sábado, 14 de julho de 2018

ARGUMENTANDO POR INTUIÇÃO – Vincent Cheung


❝[...] As Escrituras ensinam que todas pessoas têm um conhecimento inato de Deus, no sentido de que elas sabem sobre Deus, até mesmo alguns de seus atributos e mandamentos, por instinto ou por intuição, à parte da observação e da experiência.[47] Esse conhecimento reside na mente do homem porque Deus o colocou diretamente nele como uma criatura feita à imagem divina. Apologistas bíblicos às vezes mencionam isso; no entanto, isso é diferente de apelar para a intuição como base para o argumento.

     Nosso conhecimento inato de Deus não é estabelecido pela própria intuição, mas pela revelação. Não dizemos: “Temos um conhecimento intuitivo de Deus; portanto, nós de fato temos esse conhecimento, e esse conhecimento é verdadeiro”. Em vez disso, dizemos: “A revelação de Deus me diz que eu tenho um conhecimento intuitivo de Deus; portanto, tenho um conhecimento intuitivo de Deus ”. E dizemos: “A revelação de Deus me diz que meu conhecimento intuitivo de Deus é verdadeiro; portanto, meu conhecimento intuitivo de Deus é verdadeiro ”.

     Nós também acrescentamos: “A revelação de Deus me diz que nosso conhecimento intuitivo de Deus tem sido suprimido e distorcido pelo pecado; portanto, embora seja verdade que eu tenho um conhecimento intuitivo de Deus, e embora este conhecimento intuitivo de Deus seja verdadeiro, essa intuição não pode funcionar como uma fonte de minha teologia ou como justificativa para minhas premissas no raciocínio, porque não posso perceber e representar com precisão a informação contida nesta intuição. Pelo contrário, eu preciso da revelação de Deus para me dizer o que este conhecimento intuitivo contém e o que fazer com ele ”.

     Quando nos referimos ao nosso conhecimento intuitivo de Deus, estamos falando de uma afirmação feita pela revelação sobre a intuição. Não é uma afirmação feita pela intuição sobre a intuição, e não uma afirmação feita pela intuição sobre a revelação. Nós não tentamos provar a revelação de Deus pela nossa intuição; em vez disso, estamos afirmando o que a revelação de Deus nos diz que conhecemos pela intuição. Esse conhecimento foi suprimido e distorcido pelo pecado, mas sabemos até mesmo isso apenas pela revelação. Portanto, quando falamos sobre intuição e nosso conhecimento intuitivo de Deus, fazemos sobre uma base diferente daquela que refutamos e para um propósito diferente.

     Quando nos referimos ao que sabemos por intuição, não fazemos um apelo direto à intuição, mas apelamos ao que Deus nos diz que conhecemos por intuição. No contexto da teologia e da apologética, mencionamos isso como uma das razões pelas quais os pecadores não podem se desculpar. Eles conhecem a Deus por instinto, mas se recusam a reconhecê-lo ou adorá-lo, a crer no evangelho e a obedecer a seus mandamentos. Nós não começamos dizendo que todos conhecem a Deus por intuição, de modo que não há desculpa para a incredulidade; antes, começamos pela revelação e, depois, com base na revelação, dizemos que todos conhecem a Deus pela intuição e, portanto, não há desculpa para a incredulidade. ❞

NOTA DE RODAPÉ:

[47] Veja Vincent Cheung, Systematic Theology, Ultimate Questions e Pressupositional Confrontations.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. THE AUTHOR OF SIN - Arguing By Intuition. ed. 2014. pp. 53-54.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 13/07/2018.
 

sexta-feira, 13 de julho de 2018

BREVES RESPOSTAS À DIVERSAS CRÍTICAS – Vincent Cheung

– M –

          Eu ainda precisaria de uma refutação para aquele versículo, onde o Senhor nos disse que "quando vocês veem a figueira, vocês sabem que o verão está próximo".[20]

Se este crítico limitasse a aplicação deste verso ao contexto imediato da passagem, então ele não contribuiria em nada para o seu propósito. Assim, está implícito que ele deseja fazer uma inferência que remova o verso de seu contexto e que seja mais amplo do que o conteúdo do verso, a fim de derivar dele algum suporte para o empirismo.

