sábado, 11 de agosto de 2018

A SUFICIÊNCIA DA ESCRITURA – Vincent Cheung

Muitos cristãos alegam afirmar a suficiência da Escritura, mas os seus reais pensamentos e prática negam-na. A doutrina afirma que a Bíblia contém informações suficientes para uma pessoa não apenas encontrar a salvação em Cristo, mas depois receber instrução e orientação em todos os aspectos do pensamento e da vida, seja pelas declarações explícitas da Escritura, ou por inferências necessárias dela.

A Bíblia contém tudo o que é necessário para construir uma cosmovisão completa, uma visão verdadeira da realidade. Ela nos transmite não apenas a vontade de Deus nas questões gerais de fé e conduta cristãs, mas aplicando os preceitos bíblicos, podemos também conhecer sua vontade ao tomar decisões específicas e pessoais. Tudo o que precisamos saber, como cristãos, é encontrado na Bíblia.

Paulo escreve que a Escritura não é apenas divina em sua origem, mas também abrangente em seu escopo:

     “Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça. Para que o homem de Deus seja perfeito, e 'perfeitamente' instruído para 'toda' a boa obra” (2 Timóteo 3.16-17).

A implicação necessária é que meios extrabíblicos de orientação, como visões e profecias, não são necessários; entretanto, uma vez que a Bíblia não declara que eles cessaram, Deus ainda pode concedê-los quando quiser. Se Deus ainda fala com as pessoas por meio dessas maneiras especiais é outra questão, mas não há justificação bíblica para negar a possibilidade.

Devemos desafiar os teólogos que insistem em que Deus não realiza mais o miraculoso ou não fala às pessoas de maneiras especiais, porque eles afirmam isso não com base em sólida dedução da Escritura, como eles mesmos poderiam exigir para todas as outras doutrinas, mas por impor esquemas artificiais sobre o progresso da revelação e por outros argumentos forçados. Tanto o cessacionismo quanto o fanatismo estão errados. Mas a doutrina da soberania de Deus é sempre correta, e não devemos comprometê-la de maneira alguma e em qualquer grau a favor da tradição humana ou para apaziguar a pressão religiosa.

Dito isso, os problemas ocorrem quando os cristãos negam que a Bíblia seja suficiente para fornecer instruções e orientações abrangentes. Alguns deles reclamam que a Bíblia carece de informações específicas das quais precisam para tomar decisões pessoais. Entretanto, à luz das palavras de Paulo – ou seja, uma vez que Deus afirma através de seu apóstolo que a Bíblia é suficiente – a deficiência deve estar nesses indivíduos e não na Bíblia.

Eles não têm a informação de que precisam por causa de sua imaturidade e ignorância. A Bíblia é de fato suficiente para guiá-los, mas eles negligenciam estudá-la. Alguns deles também exibem uma forte rebelião, de modo que embora a Bíblia claramente aborde suas situações, eles se recusam a obedecer suas ordens e instruções. Ou antes, se recusam a aceitar o próprio método de receber orientação da Escritura, mas insistem que Deus deve guiá-los, pelo menos ocasionalmente, através de visões, sonhos e profecias, embora Ele já tenha escrito o que eles precisam saber na Bíblia. Quando Deus não concede sua demanda por orientação extrabíblica, alguns deles até decidem buscar informações por meio de métodos proibidos, como astrologia, adivinhação e outras práticas ocultistas. Sua rebelião é tal que, se Deus não fornece as informações desejadas da maneira que eles desejam, ou se elas não concordam com seus desejos, então eles estão determinados a conseguir o que querem do diabo.

O conhecimento da vontade de Deus vem de uma compreensão e aplicação intelectual da Escritura.[15] Paulo escreve:

     “E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:2).

A teologia cristã deve afirmar a suficiência da Escritura, que é uma fonte abrangente de informação, instrução e orientação. A Bíblia contém toda a vontade de Deus, incluindo as informações que uma pessoa precisa para a salvação, desenvolvimento espiritual e orientação pessoal.
Ela contém informações suficientes pelo que, se alguém fosse obedecê-la integralmente, ele cumpriria a vontade de Deus em todos os detalhes da vida, e pecaria na medida em que a desobedecesse. Embora não consigamos a perfeita obediência nesta vida, permanece que a Bíblia contém toda a informação necessária para vivermos uma vida cristã perfeita.[16]

NOTAS DE RODAPÉ:

[15] Veja Vincent Cheung, Godliness with Contentment, "Biblical Guidance and Decision-Making."

