sábado, 28 de julho de 2018

O TESTEMUNHO DO ESPÍRITO – Vincent Cheung

Pois vocês não receberam um espírito que os torna escravos novamente para temer, mas vocês receberam o Espírito de filiação. E por ele, clamamos: "Abba, Pai". O próprio Espírito testifica com nosso espírito que somos filhos de Deus. Agora, se somos filhos, então somos herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo, se realmente compartilharmos seus sofrimentos, para que possamos também participar da sua glória.
(Romanos 8:15-17)

Jesus Cristo alcançou os seus escolhidos, mais do que uma mera absolvição, é tão preciosa como necessária, mas em sua bondade extrema, Deus os adotou como seus filhos e os transformou à semelhança de seu Filho. Então, seu Espírito Santo, faz com que eles estejam confiantes em seu amor duradouro para com eles, e confiem no seu estado como seus filhos. Portanto, a certeza de que alguém foi resgatado da condenação não vai longe o suficiente. Deus nos fez filhos, e quer que a conheçamos.

Não é uma questão de "Sou um membro deste clube?" Essa é uma maneira errada de considerar a questão. Quando Deus converte um homem pela fé em Cristo, o Espírito de filiação ou adoção permite e inspira a pessoa a se dirigir a Deus como "Pai". Isto é, ao mesmo tempo uma indicação de quem Deus é para o homem, e quem o homem é para Deus. Torna-se natural para o homem chamar Deus de seu Pai, porque o homem é filho de Deus. Em outras palavras, a confiança da adoção não é contingente em algo que você tem, mas concorrente com algo que você é. Essa confiança não é uma implicação derivada de algo que fazemos ou fizemos, mas é uma identificação com o que Deus fez em nós. Você é aquele que chama Deus de seu Pai?

Paulo escreve: "O próprio Espírito testifica com nosso espírito que somos filhos de Deus". Assim, o conhecimento de nossa salvação não é uma informação que descobrimos, mas é uma informação que o Espírito de Deus, testifica independente do nosso esforço ou nosso estado subjetivo da mente. Se a ênfase está no Espírito, em testificar ao nosso espírito ou junto com o nosso espírito,  a informação  é anunciada, mesmo imposta a nós, por uma pessoa estrangeira e com poder.

Deus nos transformou em seus filhos, para que o chamemos de Pai por causa do que agora somos, e o Espírito de Deus, testifica  com nosso espírito que somos seus filhos. O resultado não é uma mentalidade subjetiva ou alguma atitude, mas conhecimento e certeza. Você é o que é - um filho de Deus. E o Espírito diz o que ele diz - você não pode fazê-lo fazer, e você não pode impedi-lo de fazê-lo. Quando Deus testemunha algo para e com o seu ser interior, e quando ele fez você naquela mesma coisa de que ele testifica, há um conhecimento inevitável. Não pode haver uma forma mais certa de conhecimento, mesmo na vida futura.

Há uma distinção entre o aspecto privado, e o aspecto público do nosso relacionamento com Deus, e onde a questão do conhecimento se aplica, há uma distinção entre conhecimento privado e conhecimento público. A menos que possamos ter onisciência, ou quase uma onisciência, de modo que conhecemos todos os pensamentos de todos os crentes em toda a história, como eles comungam com Deus em suas mentes, então esta distinção é evidente e inegável. E essa distinção persistirá na vida futura a menos que ganhemos onisciência, ou quase onisciência, para conhecer todos os pensamentos que os santos colocarão no altar, de suas mentes em toda a eternidade. A distinção entre público e privado, se mantém mesmo que apenas uma pessoa tenha um único pensamento privado diante de Deus em toda a história. Isto é assim, não só porque nos falta onisciência, mas porque Deus cuida para que isto seja o caso: "Eu também lhe darei uma pedra branca com um novo nome escrito nele, conhecido apenas por aquele que a recebe" (Apocalipse 2:17). Este aspecto privado de nosso relacionamento é precioso para ele, e ele não vai abandoná-lo para evitar perturbar nossas tradições teológicas e teorias filosóficas.

Esta distinção, geralmente não é mencionada quando resumimos a fé cristã como um sistema intelectual e quando envolvemos os não-cristãos no debate. A razão é que nesses contextos, o objetivo é apresentar a cosmovisão bíblica como uma filosofia pública. A Bíblia é uma revelação pública da história e cosmovisão da fé cristã. A informação é acessível a todos para serem estudados e discutidos. Esta revelação pública,  é o que declaramos aos crentes e aos incrédulos, e é o que defendemos diante de seus opositores. O testemunho do Espírito de que eu sou filho de Deus, não é o que prego. E é a fé cristã, como uma visão de mundo e não eu mesmo como um crente, que eu defendo quando eu enfrento os críticos.

Tanto o nosso conhecimento privado, como o nosso conhecimento público na vida futura, repousam na mesma base do conhecimento público que agora possuímos - todo conhecimento vem da mente de Deus e se torna nosso por sua ação. No estudo da filosofia e apologética, estabelecemos que não há nenhum conhecimento além do que derivamos da Bíblia. O contexto, é o tipo de conhecimento público disponível para nós nesta vida. Com efeito, isso significa que nosso conhecimento público nesta vida, se limita ao que Deus revelou na Bíblia, e nosso conhecimento privado é limitado ao que Deus nos faria saber como declarado na Bíblia, incluindo o conhecimento de adoção. Assim, esta distinção entre conhecimento privado e público, não deixa espaço para que os não-cristãos, derivem o mesmo  conhecimento privado, uma vez que suas sensações e especulações não são confiáveis.

Para ilustrar ainda mais, considere o conhecimento inato de Deus mencionado em Romanos 1 e 2. Lá, diz-se que todos os homens possuem conhecimento da natureza e do poder de Deus, bem como as exigências morais da lei, além da revelação pública das Escrituras. Embora todos os homens possuam este conhecimento, é privado, no sentido de que é interno, de modo que não está sujeito a um exame público e não pode ser a base para uma declaração pública. Um homem, não pode examinar o conhecimento inato de outro homem sobre Deus, mesmo se ambos possuem esse conhecimento. (na verdade, a influência deste conhecimento privado é frequentemente evidente na filosofia pública dos homens, mas o próprio conhecimento permanece interno.) Isto tem algumas semelhanças com o conhecimento privado, que os escolhidos recebem em relação ao seu lugar em Cristo, mas há diferenças importantes. A confiança de filiação não é possuída por todos os homens, mas apenas por cristãos. E eles têm esse conhecimento, não por causa de sua constituição natural como aqueles feitos à imagem de Deus, mas por causa da operação especial do Espírito Santo.
A doutrina cristã deve afirmar, que uma confiança privada de filiação é possível, e que é uma realidade para o crente. Deve afirmar sua possibilidade porque a revelação pública da Bíblia faz espaço para ela, e deve afirmar sua realidade, porque a revelação pública da Bíblia declara-a como uma operação do Espírito Santo no cristão. Embora alguns se oponham a esta doutrina, o Espírito ainda testifica a meu espírito, além do meu esforço, que sou um filho de Deus. É uma obra divina objetiva, e não uma crença ou atitude subjetiva. Não é uma questão de auto-descoberta. Se ele não testemunhar o mesmo sobre você, como é que pode ser  minha culpa? Mas alguns desejam desviar a atenção de sua própria falta de certeza, e alguns crucificariam a Bíblia para proteger sua própria tradição ou filosofia.