No entanto, seria falacioso inferir deste verso uma epistemologia simplista "Eu vejo, portanto, sei". O verso não pode logicamente produzir esse princípio amplo. Além disso, tal inferência implicaria que é impossível cometer um erro. De modo que, quando vejo a água, sei que existe água e que não existe miragem. Isso implicaria que erros e alucinações nunca acontecem.

Como tenho mostrado em Confrontações Pressuposicionalistas, quando a Bíblia reconhece que alguém viu algo, não é o mesmo que afirmar a sensação em si como um meio para o conhecimento.

Por exemplo, se o apóstolo João escreve: "Pedro viu o Cristo ressuscitado", posso aceitar a declaração de João sobre o que Pedro viu sem aceitar a sensação em si como um meio para o conhecimento.
O objeto de minha crença é a declaração divinamente inspirada de João, não a sensação falível de Pedro. De fato, as sensações de Pedro podem estar erradas em todos os casos, menos neste, e eu sei que ele está certo desta vez somente porque João infalivelmente (por inspiração divina) diz isso.

Quando penso que estou olhando para um carro vermelho, é possível que eu realmente esteja olhando para um carro vermelho, mas também é possível que eu esteja sonhando, ou olhando para o céu azul. O problema é, como eu sei, neste caso, se estou realmente olhando para um carro vermelho?

Se Deus infalivelmente afirma que estou de fato olhando para um carro vermelho, então sei que, neste caso, o que penso ver, realmente corresponde à realidade física. No entanto, seria falacioso inferir disso: "Portanto, o conhecimento é derivado de sensações". Não, é a afirmação infalível de Deus (que estou olhando para um carro vermelho) que me dá o conhecimento (que estou olhando para um carro vermelho), e não o meu ato de olhar para o carro vermelho. Isto é, a sensação fornece a ocasião para a afirmação infalível de Deus - ela não fornece o conhecimento em si mesma.

Esse é o tipo de inferência inválida que esse crítico fez com a declaração de Jesus. Ou seja, a partir de uma afirmação infalível, mas estreita e particular sobre algo relacionado a ver, ele incorretamente infere que ver, em si mesmo, é um meio confiável de obter conhecimento.

Sua própria filosofia nega que as sensações sejam infalíveis. No entanto, se Jesus está amplamente endossando ou implicando a confiabilidade das sensações em vez de fazer um julgamento infalível, mas estreito e particular, sobre algo relacionado às sensações, então como pode a sua inferência a partir desse verso permitir erros nas sensações ou nas inferências a partir das sensações? A inferência não é apenas inválida, mas a conclusão é inconsistente com o que esse crítico acredita sobre as sensações.

Eu afirmo as palavras de Jesus no verso, e não as sensações dos homens. Por outro lado, com base nesse verso, esse crítico afirma diretamente as sensações dos homens, infere um apoio geral ao empirismo e o aplica a toda a humanidade. Esta é realmente uma demonstração espetacular de raciocínio falacioso.

Como então ele pode sustentar que as sensações são falíveis? Sobre qual base e por qual padrão ele afirma ou rejeita qualquer ocorrência de sensação, ou qualquer inferência a partir de sensação? Eu sei que, "quando vocês veem a figueira, vocês sabem que o verão está próximo", é verdadeiro apenas porque Jesus assim o diz. Aqueles homens poderiam estar errados sobre todas as outras ocasiões de sensações.