[16] Para mais informações sobre a Suficiência da Escritura, veja The Ministry of the Word.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Systematic Theology. ed. 2010. pp. 29-31.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 11/08/2018.

A AUTORIDADE DA ESCRITURA – Vincent Cheung

A extensão da autoridade da Bíblia determina o nível de controle que ela tem sobre nossas vidas. A inspiração, unidade e infalibilidade da Escritura implicam que ela possui autoridade absoluta. Visto que a Escritura é a própria palavra de Deus, ou Deus falando, a conclusão necessária é que ela carrega a autoridade de Deus. Portanto, a autoridade da Escritura é idêntica à autoridade de Deus.

A própria Bíblia algumas vezes se refere a Deus e à Escritura como se os dois fossem intercambiáveis. Como Warfield escreve, "Deus e as Escrituras são trazidos em tal conjunção como para mostrar que na questão da exatidão da autoridade, nenhuma distinção foi feita entre eles".[12]

     “Ora, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gênesis 12:1-3).

     “Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti” (Gálatas 3.8).

     “Então disse o SENHOR a Moisés: Levanta-te pela manhã cedo, e põe-te diante de Faraó, e dize-lhe: Assim diz o SENHOR Deus dos hebreus: Deixa ir o meu povo, para que me sirva; Porque esta vez enviarei todas as minhas pragas sobre o teu coração, e sobre os teus servos, e sobre o teu povo, para que saibas que não há outro como eu em toda a terra. Porque agora tenho estendido minha mão, para te ferir a ti e ao teu povo com pestilência, e para que sejas destruído da terra;Porque agora tenho estendido minha mão, para te ferir a ti e ao teu povo com pestilência, e para que sejas destruído da terra” (Êxodo 9:13-16).

     “Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei; para em ti mostrar o meu poder, e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra” (Romanos 9:17).

Enquanto a passagem de Gênesis diz que foi "o Senhor" que falou com Abraão, Gálatas diz: "A Escritura previu ... [A Escritura] anunciou. ..." A passagem de Êxodo afirma que foi "o Senhor" quem falou a Moisés o que dizer ao Faraó, mas Romanos diz: "a Escritura diz ao Faraó ...".

Visto que Deus possui autoridade absoluta, a Bíblia também carrega autoridade absoluta. Visto que não há diferença entre Deus falando e a Bíblia falando, não há diferença entre obedecer a Deus e obedecer a Bíblia. Crer e obedecer a Bíblia é crer e obedecer a Deus; descrer e desobedecer a Bíblia é descrer e desobedecer a Deus. A Bíblia é mais do que um instrumento através do qual Deus fala à nós; antes, as palavras da Bíblia são as próprias palavras que Deus fala – não há diferença. A Bíblia é a voz de Deus e a autoridade da Escritura é total.

NOTA DE RODAPÉ:

[12] The Works of Benjamin B. Warfield, Vol. 1; Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 2000 (original: 1932); p. 283.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Systematic Theology. ed. 2010. pp. 25-26.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 10/08/2018.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

A INSPIRAÇÃO DA ESCRITURA – Vincent Cheung

A Bíblia é a revelação verbal de Deus. É Deus nos falando. É a voz de próprio Deus. A própria natureza da Bíblia indica que a melhor maneira de comunicar a revelação divina é por meio de palavras. Conhecemos a Deus estudando as palavras de Deus, isto é, as palavras da Bíblia. Ela é a fonte mais precisa, acurada e abrangente de informações sobre Deus disponível para nós.

     Toda Escritura é soprada por Deus e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja plenamente preparado para toda boa obra (2 Timóteo 3:16-17).

Todas as palavras da Bíblia foram sopradas por Deus.[2] Ele fez com que os escritores humanos registrassem as palavras exatas que Ele queria usar para comunicar seus pensamentos. Essa é a doutrina da INSPIRAÇÃO DIVINA.

A Escritura, ou a Bíblia, consiste do Antigo e Novo Testamentos, sessenta e seis documentos no total, funcionando como um todo orgânico. O apóstolo Pedro, certamente, reconhece o Antigo Testamento como Escritura.