O testemunho do Espírito, é uma operação interna que resulta em conhecimento privado. O Espírito testifica ao meu espírito, que sou filho de Deus. Novamente, isso geralmente não é mencionado porque não nos relacionamos uns com os outros com base no testemunho interno do Espírito. O Espírito não diz o que eu sou. Você terá que me julgar de acordo com a revelação pública da Palavra de Deus. Você deve interagir comigo e examinar minha confissão, meu caráter, e assim por diante. Eu não posso pregar o testemunho do Espírito ao não-cristão, e oferecer-lhe um pouco de lucro pessoal, para acreditar que eu sou um filho de Deus. Em vez disso, devo declarar-lhe o evangelho e as doutrinas de Jesus Cristo, para que ele possa crer e tornar-se filho de Deus.

Agora, se somos filhos de Deus, então também somos herdeiros de Deus, até co-herdeiros com Cristo. Por isso, temos a confiança necessária para suportar o sofrimento, sabendo que, se compartilharmos de seus sofrimentos, também compartilhemos de sua glória. Por outro lado, os não-cristãos não têm o Espírito de adoção e seu testemunho de que eles são filhos de Deus. Eles não herdarão mais do que fogo e enxofre.

Extraído de:
http://www.vincentcheung.com/2011/10/29/the-witness-of-the-spirit/

Traduzido por: Edu Marques

quarta-feira, 25 de julho de 2018

A AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM – Vincent Cheung

"[...]

Quando diz respeito à aquisição de linguagem, que realmente se inclui na categoria mais ampla da aquisição de conhecimento, é impossível para uma pessoa aprender o significado de uma palavra pela sensação. Um pai pode tentar ensinar seu filho o que a palavra “carro” significa apontando para um carro. Antes de tudo, sobre a base do empirismo, a criança não pode nem mesmo ver ou conhecer o pai, o carro e o ato de apontar, mas nós ignoraremos isso por ora. A criança ainda deve fazer uma inferência a partir do ato de apontar do pai. Se o pai tenta ensinar ao seu filho o significado da palavra “carro” apontado para um carro, então, para a criança, a palavra “carro” pode significar o ato de apontar, o dedo usado para apontar, a cor do carro, qualquer parte do carro, o carro juntamente com a rua e a paisagem de fundo, qualquer objeto maior, o significado de “ali” ou “deixa pra lá”, e um número infinito de outros significados possíveis. O ponto é que o ato de apontar para um carro não produz a inferência necessária de que “carro” signifique o que queremos dizer pela palavra. Se alguém tenta sobrepujar o problema apontando para muitos carros, então o significado da palavra pode, na melhor das hipóteses, se tornar um “transporte”, que pode ser um elefante ou camelo em algumas partes do mundo. Mas até mesmo o conceito de transporte não é uma inferência necessária do ato de apontar para muitos carros.

Além disso, ensinar a alguém o significado de uma palavra repetidamente apontando para seu objeto correspondente, juntamente com a menção da palavra, é um método que depende de exemplos limitados de apontar com a intenção de produzir uma definição de uma idéia universal (tal como “carro”) na mente de outra pessoa. Mas a indução sempre é uma falácia formal. Mesmo se limitarmos grandemente as possíveis inferências falsas a partir da observação de repetidos atos de apontamento, como o observador sabe que tipo de carros é pretendido pela pessoa que está apontando — somente aqueles feitos dentro das últimas duas ou três décadas? Se a pessoa quer incluir carros mais velhos, então ela deve encontrá-los, e apontar para eles também. É uma inferência inválida pensar que a palavra “carro” pode se referir a qualquer carro na história simplesmente porque alguém apontou para diversos carros.

Em adição, aquele que aponta deve mexer sua mão ou sua cabeça para o mesmo objeto que a palavra não pode designar, incluindo itens que não tenham sido ainda feitos; de outra forma, nada impede o observador de inferir que “carro” possa se referir a objetos que são realmente excluídos pela palavra. Portanto, para validamente definir uma palavra pelo mero apontamento, a pessoa deve apontar cada objeto passado, presente e futuro pretendido pela palavra, e mexer sua mão ou cabeça para cada objeto passado, presente e futuro excluído pela palavra. Mas em primeiro lugar, como o observador sabe o que o apontamento e a sacudidela significam? Se ele não sabe ainda, então como podemos ensiná-lo? Se tentarmos ensiná-lo o significado desses gestos por uma epistemologia empírica, então enfrentaremos todos os problemas acima novamente, e muitos outros que eu não tenha mencionado.

Se uma pessoa pergunta a outra pessoa o que “andar” significa, a segunda pessoa pode se levantar e começar a andar na tentativa de mostrar à primeira pessoa o que andar significa. Mas então, a primeira pessoa deve fazer inferências a partir do que ela observa, e como temos mencionado, todas essas inferências são inevitavelmente falaciosas. Desse exemplo, alguém pode inferir que “andar” significa ficar de pé, sair, ficar de pé e sair, ficar de pé e andar, e uma série de outras coisas. Antes de tudo, como o observador sabe que essa pessoa está tentando responder sua pergunta mostrando-lhe o que “andar” significa? Se a segunda pessoa disser à primeira pessoa que ela estará lhe mostrando o que “andar” significa andando de fato, então podemos perguntar, antes de tudo, como elas aprenderam as palavras para comunicar isso. Como temos mostrado, elas não podem ter aprendido as palavras por meios empíricos. Se as duas pessoas já estão andando juntas, a que está sendo questionada pode andar mais rápido para enfatizar o ato de andar, mas então como o observador pode distinguir entre andar, acelerar, caminhar ou correr? Ainda mais perplexante é como uma pessoa pode aprender as palavras “Deus”, “”, “é”, e “justiça” sobre a base do empirismo.