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NOTA DE RODAPÉ:

[20] Veja Mateus 24:32, Marcos 13:28 e Lucas 21:30.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Captive to Reason: 'Short Answers to Several Criticisms, - M - '. ed. 2009. pp. 24-25.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 12/07/2018

quinta-feira, 12 de julho de 2018

O ARGUMENTO ATEÍSTA A PARTIR DA EXISTÊNCIA[21] – Vincent Cheung

     A alegação sendo feita é que o teísta, ao afirmar a existência de Deus, demonstra automaticamente que ele aceita a prioridade da existência.

Os seguidores de Cornelius Van Til costumam afirmar como pressuposto a existência de Deus, ou a "Trindade Ontológica". Em contraste, eu não digo que meu Primeiro Princípio é a existência de Deus, mas que é toda a revelação verbal divina, que muitas vezes apenas chamamos de "a Bíblia". O Primeiro Princípio de Gordon Clark é: "A Bíblia é a Palavra de Deus".

Greg Bahnsen afirmou que, quando ele diz que seu ponto de partida é a existência de Deus, ou a "Trindade Ontológica", ele quer realmente dizer que o seu ponto de partida é toda a Bíblia. É claro que os significados desses termos não são nada parecidos, e é pedir demais que as pessoas entendam a "Trindade Ontológica" como "toda a Bíblia". Além disso, não estou certo de que essa afirmação seja comumente conhecida pelos seguidores de Van Til, e não parece ser consistentemente aparente em seu pensamento e prática.

É melhor sempre dizer que nosso Primeiro Princípio é a Bíblia, em vez da existência de Deus; isto é, é melhor evitar a implicação de que nosso Ponto de Partida é a simples existência de Deus. A diferença de linguagem entre Clark e Van Til nesse ponto é deliberada e também reflete uma diferença na clareza e na substância de seus pensamentos.

Começar a partir de toda a Bíblia, em vez da simples existência de Deus, evita muitos problemas e dificuldades. Se você começa com a simples existência de Deus, você não está começando com todas as proposições essenciais em sua cosmovisão bíblica, incluindo aquelas que são necessárias para afirmar a existência de Deus em primeiro lugar, tais como aquelas que têm a ver com epistemologia, linguística, e assim por diante.

Assim, a menos que você comece com uma cosmovisão completa, e então proceda por dedução, o sistema resultante sempre falhará. Por essa mesma razão, é inútil para os ateístas começarem com a "existência".[22]
Se eles começam com a existência pura, eles estão perdendo todo o resto, incluindo as coisas que eles precisam para afirmar essa primeira proposição.

Alguém me perguntou uma vez como responder se o não cristão afirmar usar a "lógica" como seu primeiro princípio. Pensar sobre essa pergunta nos ajudará com nosso tópico atual.

A lógica, ou para ser mais específico, a lei da não contradição, é de fato autojustificadora em um sentido – isto é, em um sentido próximo e subsidiário, e não um sentido último. Isso precisa de alguma explicação.

A lei da não contradição é autojustificadora, pelo menos no sentido de que ela é inegável; ou seja, você deve afirmá-la até mesmo para negá-la. Por causa disso, um não cristão pode considerar apropriado torná-la o ponto de partida de seu sistema.

Entretanto, a lei da não contradição não pode ser um primeiro princípio autônomo na cosmovisão de uma pessoa. Isso ocorre porque a lei em si não contém nenhuma informação, de modo que é impossível deduzir qualquer proposição dela. Como o conhecimento por dedução estrita não é mais uma opção, o não cristão deve afirmar axiomas adicionais, caso em que você deve criticá-lo, ou ele deve encontrar alguma maneira de fornecer informações para a lógica processar.

Por exemplo, se seus outros axiomas envolvem a intuição, então você pode atacar a intuição como base para o conhecimento. Esses outros axiomas também devem ser autojustificatórios, consistentes uns com os outros e suficientes para fornecer uma cosmovisão completa.[23] Caso contrário, o sistema falha desde o princípio.