     Tenham em mente que a paciência de nosso Senhor significa salvação, como também o nosso amado irmão Paulo lhes escreveu, com a sabedoria que Deus lhe deu. Ele escreve da mesma forma em todas as suas cartas, falando nelas destes assuntos. Suas cartas contêm algumas coisas difíceis de entender, as quais os ignorantes e instáveis torcem, como também o fazem com as demais Escrituras, para a própria destruição deles (2 Pedro 3:15-16).

Ele explica que os homens que escreveram as Escrituras foram "impelidos pelo Espírito Santo", de modo que nenhuma parte dela "teve sua origem na vontade do homem", ou veio pela "própria interpretação do profeta" (2 Pedro 1:20-21). Da mesma forma, os apóstolos escreveram sob a inspiração do Espírito.

A Bíblia é uma revelação verbal exata de Deus, de modo que Jesus disse: “Digo-lhes a verdade: Enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou o menor traço, até que tudo se cumpra” (Mateus 5:18). Deus exerceu um controle tão preciso sobre a produção da Bíblia que o seu conteúdo, até a própria letra, é o que Ele desejava colocar por escrito. A Bíblia revela a natureza e a mente de Deus de uma maneira exata e unívoca.

Há a objeção de que essa alta visão das Escrituras implica uma teoria do ditado da inspiração bíblica, e uma vez que os vários documentos nas Escrituras parecem refletir as diferentes personalidades, cenários e estilos literários dos escritores, a teoria do ditado deve ser descartada, e assim também a inspiração divina é excluída. No entanto, essa é uma objeção não inteligente. Os cristãos lutam para negar a teoria do ditado, mas não há nada intrinsecamente absurdo ou impossível sobre ela. Deus poderia ter ditado seus pensamentos para refletir uma variedade de personalidades e estilos literários para atender seus propósitos e manifestar sua multiforme sabedoria. Não há necessidade de renunciar ao princípio do ditado, uma vez que não há nada de errado com ele.
E como indicado pelos próprios profetas, partes significativas da Bíblia foram de fato ditadas e escritas. Talvez o exemplo mais proeminente seja os Dez Mandamentos – o próprio Deus escreveu nas tábuas enquanto falava, mas Moisés também registrou as palavras exatas que Deus falou. Muitas passagens ditadas são encontradas e claramente identificadas em Isaías, Jeremias, Ezequiel, muitos dos outros profetas e em todas as passagens em que as palavras de Deus são identificadas como citações diretas.

Dado o poder e a sabedoria de Deus, a objeção contra o ditado é irrelevante e é imediatamente derrotada. É uma reação impensada à doutrina da inspiração baseada no preconceito e falsas suposições sobre como Deus deve se revelar em palavras, ou se Ele escolheu o ditado, como deve ter ocorrido. Mas a habilidade de Deus desafia as restrições humanas.

Essa é uma questão de interesse sobre se a inspiração divina aconteceu dessa ou se aconteceu de alguma outra maneira, mas não há problema inerente com o ditado.

Em qualquer caso, uma alta visão da Escritura não implica que tudo dela tenha sido revelado por ditado. E mesmo quando o ditado ocorreu, Deus não ditou sua palavra aos profetas e apóstolos como um homem ditaria suas cartas a uma secretária. Uma pessoa pode assumir que o ditado é a mais alta forma de inspiração, uma vez que é a situação humana mais familiar na qual um escritor registra as palavras exatas de outra pessoa. No entanto, o ditado nesse contexto humano não representa a forma mais elevada de inspiração.

Um homem pode ditar suas palavras para a secretária, mas ele não tem controle sobre os detalhes da vida da secretária – seu nascimento, família, educação, personalidade, circunstâncias e até seus próprios pensamentos. Em contraste, a Bíblia ensina que Deus exerce controle total sobre todos os detalhes de sua criação, na medida que até os pensamentos dos homens estão sob seu controle.[3] Isto é verdade com relação aos escritores bíblicos. Deus então ordenou, dirigiu e controlou os pensamentos e vidas de seus instrumentos escolhidos, que quando a hora chegou, suas personalidades e cenários eram perfeitamente adequados para escrever aquelas porções das Escrituras que Ele havia designado para elas:

     Disse-lhe o SENHOR: “Quem deu boca ao homem? Quem o fez surdo ou mudo? Quem lhe concede vista ou o torna cego? Não sou eu, o SENHOR? Agora, pois, vá; eu estarei com você, ensinando-lhe o que dizer” (Êxodo 4:11-12).