Se uma pessoa tenta responder a questão do que “andar” significa dando uma definição verbal, então ela deve usar palavras. Mas como essa pessoa aprende as palavras que ela está para usar? Também, para entender a definição, o ouvinte deve também conhecer as palavras que compõem a definição, mas como isso é possível sobre a base do empirismo? Além do mais, se ambos deles pensam que eles entendem as palavras na definição, como eles podem saber que seu entendimento das palavras é o mesmo? Se eles tentam assegurar que eles têm as mesmas definições para as palavras usadas na definição da palavra em questão, discutindo o que elas pensam que as palavras significam, então eles precisam usar palavras novamente, de forma que todos os problemas anteriores ocorrem novamente.

Mesmo se assumirmos que os sentidos podem perceber os sons das palavras, o acima exposto mostra que a mente já deve saber os significados das palavras antes que ela possa entender os sons transmitidos à mente pela audição ou sensação da pessoa. Mas nós temos mostrado também que a mente nunca pode aprender os significados das palavras pela sensação. Portanto, o conhecimento não pode vir de fora, mas se ele for possível de alguma forma, ele
deve vir de dentro. Na epistemologia cristã, algo desse conhecimento é inato, de forma queCristo ilumina todo homem já nascido por tendo-os criando com um dom intelectual e moral... Esse conhecimento é uma parte da imagem de Deus com a qual Deus criou Adão”.[48]

Embora não iremos sumarizar aqui os argumentos detalhados do De Magistro de Agostinho, reproduziremos sua conclusão:

     Por meio de palavras, portanto, aprendemos somente palavras ou, antes, o som e a vibração de palavras. Pois se aquelas coisas que não são sinais não podem ser palavras, mesmo que eu tenha ouvido uma palavra, eu não sei que essa é uma palavra até que eu saiba o que ela signifique. Assim, quando coisas são conhecidas, a cognição das palavras também é realizada, mas por meio de ouvir palavras elas não são aprendidas. Pois nós não aprendemos as palavras que sabemos, nem podemos dizer que aprendemos aquelas que não sabemos a menos que seu significado tenha sido percebido; e isso acontece não por meio de ouvir palavras que são pronunciadas, mas por meio de uma cognição das coisas que são significadas. Pois é o raciocínio verdadeiro e mais corretamente dito que quando as palavras são expressas, ou nós já conhecemos o que elas significam ou não conhecemos. Se conhecemos, então relembramos antes do que aprendemos, mas se não conhecemos, então nem mesmo relembramos...

Mas, referindo agora às coisas que entendemos, consultamos, não o locutor que expressa palavras, mas o guardião da verdade dentro da própria mente, pois temos talvez sido relembrados pelas palavras para assim o fazer. Além do mais, aquele que é consultado ensina; pois aquele que é dito residir no homem interior é Cristo, isto é, a excelência imutável de Deus e sua eterna sabedoria, que toda alma racional deveras consulta. Mas ali é relevado a cada um tanto quanto ele possa apreender através de sua vontade, segundo ela seja mais perfeita ou menos perfeita. E se algumas vezes alguém é enganado, isso não é devido a um defeito da luz externa, pois os olhos do corpo são frequentemente enganados... [49]

NOTAS DE RODAPÉ:

[48] Gordon H. Clark, The Johannine Logos; The Trinity Foundation, 1989 (original: 1972); p. 27.

[49] Augustine, De Magistro; Prentice-Hall Publishing Company, 1938. Aqui nós temos chegado ao assunto de lingüística e sua relação para com a epistemologia e metafísica, mas não gastaremos tempo desenvolvendo-a aqui.
[...] ".

__________________

Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Questões Últimas. ed. 2004. pp. 38-40.

Traduzido por:
Felipe Sabino, em agosto de 2005.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

ATOS 17 – Vincent Cheung

" v. 26a

Continuando com esse tema, que o único Deus verdadeiro é que dá vida aos homens e todas as demais coisas, Paulo detalha a visão bíblica e diz no versículo 26, “De um só fez ele todos os povos, para que povoassem toda a terra”. Os atenienses criam ser indígenas, tendo sido formados da terra, tal que eles seriam diferentes e superiores a todos os outros povos, que consideravam bárbaros. A declaração de Paulo contradiz não apenas as explanações religiosas e filosóficas dos atenienses, mas ataca a crença que constituía o fundamento do orgulho étnico ateniense.

Uma vez que o grego não esclarece quem ou o que é o “um”, várias sugestões
têm sido dadas, mas “de um homem” parece o mais apropriado ao contexto. A intenção principal da sentença é que Deus criou a humanidade de um ponto inicial – que o Cristianismo assevera ser Adão, o primeiro homem. Diferentes raças e nações de homens foram originadas de um homem, ao invés de muitos. Desde que todas as raças e nações de homens originaram-se de um homem, não há justificativa para a crença que qualquer raça ou nação de homens é inerentemente superior ou privilegiada em detrimento das outras, pelo menos não no sentido que muitos criam ser superiores ou privilegiados. Mesmo que haja algumas diferenças entre as raças e nações, persiste o fato que todos os seres humanos foram feitos à imagem de Deus.

A ciência e a filosofia não-cristã não têm fundamento a partir do qual afirmar
a unidade e a igualdade das raças. Por exemplo, à parte da revelação bíblica da origem do homem, por qual princípio confiável e autoritativo você pode asseverar que o genocídio e o canibalismo são imorais? Por que seria errado uma raça destruir outra, ou pessoas de uma raça matar pessoas de outra raça por comida? A ciência não pode demonstrar que todos procedemos de um só homem.[50] Se essas questões parecem chocantes e ultrajantes, os incrédulos deveriam ter uma resposta pronta para isso. No entanto, à parte da autoridade bíblica, nenhum princípio pode fornecer um fundamento adequado sobre o qual se possa então estabelecer julgamentos morais para essas questões. Por qual autoridade moral absoluta e universal você impõe a sua moralidade sobre mim, proibindo-me de cometer genocídio e canibalismo? É moralmente “errado” eu fazer algo só porque você quer que eu não faça? A menos que os princípios morais tenham a revelação bíblica como seu fundamento, serão todos destruídos quando desafiados.

