segunda-feira, 17 de setembro de 2018

O ARGUMENTO ONTOLÓGICO – Vincent Cheung

A Bíblia diz que aquele que vem a Deus deve crer que Ele existe (Hebreus 11: 6). Uma pessoa que nega a existência de Deus não pode desenvolver um relacionamento com Ele ou conscientemente servi-lo.[1] Existem dois tipos de argumentos para a existência de Deus. O primeiro pode ser chamado de argumento tradicional ou clássico. Embora vários teólogos e filósofos os tenham favorecido ao longo da história, eles não são necessariamente válidos ou suficientes.

O ARGUMENTO ONTOLÓGICO argumenta a partir da ideia de Deus para a sua existência necessária. Por definição, Deus é o ser do que nada maior pode ser concebido, e uma vez que o ser do que nada maior pode ser concebido não pode ser concebido como necessitando da propriedade de ser, visto que de outro modo ele não seria o ser do que nada maior pode ser concebido, Deus deve existir por necessidade.

Sucedendo Lanfranco, Anselmo (1033-1109) tornou-se arcebispo de Canterbury em 1093. Seu Cur Deus Homo e outras obras têm exercido profunda influência no desenvolvimento da teologia cristã. No entanto, talvez ele seja mais famoso por seu argumento ontológico como articulado em seu Proslogion. O que se segue reproduz em parte o argumento:

     Agora cremos que Tu és algo do que nada maior pode ser pensado. Ou pode ser que uma coisa de uma tal natureza não exista, uma vez que "o Néscio disse em seu coração, não há Deus"? Mas certamente, quando esse mesmo Néscio ouve a respeito do que estou falando, ou seja, "aquilo-do-que-nada-maior-pode-ser-pensado", ele compreende o que ouve, e o que ele compreende está em sua mente, mesmo que ele não compreenda que isso realmente exista. ...

     Mesmo o Néscio, então, é forçado a concordar com o fato de que aquilo-do-que-não-maior-pode-ser-pensado existe na mente, visto que ele compreende isto quando o ouve, e tudo que é compreendido está na mente.
E certamente aquilo-do-que-nada-maior-pode-ser-pensado não pode existir apenas na mente. Pois se existe apenas na mente, pode-se pensar que exista também na realidade, a qual é maior. Se, então, aquilo-do-que-nada-maior-pode-ser-pensado existe apenas na mente, esse mesmo aquilo-do-que-nada-maior-pode-ser-pensado é aquilo-do-que-algo-maior-pode-ser-pensado. Mas isso é obviamente impossível. Portanto, não há absolutamente nenhuma dúvida de que aquilo-do-que-nada-maior-pode-ser-pensado existe tanto na mente quanto na realidade.

     E certamente esse ser tão verdadeiramente existe que não se pode imaginar que ele não exista. Pois não há como se pensar em algo que pode ser pensado como existente e que não exista. Logo, se se pode pensar que aquilo-do-que-nada-maior-pode-ser-pensado não exista, então aquilo-do-que-nada-maior-pode-ser-pensado não é o mesmo que aquilo-do-que-algo-maior-pode-ser-pensado, o que é absurdo. Aquilo-do-que-nada-maior-pode-ser-pensado verdadeiramente existe, então, visto que não pode mesmo se pensar que não exista.

     E Tu, Senhor nosso Deus, és esse ser. É tão verdadeiro que Tu existes, Senhor meu Deus, que não se pode mesmo pensar o contrário... Na verdade, tudo o mais, exceto Tu somente, pode ser pensado como não tendo existência. Tu somente, então, tens a existência mais verdadeira dentre todas as coisas e, portanto, possui a existência no grau máximo; pois tudo o mais não existe tão verdadeiramente, e assim existe em grau menor. Por que então “diz o Néscio em seu coração: Não há Deus”, quando é tão evidente a qualquer mente racional que Tu, em relação às outras coisas, é o que existe em máximo grau? Por que, de fato, a menos por ser ele estúpido e louco?

     ...Ninguém, de fato, compreendendo o que Deus é pode pensar que Ele não exista, mesmo se pode dizer tais palavras em seu coração, seja sem um significado ou com algum significado particular. Pois Deus é aquilo-do-que-nada-maior-pode-ser-pensado. Todos o que realmente compreendem isso entendem claramente que esse mesmo ser é de tal existência que não se pode imaginar não existir. Assim, todos os que compreendem que Ele existe de uma tal maneira não pode imaginá-Lo como não existente.[2]

Uma objeção inicial é que só porque um ser é concebível, ou apenas porque existe na mente, não significa que ele também deva existir na realidade. Uma pessoa pode conceber um carro perfeito, mas isso não significa que exista outro senão em sua mente. Um cavalo voador é concebível, mas isso não nos diz nada sobre se ele existe na realidade.

Mas isso revela um mal-entendimento. O argumento ontológico não afirma que tudo o que é concebível também existe na realidade, mas que Deus não pode ser concebido exceto como alguém que existe; caso contrário, o que é concebido não seria Deus. Se uma pessoa concebe em sua mente um ser do que nada maior pode ser concebido, mas que não existe, então ela não está, de fato, pensando em um ser do que nada maior pode ser concebido. Uma vez que o argumento se refere a um ser do que nada maior pode ser concebido, e não apenas a qualquer objeto concebível pela mente, a objeção é irrelevante.

Há ambiguidade em relação ao que significa que algo exista "na realidade". O que existe na mente não existe necessariamente no mundo físico, mas isso é irrelevante porque Deus é incorpóreo. Quando o argumento ontológico sugere que, uma vez que a ideia de Deus esteja presente na mente, ela também deve ser entendida como existindo, isso não significa que ela deva ser entendida como um objeto físico.

Assim, a ideia da existência em si representa um problema. Em certo sentido, qualquer coisa pode ser dito existir – até mesmo unicórnios, sonhos e equações matemáticas existem, embora não existam como objetos físicos. Contudo, unicórnios não criaram o universo, sonhos não ordenaram alguns homens à salvação e outros à condenação, e equações matemáticas não se fizeram carne humana para morrer como resgate por muitos.

Talvez não devêssemos está perguntando: "Deus existe?" Uma questão mais inteligível é: "O que é Deus?" Mesmo Zeus "existe", mas apenas na mitologia. O Deus cristão não é um objeto físico, mas também não é como sonhos, equações ou Zeus. Em vez disso, Ele é o criador e governante do universo, que decreta nossa história e decide nosso destino, e quem tem direito e exige nossa adoração. Certamente devemos dizer que Deus "existe" ou que Deus "é" (Hebreus 11: 6), na medida em que isso representa uma afirmação de tudo o que a Bíblia diz sobre Ele, e não que Ele seja um objeto físico ou de caráter mitológico.