     A palavra do Senhor veio a mim, dizendo: “Antes de formá-lo no ventre eu o escolhi; antes de você nascer, eu o separei e o designei profeta às nações”... O Senhor estendeu a mão, tocou a minha boca e disse-me: “Agora ponho em sua boca as minhas palavras” (Jeremias 1:4-5,9).

     Irmãos, quero que saibam que o evangelho por mim anunciado não é de origem humana. Não o recebi de pessoa alguma nem me foi ele ensinado; ao contrário, eu o recebi de Jesus Cristo por revelação.... Mas Deus me separou desde o ventre materno e me chamou por sua graça. Quando lhe agradou revelar o seu Filho em mim para que eu o anunciasse entre os gentios... (Gálatas 1:11-12, 15-16).

Deus não encontrou as pessoas certas para escrever a Escritura, mas criou as pessoas certas para escrevê-la e depois fez com que a escrevessem[4]. No momento da escrita, o Espírito de Deus as controlou de uma maneira tão deliberada e completa que elas escreveram materiais que eram além do que sua inteligência natural poderia conceber. O resultado foi a revelação verbal de Deus, e foi a própria letra que Ele desejou pôr por escrito. E por seu controle da natureza, da história e da humanidade, Ele tem preservado seu livro este dia.

Portanto, a inspiração da Bíblia não se refere apenas aos tempos em que Deus exerceu controle especial sobre os escritores, embora Ele de fato exerceu esse controle, mas a preparação começou antes mesmo da criação do mundo. Deus controla cada detalhe de cada pessoa e, portanto, de todo escritor bíblico, e não apenas quando eles se sentaram para escrever a Escritura. Em comparação, o mero ditado é mais fraco e implica uma visão mais baixa da Escritura, uma vez que atribui a Deus menos controle sobre o processo.

Essa visão da inspiração explica o assim chamado "elemento humano" na Escritura. Os documentos bíblicos refletem os vários cenários sociais, econômicos e intelectuais dos autores, suas diferentes personalidades e seus vocabulários e estilos literários únicos. Esse fenômeno é o que se esperaria, dada a visão bíblica da inspiração, na qual Deus exerceu completo controle sobre suas vidas, circunstâncias, até seus próprios pensamentos, e não apenas sobre o processo de escrita. Portanto, o "elemento humano" nas Escrituras é parte do que Deus pretendeu produzir, de modo que ele não prejudica a doutrina da inspiração, mas é consistente com ela e é explicado por ela.

NOTAS DE RODAPÉ:

[2] A palavra traduzida "dada por inspiração de Deus" (KJV) ou "inspirada por Deus" (NASB) é theopneustos. Ela significa expiração (expirar) em vez de inspiração (inspirar), de modo que a NIV a traduz como "soprada por Deus". Embora “inspiração” seja um termo teológico aceitável, referindo-se à origem divina da Escritura, e como tal permanece útil, ele não consegue transmitir o significado literal de theopneustos.

[3] A Bíblia nega que o homem tenha "livre arbítrio". Embora a vontade do homem exista como uma função da mente, ela não é "livre" no sentido de poder operar fora do constante e completo controle de Deus.

[4] Alguns chamam essa posição de INSPIRAÇÃO ORGÂNICA, mas outros consideram o termo ambíguo ou enganoso. O ponto é que Deus não meramente sugeriu ou ditou palavras aos escritores, mas controlou todos os detalhes de seus pensamentos e vidas. A doutrina bíblica da inspiração é muito mais ambiciosa que o mero ditado.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Systematic Theology. ed. 2010. pp. 16-19.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 09/08/2018.














terça-feira, 7 de agosto de 2018

A NECESSIDADE DA TEOLOGIA – Vincent Cheung

A teologia é necessária para tudo do pensamento e da vida. Uma vez que Deus é o princípio, o supremo e onipotente criador, Ele tem autoridade para dirigir todos os aspectos de nossas vidas e tem o poder de impor seus comandos e desejos. Portanto, quando Ele fala, devemos ouvir, crer, e nos submeter. A teologia cristã sistematiza sua revelação verbal, e é autorizada na medida em que reflete os ensinamentos da Bíblia. A necessidade da teologia é uma questão da necessidade de comunicação de Deus. Uma vez que este é o universo de Deus, a revelação divina é a fonte de informação e interpretação infalível e obrigatória a respeito de tudo do pensamento e da vida. Uma vez que Deus falou e, uma vez que é necessário ouvi-lo, crer nele, obedecê-lo e declará-lo, a teologia é necessária.