Se somente a lei da não contradição é o seu primeiro princípio, e se ele não tem outros axiomas da intuição ou de alguma outra fonte, então ele deve fornecer o conteúdo para o seu primeiro princípio processar por indução, e isso provavelmente significa que ele deve afirmar alguma versão do empirismo. Junto com isso, ele também pode apelar para a ciência ou o método científico.

Nesse ponto, eu desafiaria o oponente a justificar racionalmente a indução, o empirismo e a ciência. Claro, ele vai dizer muitas coisas na tentativa de fazer isso, mas desde que a indução, o empirismo, e a ciência não podem ser racionalmente justificados, meu oponente não pode mais prosseguir. Eu não tenho que ouvir qualquer outra coisa que ele tenha a dizer, a menos que ele consiga passar por este ponto, mas ele nunca conseguirá passar por este ponto, isto é, a menos que eu o permita temporariamente por uma questão de argumento.

Por outro lado, alguém como Van Til aceitava a indução, o empirismo e a ciência, embora apenas que os considerasse ininteligíveis sem os pressupostos corretos. Isso é um erro porque a indução, o empirismo e a ciência são irracionais em si mesmos, e mesmo as pressuposições corretas não podem resgatar aquilo que é inerentemente errado.

Há outro ângulo a partir do qual podemos atacar um não cristão que reivindica a lei da não contradição como o primeiro princípio de sua cosmovisão. Ou seja, podemos apontar que qualquer proposição implica uma série de outras proposições – implica uma cosmovisão completa.

Ele poderia dizer: "A lógica é axiomática; é autojustificadora". Mas apenas para fazer essa afirmação é necessário uma teoria existente sobre epistemologia (lógica, verdade, conhecimento, etc.), metafísica,(ele deve ter uma teoria sobre a natureza da realidade para explicar o fato de que ele está falando etc.), de linguística ( já que ele está usando a linguagem) e várias outras coisas.

Isso significa que ele nunca pode descansar depois de reivindicar a "lógica" como seu axioma. A questão não é tão simples. Se você exigir dele, ele também deve apresentar sua visão sobre todos os assuntos relacionados que tornem possível sua afirmação desse axioma em primeiro lugar. Além disso, a sua visão sobre cada uma dessas áreas deve ser racionalmente defensável (você deve atacá-lo em cada uma delas) e coerente (por exemplo, sua visão da linguística não deve contradizer sua epistemologia). Nenhum não cristão pode satisfazer esses requisitos. Se você pressioná-lo, ele nunca será capaz de dizer apenas: a "lógica é meu axioma, meu ponto de partida".

Mesmo se reconhecermos que a lógica é autoevidente, isso de forma alguma ajuda o não cristão. A posição do cristão é completamente diferente e superior. Toda a Bíblia é seu Primeiro Princípio do qual ele deduz todas as informações necessárias para sua cosmovisão. A lógica é parte integrante das Escrituras desde o princípio, mas não é um axioma autônomo.

O acima exposto também se aplica quando um não cristão usa a "existência" como seu ponto de partida. Ele precisa muito mais do que apenas a ideia de "existência" em sua cosmovisão, a fim de afirmar a "existência".

A única estrutura noética defensável é a dedução de um Primeiro Princípio autojustificatório, e a única maneira de isso ser possível é se o Primeiro Princípio contém todas as informações necessárias para produzir uma cosmovisão completa. Se você não começar com toda a revelação que Deus nos deu, então o seu ponto de partida não terá as informações necessárias para você começar. Então, você terá que depender de sua sensação, sua intuição e raciocínio indutivo para suprir seu primeiro princípio com informações. Mas então, como você obteve este primeiro princípio? Se é por esses métodos (sensação, intuição, etc.), e se o seu primeiro princípio não os proveu a você, então como é que ele é primeiro? Além disso, se esses métodos falharem, e eles de fato falham, então, mesmo que você tenha permissão para reter seu estreito primeiro princípio, ainda assim é como se você não tivesse absolutamente nada.