Uma vez que eu expus o meu argumento contra a evolução em outro lugar,
não irei repeti-lo aqui.[51] Mas eu cito a evolução para ilustrar um ponto anterior. Tal como em todos os outros tópicos principais relativos à questão da origem humana, nós não devemos dizer que os incrédulos estão fazendo “boa ciência”, que são acadêmicos brilhantes e honestos, e que se forem apenas um pouco mais cuidadosos, finalmente acreditarão na criação divina. Não, eles não são brilhantes; eles não são honestos; e eles não estão fazendo boa ciência. Para chegar a um conhecimento da verdade, não seria suficiente os incrédulos simplesmente fazerem uma “ciência melhor”; eles precisam mudar completamente os seus primeiros princípios ou axiomas fundamentais, e não simplesmente seus teoremas subsidiários. Isso implica uma obra soberana de Deus em seus corações, e se isso não acontecer, permanecerão nas trevas espiritual e intelectual.

Os incrédulos podem lhe dizer que são intelectualmente neutros, mas não
acredite neles, pois neutralidade intelectual não existe. Ou você é por Cristo ou é contra Cristo. Uma pessoa que reivindica examinar os argumentos a favor do Cristianismo a fim de determinar sua validade é contra o Cristianismo, enquanto estiver simplesmente ponderando esses argumentos, e ela não será a favor do Cristianismo até que Deus mude o seu coração. Os incrédulos são preconceituosos com Deus; eles têm uma agenda contra ele. Têm levantado pressuposições que evitam a verdade como revelada nas Escrituras. No entanto eles alegam que vão seguir os fatos onde quer que os levem, e então irão desafiá-lo a provar que os fatos levam às suas conclusões empregando as pressuposições e métodos deles! Os cristãos não devem cair nessa armadilha. Embora os nossos primeiros princípios sejam diferentes daqueles dos incrédulos, não precisamos assumir que seja fútil argumentar com tais pessoas; antes, nós podemos desafiar as suas pressuposições como nosso caso negativo e apresentar o princípio auto-comprobatório da infalibilidade bíblica como nosso caso positivo. A menos que eles possam fornecer um primeiro princípio adequado justificando suas reivindicações subsidiárias, eles não têm nem mesmo o direito de apresentar essas reivindicações à nossa consideração, como no caso da evolução.

NOTAS DE RODAPÉ:

[50] A minha posição é que a ciência não pode provar qualquer coisa sobre qualquer coisa. Mas a título de argumentação, mesmo que a ciência possa demonstrar que todos nós procedemos de um só homem, ainda não há justificativa para censurar o genocídio ou o canibalismo, a menos que haja uma
interpretação divina da implicação moral desse fato, manifestada a nós pela revelação verbal.

[51] Vincent Cheung, Systematic Theology. Em poucas palavras, desde que biologia pressupõe cosmologia, e tanto biologia quanto cosmologia pressupõe epistemologia, a menos que os evolucionistas possam tornar explícita a sua epistemologia e metafísica, demonstrando que ambos são justificáveis e coerentes, não precisamos nem mesmo ouvir a respeito da sua teoria sobre a biologia. "

Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Confrontações Pressuposicionalistas. ed. 2003. pp. 45-46.

Traduzido por:
Felipe Sabino e Marcelo Herberts, em 08/2006.

domingo, 22 de julho de 2018

A SUPREMACIA DE CRISTO – Vincent Cheung

[...] Jesus chamou a si mesmo de “o caminho” — não há muitos caminhos para Deus. Ele se autodenomina “a verdade” — a verdade não é relativa ou mutável. Há somente um ser eterno que é a verdade, e os escritores do Novo Testamento identificam Cristo como esse logos, ou o eterno e imutável princípio de razão e ordem no universo (João 1.1; Colossenses 1.17; Hebreus 1.1-3, 13.8). Por conseguinte, Jesus chama a si mesmo de “a vida” — todas as outras opções levam à morte e ao tormento eternos. Ninguém pode rejeitar a Jesus Cristo e ao mesmo tempo encontrar Deus e a vida; fora dele só há desespero, morte e condenação.

[...]

Em Cristo estão “ocultos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento”. Certamente, isso tem quer ser verdadeiro se Jesus é o Deus onisciente. Cristo possui toda sabedoria e conhecimento, e ele “se tornou sabedoria de Deus para nós” (1 Coríntios 1.30).

[...]

A reivindicação cristã é que toda a Bíblia é verdadeira, e se toda a sabedoria e conhecimento estão em Cristo, então tudo o que é verdade nas outras religiões e cosmovisões foi roubado do cristianismo. Se os não-cristãos alegarem então que tal informação vem da própria cosmovisão deles, eles se tornam plagiários e hipócritas, mesmo se partindo de uma perspectiva humana. Mas isso é muito mais sério da perspectiva divina:

     Portanto, a ira de Deus é revelada dos céus contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça, pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou... Porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos (Romanos 1.18,19, 21,22).

Paulo afirma que todos os seres humanos tem um conhecimento inato e inescapável do Deus cristão, mas os não-cristãos recusam reconhecê-lo. Eles não o glorificam ou o agradecem como Deus e criador. Pelo contrário, eles pervertem seus conhecimento e tendências inatos, resultando em idolatria. Então, creditam qualquer coisa que seja verdadeira no sistema de pensamento deles aos ídolos que adoram. Romanos 1.25 diz:
     “Eles trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram a coisas e seres criados, em lugar do Criador”. Essa condenação se aplica igualmente aos cientistas não-cristãos, bem como aos budistas e aos mórmons.

Portanto, dizer que as religiões e cosmovisões não-cristãs possuem alguma verdade serve apenas para condená-los, e não faz nada para apoiar a credibilidade ou utilidade delas de forma alguma.

Todavia, o reconhecimento de que as falsas religiões têm algo de verdadeiro a dizer não implica que devemos respeitá-las, mas somente quer dizer que nós os pegamos “em flagrante” no crime de roubo espiritual contra Deus. Eles receberam dele e, todavia, o negam.

Não estamos dizendo que Deus se revela de uma forma limitada pelas religiões nãocristãs, enquanto o faz mais plena e verdadeiramente através da cristã. Antes, estamos dizendo que ele não se revela por meio de nenhuma religião ou cosmovisão não-cristã, de forma alguma. Cada pessoa nasce com um conhecimento inato do Deus cristão mas, desafiando a ele, os não-cristãos suprimem esse conhecimento e constroem suas próprias cosmovisões baseadas sobre premissas não-cristãs. Contudo, eles não podem suprimir completamente todos os traços da verdade cristã e, assim, vemos que todas as religiões e cosmovisões não-cristãs se apropriam de princípios cristãos que são impossíveis de se justificarem sobre a base de premissas não-cristãs. Isto é, os princípios cristãos nas suas religiões e cosmovisões não podem ser deduzidos de seus princípios primeiros não-cristãos. Logo, qualquer “verdade” nelas é evidência de engano e impiedade, e não de genuína orientação divina.