A teologia é central para tudo do pensamento e vida, porque lida com a revelação verbal que vem do ser supremo – a realidade essencial que dá existência e significado a todas as coisas. Para ilustrar, a ignorância das teorias musicais não tem relevância direta para a capacidade de alguma pessoa mexer com álgebra ou raciocinar sobre questões morais. É improvável que a falta de habilidades atléticas atrapalhe o desempenho de uma pessoa na cozinha. Mas a ignorância da revelação divina afeta tudo do pensamento e da vida, desde a visão de alguém em relação à história e à filosofia, até a interpretação da música e da literatura; até sua compreensão da matemática e da física.

Uma vez que este é o universo de Deus, apenas a sua interpretação sobre qualquer coisa está correta, e Ele revelou seus pensamentos nas palavras da Bíblia. Segue-se que uma ignorância da teologia significa que a interpretação de uma pessoa de cada objeto carecerá do fator definidor que a coloca na perspectiva correta. Quando se trata de ética, por exemplo, é impossível derivar ou estabelecer qualquer princípio moral universal sem um apelo a Deus. Até as próprias ideias de certo e errado permanecem indefinidas sem sua revelação verbal – Ele deve definir esses conceitos para nós, e apenas suas definições são autoritativas, relevantes e obrigatórias para todas as pessoas. E uma vez que a Bíblia é a única revelação objetiva e pública de Deus, a única maneira de apelar para a autoridade de Deus – a única maneira de construir uma teologia, filosofia ou apologética pública – é apelar para a Bíblia.

Há um valor intrínseco no conhecimento sobre Deus. Enquanto todos os outros tipos de conhecimento são um meio para um fim, o conhecimento sobre Deus é um fim digno em si mesmo – não conhecemos a Deus para saber ou fazer algo mais importante. Uma vez que a teologia é o estudo de Deus, ou a sistematização e articulação do conhecimento sobre Deus, em termos de seu valor, ela é autojustificada. De fato, o conhecimento de Deus é o fundamento para um conhecimento correto de todas as outras coisas, e é o fundamento para o propósito correto, a ação correta e assim por diante. Mas seu valor não depende do efeito que tem sobre essas outras coisas. Ela é importante e seu estudo é justificado apenas por causa do que ela é. Dizer que a teologia não é um fim em si mesma carrega a implicação blasfema de que Deus não é último. E visto que Deus se revelou através da Escritura, conhecer a Escritura é conhecê-lo, e isso significa estudar teologia.

Muitos cristãos têm sucumbido ao espírito anti-intelectual do mundo e, como resultado, eles fazem uma nítida distinção entre conhecer a Deus e conhecer sobre Deus. Se "conhecer sobre" Deus representa o estudo da teologia, então, para eles, uma pessoa pode conhecer muito sobre Deus, mas não conhecer a Deus; ou ela pode conhecer a Deus, mas não conhecer muito sobre Deus. O conhecimento teológico de uma pessoa é desproporcional ao quão bem ela conhece a Deus, e algumas pessoas parecem pensar que quanto mais se conhece sobre Deus, menos se conhece a Deus. Ou seja, o conhecer sobre Deus não é apenas distinto do conhecer a Deus, mas em alguns casos, e certamente quando é muito enfatizado, o conhecer sobre Deus pode até mesmo impedir uma pessoa de conhecer a Deus.

Isso é anti-intelectualismo. Outro nome para isso é insanidade. No entanto, em várias formas, ele é desenfreado entre aqueles que se chamam cristãos; e mesmo aqueles que afirmam se opor ao anti-intelectualismo são frequentemente infectados por esse modo de pensar. A suposição que envenena a teologia é a de que a piedade é pelo menos um pouco, se não inteiramente, não intelectual e não racional. Essa suposição é não bíblica, arbitrária, falsa e muito perigosa. Se é possível conhecer a Deus sem conhecer muito sobre Ele, então o que significa conhecer a Deus? Se conhecer a Deus significa ter algum tipo de comunhão com Ele (1 João 1: 3), então isso implica, pelo menos, reconhecimento – é preciso conhecer que Ele é, o que Ele é e como ter comunhão com Ele.
Uma pessoa que tem comunhão com Deus deve conhecer que existe um Deus, que Deus é uma Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – e não Alá, ou Buda, o gato do seu vizinho, ou a árvore no seu quintal. Deve conhecer as condições sob as quais ele deve se relacionar com esse Deus, e deve conhecer os meios e métodos que tornam possível essa comunhão com a Divindade. Tudo isso implica conhecer coisas – muitas, muitas coisas – sobre Deus. Comunhão também envolve comunicação, a qual requer a troca de pensamentos, e isso novamente implica conhecimento sobre muitas, muitas coisas e sobre muitas palavras e ideias. Uma pessoa não pode se comunicar com outra sem trocar informações na forma de proposições, ou de uma maneira em que a informação transmitida seja redutível a proposições.

