreição depende de sua historicidade, de que Jesus Cristo morreu em seu corpo físico e foi sepultado, mas foi fisicamente ressuscitado dos mortos e ascendeu à destra de Deus.

Aqueles que rejeitam a infalibilidade e inerrância bíblicas não têm nenhum princípio epistemológico de autoridade pelo qual possam julgar que uma parte da Escritura seja verdadeira e outra parte seja falsa. Uma vez que a Bíblia é a única fonte objetiva de informação a partir da qual o sistema cristão é construído, uma pessoa que considera qualquer parte da Escritura como falível ou errante deve rejeitar todo o cristianismo. E, consequentemente, podemos rejeitar sua reivindicação de ser um cristão.

Uma pessoa não pode questionar ou rejeitar a autoridade última de um sistema de pensamento e ainda reivindicar lealdade a ele, uma vez que a autoridade última em qualquer sistema define e produz todo o sistema.
Quando uma pessoa questiona ou rejeita a autoridade última de um sistema, ele não é mais um adepto do sistema, mas é alguém que adere ao princípio pelo qual questiona ou rejeita a autoridade última do sistema que abandonou. Ter uma autoridade última que não seja a Escritura é rejeitar a Escritura, uma vez que a própria Bíblia reivindica ser infalível e definitiva. Portanto, uma pessoa que rejeita a infalibilidade e inerrância bíblicas assume a posição intelectual de um não cristão, e deve proceder para defender e justificar sua cosmovisão contra os argumentos do cristão para a verdade da fé bíblica.

Confusão permeia o clima teológico atual; portanto, é melhor afirmar explicitamente a infalibilidade e a inerrância bíblicas e explicar o que queremos dizer com esses termos. Deus é infalível e, visto que a Bíblia é sua palavra, ela não pode e não contém erros. Afirmamos que a Bíblia é infalível em todos os sentidos do termo e, portanto, também deve ser inerrante em todos os sentidos do termo. A Bíblia não pode e não contém erros, quer ela esteja falando de assuntos espirituais, históricos ou outros. Ela está correta em tudo o que afirma.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Systematic Theology. ed. 2010. pp. 24-25.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 06/09/2018.