Para revisar, em termos da estrutura de uma filosofia bíblica defensável, (não estamos falando sobre o que é metafisicamente anterior dentro da cosmovisão bíblica), Deus está no mesmo nível com tudo o mais no topo (que é o todo da revelação). Quer seja Deus, "existência", linguagem, epistemologia, etc., todos eles começam no topo com toda a revelação divina como o Primeiro Princípio. O argumento ateísta da existência parte da "existência", mas os ateístas não podem fazer isso a menos que também tenham tudo o que torna possível a afirmação da existência. Portanto, eles não conseguiram nada com esse argumento e ainda precisam obter uma cosmovisão completa.

NOTAS DE RODAPÉ:

[21] O que se segue é uma correspondência editada. O assunto é um "argumento da existência" usado por alguns ateístas. Minha resposta é uma aplicação do que escrevi em livros como Ultimate Questions e Apologetics in Conversation.

[22] A definição deles
de existência é circular, de modo que eles não podem sequer começar por aí, mas vamos ignorar isso por enquanto.

[23] Veja Vincent Cheung, Ultimate Questions.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Captive to Reason. ed. 2009. pp. 26-28.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 12/07/2018.

O ARGUMENTO TRANSCENDENTAL PARA O MATERIALISMO[24]

          Ele disse que vai usar o argumento transcendental para o materialismo. Ou seja, devo usar minha boca física para dizer "lógica". Eu devo usar meu corpo físico para estar no debate.

O argumento não provaria o materialismo, mesmo que fosse sólido, porque sua conclusão é menor do que o materialismo. O materialismo afirma que a matéria física é a realidade ou substância primária ou mesmo única, que não há mente ou espírito incorpóreos. O argumento não chega a essa conclusão e nem sequer menciona ou implica isso.

Tudo o que esse argumento faz é sugerir que há um mundo físico e que, quando falamos, o fazemos através de corpos físicos. É isso que o argumento alega, mas nem mesmo prova essa modesta conclusão. Ele não prova que haja um mundo físico. Ele implora a questão afirmando que devemos usar os corpos físicos para falar e estar presentes em um debate, uma vez que assume sem garantia que estamos em um mundo físico em vez de um mundo puramente mental. Ele não mostra que pensamos com cérebros físicos e apenas com cérebros físicos. Não oferece nada para contradizer minha posição que pensamos com nossas mentes incorpóreas e que os cérebros não "pensam" de forma alguma.

Na minha visão, que há um mundo físico não é uma conclusão derivada da sensação ou intuição, mas uma conclusão deduzida das Escrituras. Por "Escrituras", quero dizer a "Palavra de Deus", ou revelação verbal da mente de Deus. Isso significa que não estou falando principalmente do livro físico, como em papel e tinta, mas do conteúdo intelectual não físico representado pelo livro físico.

É claro que a Bíblia é a Palavra de Deus, mas estritamente falando, a Palavra de Deus não é física, e sim intelectual, já que estamos nos referindo a uma porção da mente de Deus que Ele nos revelou. Se você roubar minha Bíblia e cortá-la em um milhão de pedaços, você destruiria o livro físico, mas não destruiria a Palavra de Deus. É essa Palavra intelectual e indestrutível que é o Primeiro Princípio do meu pensamento.

O conteúdo intelectual da minha Cosmovisão, ou a Palavra de Deus, reside em Cristo, o Logos divino e, de acordo com a providência ordinária de Deus, é comunicado diretamente à minha mente por ocasião das sensações visuais que ocorrem quando leio a Bíblia, mas a parte das sensações visuais em si mesmas. As sensações proporcionam a ocasião para Deus agir em minha mente, mas em si mesmas não comunicam nenhuma informação.