Como uma pessoa conhece a Deus, se não através do conhecimento sobre Ele? Algumas pessoas podem responder que conhecemos a Deus através da experiência religiosa. Mas a experiência religiosa é definida e interpretada pela teologia ou conhecimento sobre Deus. O que é uma experiência religiosa? O que significa um sentimento particular, sensação ou até mesmo aparição ou encontro? É a experiência de Deus ou de Satanás? A Bíblia adverte que o diabo pode aparecer como um anjo de luz. As respostas a essas perguntas só podem vir estudando a revelação verbal de Deus. E mesmo que seja possível conhecer a Deus através da experiência religiosa, o que se obtém é ainda conhecimento sobre Deus, ou informação intelectual redutível a proposições.

Uma pessoa pode alegar conhecer a Deus através da oração e da adoração. Mas o que isso significa? Isso é apenas mais uma maneira de afirmar que conhecemos a Deus pela experiência religiosa? Sentimos algo ou passamos por um processo que nos permite conhecê-lo melhor? Mas, novamente, o que é esse "melhor", se não for um conhecimento mais completo sobre Deus? Se conhecer sobre Deus e conhecer a Deus pode ser claramente distinguido, então é preciso definir conhecer a Deus de uma maneira que evite qualquer sobreposição com conhecer sobre Deus. Nós já sabemos o que conhecer sobre Deus significa. Se conhecer a Deus permanece indefinido, então pode ser apenas uma maneira piedosa de dizer o mesmo que conhecer sobre Deus, e a distinção não acrescenta nada à nossa fé, exceto confusão e falsa espiritualidade.

Em todo caso, o objeto e a prática da oração e adoração permanecem indefinidos até que uma formulação teológica sobre elas seja estabelecida. Antes de uma pessoa poder orar e adorar adequadamente, ela deve primeiro determinar a quem oferece oração e adoração. Depois, ela deve determinar a maneira pela qual deve oferecer oração e adoração. Tudo isso significa que um estudo sistemático da Escritura é necessário, porque é a Escritura que informa e governa todos os aspectos das crenças e práticas cristãs. Portanto, o conhecimento de Deus vem de sua revelação verbal e não por meio de exercícios religiosos não verbais. A maioria das pessoas que resistem aos estudos teológicos não tem pensado nessas questões, mas praticam a oração e a adoração assumindo, muitas vezes sem entender e por engano, o objeto e a maneira dessas práticas espirituais.

Ainda outra pessoa pode dizer que conhecemos a Deus andando em amor. Mas, novamente, a ideia de amor permanece indefinida até que haja uma reflexão teológica sobre o assunto. Até mesmo a relação entre conhecer a Deus e andar em amor origina-se da Bíblia:

     Amados, amemos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor (1 João 4:7-8).

Sem passagens bíblicas como essa, uma pessoa não pode justificar a alegação de que conhecer a Deus é andar em amor, ou que andar em amor é conhecer a Deus. Além disso, João diz que nascemos de Deus e conhecemos Deus antes de nos amarmos uns aos outros, ou que nos amamos antes de nascermos de Deus e conhecermos a Deus? É claro que nascemos de Deus e que conhecemos Deus antes de nos amarmos uns aos outros. É precisamente porque nascemos de Deus que somos capazes de amar, e é porque conhecemos a Deus que percebemos o que o amor significa. Muitos daqueles que alegam conhecer a Deus através de andar em amor não estão fazendo nada além de serem gentis com os outros, e eles definem a gentileza de acordo com as normas não cristãs, e não de acordo com os princípios das Escrituras. Eles possuem apenas uma ilusão de conhecer a Deus.

Uma vez que uma pessoa tenta responder a essas perguntas sobre como alguém vem a conhecer a Deus, ela está fazendo teologia. A teologia é inevitável. O assunto então vem a ser se sua teologia é correta. Considerando que uma teologia errônea leva ao desastre espiritual, uma acurada leva à genuína adoração e vida piedosa.