Eles erigem seus “bezerros de ouro” e declaram em alta voz:
“Eis aí os seus deuses, ó Israel, que tiraram vocês do Egito!” (Êxodo 32.4)!
Entretanto, Deus disse: “Eu sou o Senhor; este é o meu nome! Não darei a outro a minha glória nem a imagens o meu louvor” (Isaías 42.8). Em vez de dar a glória devida ao Deus da Bíblia cristã, suprimem o seu conhecimento desse Deus verdadeiro e, no lugar desse, dão glória aos ídolos.
Portanto, adeptos de religiões e cosmovisões não-cristãs são “indesculpáveis” (Romanos 1.20).

Deus “faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mateus 5.45). Um idólatra não consegue dar a glória a quem ela é devida, visto que ele não recebe chuva e outras provisões de seu ídolo, mas do Deus cristão. Embora esse tenha lhe dado um conhecimento inato com respeito a si mesmo, a pessoa suprime a verdade por causa de sua impiedade (Romanos 1.18), e prefere honrar um ídolo em vez disso (Romanos 1.21). Da mesma forma, um ateu recebe chuva e outras provisões de Deus mas, em vez disso,credita-as às causas naturais. Por essa razão, a ira divina está derramada sobre todos os não-cristãos.

Se Cristo possui toda sabedoria e conhecimento, então o fato de que qualquer não-cristão pode saber que 1 + 1 = 2 significa que Cristo, que é “a verdadeira luz, que ilumina todos os homens” (João 1.9), lhe deu esse conhecimento. Esse não se origina ou reside em sua religião ou cosmovisão não-cristãs, mas é uma parte integral do sistema cristão. Se não dá graças ao Deus cristão por esse conhecimento, então está cometendo roubo espiritual e intelectual ao falhar em dar o crédito à fonte apropriada de seu conhecimento.

Por outro lado, os cristãos recebem conhecimento livremente daquele a quem eles adoram: “É, porém, por iniciativa dele [de Deus] que vocês estão em Cristo Jesus, o qual se tornou sabedoria de Deus para nós” (1 Coríntios 1.30). Visto que Cristo tem um monopólio sobre a verdade, qualquer pessoa que conhece algo, seja o que for, deve seu conhecimento a Cristo, e um fracasso em adorá-lo e dar-lhe graças é um pecado que merece o castigo derradeiro.

Portanto, segue-se que é pecaminoso para os cristãos dizerem que podem aprender algo das religiões e cosmovisões não-cristãs. Suponha que uma religião não-cristã tenha dentro de si um pedaço de informação verdadeira. A partir de nossa premissa que Cristo é o possuidor de toda sabedoria e conhecimento, esse pedaço de informação deve necessariamente ser uma verdade “cristã” que essa outra religião furtou e, portanto, é primeiro uma parte da revelação cristã. Tentar aprender uma verdade cristã a partir de uma fonte não-cristã é irreverente e tolo. Somente a revelação bíblica apresenta a verdade sem mistura ou distorção.

Voltando a uma questão mencionada anteriormente, se um sistema religioso é apenas parcialmente, mas não inteiramente verdadeiro, seria impossível distinguir o verdadeiro do falso sobre a base dessa própria religião. Os cristãos que dizem que outras religiões contêm algumas verdades são capazes de reconhecer a essas pelo que elas são, precisamente porque eles já as aprenderam a partir da cosmovisão cristã, a qual eles afirmam ser inteiramente verdadeira; de outra forma, não há forma de dizer o verdadeiro e o falso.

Suponha um determinado sistema de pensamento que inclua as seguintes proposições: (1) X é um homem, e (2) X é um contador. Se na realidade (1) é verdade, mas (2) é falso, como alguém afirmará (1) e negará (2), a menos que ele já conheça X? A menos que uma determinada cosmovisão A seja verdadeira em sua inteireza, não há forma alguma de dizer qual proposição é verdadeira sem introduzir o conhecimento obtido fora do sistema, tal como uma determinada cosmovisão B, em cujo caso o sistema na questão (A) seria avaliado pelo sistema a partir do qual a pessoa obteve o dito conhecimento introduzido (B). Mas se alguém já obteve esse conhecimento a partir de outro sistema de pensamento (B), como ele está aprendendo a partir desse sistema em questão (A)? Ele está julgando-o, não aprendendo a partir dele.

Não há nada para aprender a partir de uma religião ou cosmovisão que não seja inteiramente verdadeira. Alguém pode aprender somente a partir de um sistema de pensamento se o mesmo for verdadeiro em sua inteireza, e então pode usar o conhecimento adquirido para avaliar outro sistema não inteiramente verdadeiro, mas
não aprender dele. Dizer que uma determinada religião ou cosmovisão possui “alguma verdade” é, pois, condená-la como inapropriada para crença, e não louvá-la ou honrá-la em hipótese nenhuma.

Não há nada verdadeiro que alguma religião ou cosmovisão não-cristã possa ensinar que não seja primeiramente uma parte do sistema cristão. Toda informação verdadeira e conhecível já está declarada ou subentendida na cosmovisão cristã; qualquer informação verdadeira não declarada ou subentendida pela revelação bíblica é incognoscível. Dizer outra coisa seria negar nossa premissa básica de que toda sabedoria e conhecimento estão em Cristo, em cuja caso podemos questionar, antes de tudo, se a pessoa que está fazendo a negação é um cristão.

Portanto, eu concluo que não há nada que os cristãos possam aprender dos nãocristãos que já não esteja incluído ou subentendido na cosmovisão cristã, só que a Bíblia revela essas verdades sem impureza ou mistura, e de um modo que é completo e coerente. Para mim, dizer que outras religiões têm “alguma verdade” é insultá-las — eu estou pressupondo que os profetas delas são ladrões ímpios, certamente não dignos da confiança e do respeito de ninguém.

Paulo diz: “A intenção dessa graça era que agora, mediante a igreja, a multiforme sabedoria de Deus se tornasse conhecida dos poderes e autoridades nas regiões celestiais” (Efésios 3.10). Deus pretende que a igreja o glorifique manifestando sua sabedoria no contexto da proclamação de uma mensagem exclusiva. Ele certamente não tencionou que a igreja louvasse religiões e cosmovisões não-cristãs pela sabedoria e conhecimento que elas têm roubado de nós, e menos ainda que a igreja afirmasse a falsidade nas outras religiões e cosmovisões como verdades. As religiões e cosmovisões não-cristãs podem conter diversas proposições verdadeiras — sempre suficientes para fazê-las culpadas, mas nunca para tornar a salvação possível.