Esta é uma forma de ocasionalismo. Não é inteiramente nova, mas se sobrepõe à teoria da iluminação de Agostinho, à "visão em Deus" de Malebranche e a várias formas da "doutrina do logos". No entanto, a minha não é idêntica à deles. É mais bíblica na medida em que é conscientemente colocada sobre um fundamento exegético, e evita as suposições não bíblicas em outras versões do ocasionalismo. Além disso, eu a aplico consistentemente a todos os aspectos da realidade. Mas, na verdade, não é nada além da implicação necessária da doutrina bíblica da providência de Deus sobre cada detalhe de sua criação.

Eu posso derrotar esse tipo de argumento, propondo que podemos estar tendo o debate em um mundo puramente mental, ou em um sonho. Como podemos saber o contrário? Desde que minha filosofia não depende de sensação ou indução, isso não me prejudica em nada. Posso usar os mesmos argumentos com o mesmo efeito, quer eu esteja ou não debatendo no mundo mental ou no mundo físico. No entanto, como meu oponente é empirista ou materialista, ele depende do mundo físico e de uma epistemologia física, de modo que ele precisa primeiro provar que estamos tendo o debate em um mundo físico.

NOTA DE RODAPÉ:

[24]  O que se segue é uma correspondência editada. É a minha resposta ao assim chamado o “argumento transcendental para o materialismo"

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Captive to Reason. ed. 2009. pp. 29-30

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 11/07/2018

quarta-feira, 11 de julho de 2018

OCASIONALISMO E EMPIRISMO[11] – Vincent Cheung

- A -

O que você acha de alguém (um materialista) que diz que o mesmo conceito pode estar localizado em duas localizações espaço-temporais? Isso acontece porque o cérebro é como um computador que copia o programa de outro computador. Assim, quando eu falo, as ondas sonoras entram nos seus ouvidos e o seu cérebro copia o conceito que eu tinha na cabeça.



Eu esperaria que um materialista dissesse isso - parece seguir visão dele da realidade. Eu posso desafiá-lo diretamente neste ponto, mas também posso exigir justificação para premissas que são logicamente anteriores a isso.

Por exemplo, eu não creio (1) que um "conceito" seja físico, nem (2) que os cérebros "pensem", de modo algum. Em vez disso, o pensamento ocorre na mente incorpórea e a mente continua a pensar quando se separa do corpo na morte. Agora, suponha que eu desafie o materialista em (2). Se ele assumir a confiabilidade da ciência e do empirismo em sua tentativa de provar que os cérebros pensam, então eu desafiarei a ciência e o empirismo. Minha própria posição sobre esse assunto de pensamentos e conceitos é uma versão do ocasionalismo, de modo que posso evitar todos os problemas que apresento contra o materialista.

Se o ponto de sua pergunta é sobre comunicação no esquema materialista, então é melhor desafiar imediatamente o empirismo. Se é possível que duas pessoas se comuniquem sob o esquema do materialismo, então, quando ocorre a comunicação, haveria duas cópias físicas do mesmo pensamento. No entanto, eu nego que a comunicação seja possível sob o materialismo, então o materialista precisará primeiro provar que a comunicação seja possível por uma epistemologia empírica - isto é, mesmo se ignorarmos por enquanto que o materialismo seja verdadeiro, que os pensamentos sejam físicos, e que o cérebro possa pensar.

Quanto ao ocasionalismo,
uso a expressão "na ocasião" para descrever as relações epistemológicas e metafísicas,  mais do que o termo "ocasionalismo". Muitos iniciantes leem meus livros e não teriam ideia do que o termo significa, então eu frequentemente expando a frase para usar a explicação ou o significado do termo em vez do próprio termo.