Há um slogan que diz: "Dê-me Jesus, não exegese". A atitude anti-intelectual é evidente. Mas é a Bíblia que nos dá informações sobre Jesus, e é através da exegese bíblica que verificamos seu significado. Portanto, não podemos conhecer a Jesus sem exegese. Pode-se ilustrar essa afirmação questionando aqueles que afirmam esse slogan sobre o que eles conhecem sobre Jesus. Se sua versão de Jesus difere do relato bíblico, isso significa que, no final das contas, eles não o conhecem. Ainda menos podemos esperar que eles entendam outros tópicos importantes, tais como inspiração bíblica, eleição divina e governo da igreja. Mas se eles oferecerem um relato preciso de Jesus, como eles aprenderam isso se não da Bíblia? O que precisamos dizer é: "Dê-me Jesus através da exegese".

Um repúdio à teologia é também uma recusa em conhecer a Deus pela maneira que Ele prescreveu. Conhecer a Escritura – conhecer a Deus – pressupõe preeminência sobre tudo do pensamento e da vida humana. Teologia é o estudo sistemático e a expressão dos ensinamentos das Escrituras. Ela define e interpreta tudo o que uma pessoa pensa e faz. Ela está acima de todas as outras necessidades (Lucas 10:42); nenhuma outra tarefa ou disciplina aproxima-se dela em importância. Portanto, o estudo da teologia é a mais importante atividade humana.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Systematic Theology. ed. 2010. pp. 9-12.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 07/08/2018.

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domingo, 5 de agosto de 2018

A NATUREZA DA TEOLOGIA – Vincent Cheung


A palavra TEOLOGIA se refere ao estudo de Deus. Quando usado em um sentido mais amplo, pode incluir todas as outras doutrinas reveladas nas Escrituras. Deus é o ser supremo que criou e agora controla tudo o que existe, e a teologia procura compreender e articular de maneira sistemática a informação que nos foi revelada por Ele. Assim, a teologia está preocupada com a realidade última. Uma vez que é o estudo da realidade última, nada é mais importante. E porque é um estudo da realidade última, ela define e governa todas as outras áreas do pensamento e da vida. Portanto, assim como Deus é o ser ou realidade última, a reflexão teológica é a atividade humana última.

Este livro é uma apresentação de várias doutrinas bíblicas importantes que vêm sob o estudo da teologia sistemática.
Uma doutrina consiste em um conjunto de ideias ou proposições sobre um tópico, portanto, uma doutrina bíblica é o ensino bíblico sobre um assunto. Teologia refere-se ao estudo da Bíblia ou à formulação sistemática de doutrinas a partir da Bíblia. Uma doutrina bíblica é sempre obrigatória, e um sistema de teologia é autorizado na medida em que reflete os ensinamentos da Bíblia.

Muitos cristãos pensam que é errado estudar teologia para o seu próprio bem. Um espírito anti-intelectual se infiltrou de tal modo na igreja que eles se recusam a acreditar que a atividade intelectual possua valor intrínseco. Mas isso implica que, mesmo o conhecimento de Deus deve servir a um propósito maior, provavelmente prático ou ético.
Embora o conhecimento de Deus deva afetar a conduta de alguém, é um erro pensar que o empreendimento intelectual da teologia sirva a um propósito que é maior do que ele mesmo.
Pelo contrário, uma vez que estudar teologia é conhecer a Deus, e conhecer a Deus é o propósito mais elevado do homem, a teologia possui o mais alto valor intrínseco. Como Jeremias 9: 23-24 diz:

     Assim diz o Senhor: “Não se glorie o sábio em sua sabedoria nem o forte em sua força nem o rico em sua riqueza, mas quem se gloriar, glorie-se nisto: em compreender-me e conhecer-me, pois eu sou o Senhor e ajo com lealdade, com justiça e com retidão sobre a terra, pois é dessas coisas que me agrado”, declara o Senhor.

Não há propósito maior ao qual o conhecimento de Deus pretenda alcançar, e não há propósito maior para o homem, exceto conhecer a Deus. O conhecimento teológico pode produzir virtudes morais e outros efeitos na vida de uma pessoa, mas não devemos considerá-los como propósitos mais elevados do que o conhecimento de Deus e de sua revelação.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Systematic Theology. ed. 2010. pp. 4-5.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 05/08/2018.