A mesma crítica contra as religiões não-cristãs se aplicam às cosmovisões que reivindicam ser não-religiosas.
Por exemplo, os cristãos não podem aprender nada a partir da cosmovisão ateísta, a menos que o ateísmo seja verdadeiro sem sua inteireza. O ateu não pode conhecer nada, de forma alguma, se não for por Cristo, o logos, que facilita o conhecimento e a comunicação entre os homens. Não há nada na cosmovisão não-cristã que possa oferecer alguma verdade ao cristão que já não esteja na cosmovisão cristã.

Por exemplo, um cristão pode obter um gole de água de um ateu, que a tem para oferecer através da coleta de chuva. Mas a chuva não vem de, e não pode ser definitivamente explicada por nada inerente à cosmovisão ateísta; antes, a chuva vem do Deus cristão. A diferença é que o cristão dá graças a Deus pela água, mas o ateu não, e não consegue reconhecer o verdadeiro Deus que é a fonte última da chuva; o ateu peca e compromete sua alma à condenação eterna.

Da mesma forma, um estudante cristão pode aprender que 1 + 1 = 2 a partir de um tutor ateu, mas esse pedaço de informação pertence a Cristo, que tem toda sabedoria e conhecimento. O ateu está simplesmente ensinando ao cristão algo que é inerente à cosmovisão cristã, que ele aprendeu de Cristo, o logos, sem dar as devidas graças a Deus. Por outro lado, o cristão reconhece que todo conhecimento pertence a Cristo, e dá graças a Deus por esse pedaço de informação.

Para falar em termos de proposições, todas as proposições verdadeiras são, na verdade, proposições cristãs — elas são a propriedade de Cristo; portanto, são muito mais apropriada e corretamente expressas dentro do contexto da cosmovisão cristã. Assim, dizer que os cristãos podem, de fato, aprender o verdadeiro conhecimento a partir dos não-cristãos, tal como 1 + 1 = 2, não significa que é desejável assim o fazer, visto que algum grau de distorção e limitação inevitavelmente ocorrerá por causa das pressuposições não-cristãs daqueles que ensinam.

Até mesmo o conhecimento que é aparentemente não-religioso em natureza é mais bem expresso e ensinado dentro de um contexto explicitamente cristão. Por exemplo, se Deus é o governador e planejador da história, então um livro-texto sobre as civilizações ocidentais que deixa de mencionar a providência divina não é um bom texto de história de forma alguma, visto que negligencia o próprio fator que determina todos os eventos e progressos históricos. Se o que a Escritura diz sobre a criação é verdade, então “No princípio Deus criou os céus e a terra” (Gênesis 1.1) é uma explicação superior para a existência do universo do que qualquer sistema sofisticado de cosmologia que falhe em reconhecê-lo como a causa primeira e sustentadora de tudo o que existe (Colossenses 1.17; Hebreus 1.3). Coisas similares podem ser ditas nos campos de economia, literatura, música e até mesmo esporte.

Aquele que insiste em pensar independentemente das proposições bíblicas reveladas por Deus, deve refutar a cosmovisão desafiadora apresentada pelo sistema cristão. Se todas as coisas foram criadas e são agora sustentadas pelo divino logos, Jesus Cristo, então o próprio pensamento não tem justificação última sem primeiro se pressupor a cosmovisão cristã. O raciocínio não pode nem mesmo ser inteligível sem a existência de uma mente eterna, onipotente, onisciente e racional, de quem nós, que somos feito à imagem divina, e, assim, modelados segundo a mente dele, recebemos as leis da lógica e da gramática. O não-cristão deve mostrar baseado em sua cosmovisão, sem tomar emprestadas pressuposições cristãs, que as leis da lógica não são regras arbitrárias nem meras convenções; de outra maneira, qualquer argumento que ele faça pode ser descartado enquanto baseado sobre regras arbitrárias ou meras convenções. Não conseguindo sobrepujar tal obstáculo, o não-cristão não pode nem mesmo debater com o cristão sobre nenhum assunto antes de pressupor a cosmovisão cristã inteira. [...]

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Teologia Sistemática. ed. 2003. pp. 141, 142, 144-148.

Traduzido e revisado por: Felipe Sabino de Araújo Neto e Vanderson Moura da Silva.

JESUS E A RAZÃO – Vincent Cheung

     No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e era Deus ... a verdadeira luz, que ilumina todos os homens. (João 1: 1, 9)

A palavra grega traduzida como "Palavra" em João 1:1 é Logos. Tem havido algum debate sobre o que João tem em mente quando ele se refere a Deus, o Filho, com este termo.

Alguns dos gregos consideravam o Logos como o princípio racional do universo. O qual fornecia a estrutura que mantinha tudo unido e regulava o funcionamento de toda a realidade. Foi esse mesmo princípio que instilou a razão no homem e proporcionou-lhe a capacidade de pensar, distinguir e fazer deduções.

A questão é se João tem esse Logos grego em mente quando ele aplica o termo ao Filho de Deus. Alguns estão preocupados que, se isso for admitido, então pareceria que João está tomando emprestado um conceito grego. Outros sugerem que João não poderia ter em mente o Logos grego, pois há grandes diferenças entre o Logos do evangelho de João e o Logos do pensamento grego. Para os gregos, o Logos não era uma entidade pessoal, e eles teriam rejeitado a ideia de que o Logos poderia assumir uma natureza humana e caminhar entre nós. Ambas as objeções são inadequadas e inconclusivas.

Mesmo que João tenha mente o Logos grego ao escrever, isso não significa que seu Logos seja uma adaptação do pensamento grego, mas poderia ser uma resposta ele. Para ilustrar, eu poderia pegar a ideia chinesa de "o Rei do Céu" e usar isso como meu ponto de partida para falar sobre o Deus cristão. Se isso é aconselhável ou não, é uma questão à parte, mas é possível, desde que eu note as diferenças e adicione as coisas que estão faltando ao longo do caminho. Eu não estaria tomando emprestada a ideia de Deus dos chineses, mas usando minha compreensão existente de Deus para corrigir a concepção deles.  E assim, que os gregos não conceberam um Logos pessoal que pudesse se fazer carne não tem relevância para a questão. João poderia estar afirmando que Deus, o Filho, é a realidade da qual o Logos deles é apenas um turvo reflexo, e junto com isso ele introduz a ideia de que o Logos é, de fato, pessoal e veio até mesmo em carne e osso.

Uma alternativa proposta é que João não tem em mente o Logos Grego, mas a "Palavra" ou"Sabedoria" do Antigo Testamento e literatura judaica. Esta "Sabedoria" é dito estar com Deus desde o princípio, e é dito ser um agente na criação de todas as coisas. Assim, parece haver mais semelhanças entre esta e o Logos do Evangelho de João. No entanto, não devemos exagerar a implicação dessa observação. O fato de que a "Palavra" no evangelho de João possa ter mais semelhanças com a "Sabedoria" judaica do que com o "Logos" grego,
não é uma indicação necessária de que João deve ter em mente a Sabedoria judaica e não o Logos grego, ou a Sabedoria Judaica, com a exclusão do Logos grego.  Permanece que é possível que João tenha o Logos grego em mente, ou que ele tenha tanto a Sabedoria judaica e o Logos grego, ou que ele não tivesse nenhum deles em mente.

A questão é de importância secundária, uma vez que o que este Evangelho e o resto do Novo Testamento diz sobre Jesus Cristo mantém um significado completo e inflexível, independentemente de qualquer contexto judaico ou grego na mente de João. No entanto, o debate chama a nossa atenção para a questão de quem ou o que Jesus era em relação à criação, ao funcionamento do universo, e à natureza racional do homem. O Logos ordena e controla o universo? É o Logos que capacita ao homem pensar e raciocinar? Podemos entender a natureza do Logos apenas a partir dos ensinamentos do Novo Testamento.

Por princípio racional do universo, queremos dizer, a inteligência que determina a estrutura da criação, e o poder que regula seu funcionamento. Nos referimos à Sabedoria que concebe o desígnio e a natureza de todos os demais objetos na criação, e o Poder
que mantém as relações entre esses objetos. Nós encontramos que Cristo satisfaz essa descrição. Paulo escreve:
     "pois nele foram criadas todas as coisas ...; todas as coisas foram criadas por ele e para ele. ... e nele tudo subsiste. Nele estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento." (Colossenses 1: 16-17, 2: 3). Então, lemos em Hebreus 1: 3: O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa.[4] E voltando ao Evangelho de João: "Nele estava a vida, e esta era a luz dos homens ... a verdadeira luz, que ilumina todos os homens "(1: 4, 9).[5]

Assim, com algumas palavras, é dito que Cristo cumpre toda a concepção do Logos grego, e até mesmo o excede, no sentido que Ele é uma pessoa.  Se o Logos é a Razão, então Cristo é a Razão personificada. E a Palavra que se fez carne era a Razão encarnada. Novamente, a Escritura diz que toda a sabedoria e conhecimento estão Nele, e diz que todas as coisas foram criadas por Ele e que Ele é quem sustenta a criação. Observe que ela não diz apenas que Ele criou e agora sustenta o universo, mas que Ele é caracterizado por "sabedoria e conhecimento".
Portanto, quer o chamemos de Razão, Sabedoria ou Conhecimento, Cristo é a Mente ou Inteligência divina que criou e agora sustenta o universo. Ele cumpre e excede o Logos grego, e Ele é o que é, independentemente do Logos grego, ou se temos algum contato com o pensamento grego. É inteiramente legítimo chamá-lo de Mente, Inteligência ou Razão.

Então, João tem em mente o Logos Grego? Isso não importa. Mas Deus o Filho, é o princípio racional do universo? Sim, Ele é. Isso faz de Jesus Cristo a encarnação da Inteligência suprema, da Sabedoria e da Razão. Portanto, os discípulos de Cristo são racionalistas no sentido mais elevado da palavra. Os cristãos são os discípulos da Razão. Sua revelação é nosso primeiro princípio, e nosso conhecimento vem de deduções válidas dela. Embora Ele satisfaça a ideia da Razão, e embora as Escrituras afirmem que Ele é a Mente que criou e agora sustenta o universo, alguns se recusam a reconhecer isso por medo de parecer que estamos apelando ou concordando com o pensamento grego. Mas isso é cuspir em Cristo a despeito dos gregos. Não importa o que os gregos pensavam. E à parte do Antigo Testamento, não importa o que os judeus pensavam.[6] O Novo Testamento ensina que Jesus Cristo é a Razão, Mente, Sabedoria e Inteligência.

A razão, então, é a maneira como Deus pensa. Isso se reflete na ordem e no desígnio do universo e na capacidade do homem de se envolver no pensamento lógico. Assim, quando "razão" é usada em um sentido que é vazio de conteúdo, isso equivale às leis puras da lógica. Ou seja, razão sem conteúdo refere-se à lógica. Quando o conteúdo é incluído, ela se refere à mente de Deus, parte da qual nos foi revelada através da Escritura. Ou seja, razão com conteúdo se refere à Verdade. E fomos capacitados a pensar como Ele pela regeneração e iluminação do Espírito. Como cristãos, podemos pensar de acordo com a Lógica – a estrutura do pensamento de Deus. E com a lógica, podemos entender, processar e aplicar a Verdade - o conteúdo do pensamento de Deus.

Vamos considerar algumas das implicações.

Uma vez que Jesus é a Razão, devemos exaltar a Razão ao lugar mais alto. É um testemunho do sucesso do engano de Satanás que os cristãos têm um medo quase supersticioso da razão. Parte disso se deve a definições desnecessárias e imprecisas. Um uso da palavra pressupõe uma exclusão da religião ou revelação. Mas como você pode ver pela maneira como definimos a razão acima, a rejeição da religião ou da revelação é um acréscimo desnecessário à ideia básica de razão. Outro uso da palavra refere-se à capacidade humana de pensar ou descobrir. Mas tal significado carrega consigo uma enorme bagagem que foi contrabandeada sem garantia, e não por necessidade lógica ou linguística. Se a razão necessariamente estivesse associada ao pensamento antibíblico, então é claro que deveríamos ser cautelosos quanto isso. Mas nossa discussão deveria ter eliminado todas as dúvidas de que a razão nos pertence e, se houver alguma reserva remanescente, deveríamos aprender a superá-la. Eu poderia usar a palavra "sabedoria" e me referir à mesma coisa. A palavra é suficiente. Por exemplo, eu poderia dizer que Jesus é a Sabedoria e que, portanto, devemos servir a Deus de uma maneira que siga e aplique a sabedoria. Por essa declaração, eu intencionaria aproximadamente a mesma coisa se eu usasse a palavra "mente" ou "sabedoria" ou "inteligência". Mas eu escolheria usar a palavra "razão" mesmo quando eu não precisasse, porque os cristãos têm uma tal desconfiança, e espero que esfregando isso em seus rostos, eu os ajudarei a superar isso. Ela é uma boa palavra, e não deve ser sequestrada pelos incrédulos de um modo um que eles possam se regozijar com ela.

A discussão típica sobre a relação entre fé e razão é equivocada. Dado o que dissemos acima, devemos rejeitar propostas como a fé contra a razão, ou a fé com a razão, ou a fé além da razão. Nessas propostas, a versão carregada da razão é referida, isto é, aquela que está inseparavelmente ligada à capacidade do homem de pensar à parte da revelação. Mas devemos rejeitar esse significado carregado e, em vez disso, usar a palavra de maneira consistente com nossa própria cosmovisão, que equivaleria fé com razão. De fato, qualquer coisa que não torne a fé e a razão idênticas deve ser falsa.  A única concepção legítima sobre a relação entre fé e razão é que fé é razão.

Você diz: "A razão é limitada". Mas a razão de Deus não é limitada. Pare de usar a si mesmo como o ponto de referência para tudo no universo, e você expandirá grandemente seu horizonte mental e o escopo de sua percepção intelectual. Para mim, não faria sentido dizer que Deus está além da razão, uma vez que para mim isso significaria que Deus está além de si mesmo, ou além de sua própria capacidade de pensar. Minha visão da razão deixa a capacidade do homem para trás, porque é uma bagagem que não tenho obrigação de aceitar em relação ao uso dessa palavra ou ideia. Se Deus pode raciocinar, e se Deus é a Razão, então a palavra não precisa ser reduzida à capacidade do homem de pensar.

Outra implicação é que devemos servir a Deus com o nosso pensamento, com o máximo cuidado e diligência no uso da razão. Considere o que isso significa para nossa teologia, pregação, educação e assim por diante. Poderíamos passar muitas horas discutindo essas implicações positivas da afinidade do cristão com a Razão; no entanto, já que devemos mencionar algumas outras implicações, eu deixarei que você passe mais tempo pensando em como o uso adequado da razão deveria promover a saúde e a solidez da fé Cristã.

Quando Deus criou o homem, ele soprou vida nele e deu a ele um espírito racional. Depois que o homem se rebelou contra Deus, a corrupção do pecado infligiu danos severos à sua mente, incluindo seu desejo e sua capacidade de pensar de acordo com a razão, com a lógica e com a verdade. Isso explica por que os não cristãos são muito estúpidos. Qualquer não cristão de qualquer período, qualquer lugar e qualquer persuasão, pode ser facilmente derrotado por um uso adequado da razão. Não existe uma visão não cristã sobre qualquer assunto em toda a história humana que possa suportar mais do que vários segundos de análise lógica. E demora vários segundos porque muitas vezes somos lentos demais.

No entanto, o não cristão não se transformou em um animal. Resta uma faísca de razão nele, apesar de ser algo que é apenas uma sombra de inteligência. É por isso que os não cristãos, embora sejam muito estúpidos, geralmente não vagam pelas colinas como animais selvagens, ou urinam aleatoriamente nas ruas, ou balbuciam bobagens e espumam pela boca enquanto olham fixamente para o céu. Deus preserva sua capacidade de funcionar para seus próprios fins – para a glória de seu nome e o bem de seus eleitos.

Até mesmo Satanás pode aparecer como um anjo de luz, mas sua luz é aquela que cega o julgamento do homem, e não aquela que o guia para a verdade. Os não cristãos são como seu pai, o diabo. Em vez de usar o fraco intelecto que permanece neles para clamar a Deus por iluminação e perdão, eles o usam para construir interpretações alternativas do mundo e da realidade, e para conspirar contra o Senhor e seu povo. A ciência empírica é um dos exemplos mais proeminentes em nossos dias. Os não cristãos pensam que vendo, tocando e experimentando, eles podem inferir informações verdadeiras sobre a realidade. Mas a sensação não é confiável, a indução é falaciosa, e o método científico é meramente uma maneira sistemática de repetir o não confiável e o falacioso várias vezes. No entanto, os homens pensam que este é o ápice do desenvolvimento intelectual, o caminho seguro e mais justo para descobrir a verdade!

Jesus é o Senhor da Razão. 
Ele é a luz da mente. Embora por seu próprio decreto, o pecado obscureceu o intelecto do homem, por seu poder e para seu propósito, Ele preserva uma centelha da razão no não cristão. Mas Ele pode extinguir até mesmo essa minúscula inteligência sempre que desejar, como Ele fez por algum tempo em Nabucodonosor, de modo que sua sanidade foi tirada dele. Ele se tornou como um animal, e foi expulso do convívio com as pessoas e comeu a grama como gado (Daniel 4: 29-37). Por outro lado, naqueles a quem Ele escolheu para salvação e a quem Ele faz acreditar em sua palavra, Ele acende esta centelha de inteligência em um poderoso fogo, inundando suas mentes com luz – com clareza mental, profundidade de pensamento e compreensão da verdade.

Jesus é minha Razão. Ele é minha sabedoria, minha verdade, minha sanidade. Sem Ele eu estou perdido – não, não apenas perdido para o fogo do inferno, mas para crenças tolas e suposições irracionais. Por sua graça, Ele encheu minha mente com luz, com informações verdadeiras e percepção clara. Seus pensamentos não eram meus pensamentos, e seus caminhos não eram meus caminhos. Seus pensamentos estavam tão acima dos meus quanto os céus estavam acima da terra. Mas Ele me transformou – nasci de novo, desta vez, nascido de cima. Agora seus pensamentos se tornaram meus pensamentos, e seus caminhos se tornaram meus caminhos. Agora posso apreender a filosofia celestial, os pensamentos de cima, de maneira clara, precisa e unívoca. Há alguns que se consideram indignos dessa bênção, que se recusam a entrar e impedem que outros entrem. Mas esta é a herança de todos os crentes, e aqueles que têm fome e sede de sabedoria e verdade se afastarão das tradições humanas, das ameaças e decepções religiosas, e entrarão naquilo que Deus preparou para nós antes mesmo da fundação do mundo.

NOTAS DE RODAPÉ:

[4] "Ele usa aí a palavra 'Palavra', mas com um tal significado que ele pretende não só o poder do Filho de Deus, mas também um arranjo admirável e uma ordem bem definida que Ele colocou nas coisas criadas, visto que Ele é a sabedoria de Deus. E podemos contemplá-lo em todas as criaturas, porque Ele sustenta todas as coisas
através de sua virtude e poder". João Calvino, The Deity of Christ (Old Paths Publications, 1997), p. 30

[5] "E qual vida? Como todas as coisas são feitas e preservadas através da Palavra de Deus. No entanto, há algo mais excelente no homem, isto é, alma, inteligência e razão." Ibid., p. 32

[6] De qualquer forma, o Antigo Testamento é um livro cristão, e não um livro judaico.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. The View From Above. ed. 2009. pp. 16-20.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 22/07/2018.