Minha posição é que a providência de Deus inclui o controle completo de tudo sobre tudo, o que significa que Ele deve ser o único poder que controla toda a comunicação e aquisição de conhecimento. Usando o cérebro como uma ilustração, se existe alguma relação entre o cérebro e o pensamento, isso significaria que, na ocasião em que Deus causa um pensamento na mente, Ele também causa atividade no cérebro; e na ocasião em que Ele causa atividade no cérebro, Ele também causa um pensamento na mente. O cérebro não tem uma relação necessária e consistente com o pensamento - o pensamento pode ser feito à parte dele. Na morte, Deus separa a mente de uma pessoa de seu corpo e, portanto, também de seu cérebro. Deus continua a causar pensamentos na mente da pessoa, mas naquelas ocasiões em que Ele faz isso, Ele não causa mais nenhuma atividade correspondente no cérebro que costumava estar associada à mente dessa pessoa.

Jonathan Edwards afirmou uma forma de ocasionalismo, e também Malebranche, bem como vários outros pensadores cristãos. Você pode ver Calvino, Lutero, etc., às vezes dizendo coisas que soam como ocasionalismo. Em todo caso, não é importante quem o afirma ou quem o rejeita. Ele é nada menos do que uma implicação necessária e uma aplicação consistente da doutrina bíblica da providência.

- B -

Por que você negaria a comunicação para eles? É porque, quando você se comunica, você está comunicando proposições e proposições não são materiais, de modo que a mesma proposição não pode estar em mais de uma localização espaço-temporal?


Essa seria a razão logicamente anterior - eu nego que as proposições sejam materiais.

Mas mesmo se ignorarmos os problemas anteriores, eles ainda precisam mostrar que podem se comunicar falando e ouvindo. Quer as proposições sejam materiais ou não, eles precisam me dar uma prova lógica mostrando que quando alguém ouve uma proposição falada, ele realmente ouve o que é falado. Ou seja, eles precisam de uma prova para o empirismo.

- C -

(1) Agora eles provavelmente diriam que sua resposta é autorefutadora, já que você teve que usar sua boca física para fazer a pergunta, e você assumiu que meus ouvidos a ouviriam. Neste ponto você negaria isso em favor do seu ocasionalismo, certo?

(2) Por outro lado, eu poderia dizer que dentro da minha cosmovisão, Deus fez nossas bocas para se comunicar e nossos ouvidos para receber informações, mas dentro da cosmovisão e pelo empirismo dele, como ele saberia que está realmente ouvindo o que é falado? Neste momento, ele provavelmente iria reafirmar a conclusão de que ele sabe disso porque ele respondeu à minha pergunta.



(1) Ocasionalismo é minha resposta positiva - descreveria minha compreensão do que acontece na comunicação. Mas não preciso o mencioná-la primeiro.

Em vez disso, posso primeiro salientar que o materialista argumenta em círculo, assumindo um mundo físico sem justificação. Eu posso ilustrar esse problema empurrando o debate para um mundo puramente mental. Isto é, posso sugerir que podemos estar tendo a conversa em um sonho ou em algum estado puramente mental. Como sabemos que não estamos? Faz-se questão de dizer que sabemos que estamos no mundo físico porque estamos usando órgãos físicos para falar e ouvir, porque podemos estar falando e ouvindo em um mundo puramente mental, caso em que não há órgãos físicos envolvidos. Como, por definição, o materialista precisa constantemente do mundo físico em sua filosofia, ele não pode prosseguir até que forneça a justificativa racional que eu demando.

Por outro lado, todos os meus princípios básicos estão intactos, e minha cosmovisão está imune e sem danos, já que na minha cosmovisão, o mundo físico é deduzido de um princípio não físico. Assim, posso negar que estou necessariamente usando minha boca física quando pergunto ou respondo qualquer coisa - o materialista terá que provar isso para mim.[12]

Então, quando sugiro que possamos estar tendo a conversa em um mundo puramente mental, isso desafia a suposição de que estamos necessariamente operando em um mundo físico. Se a filosofia do oponente não pode sobreviver em um mundo puramente mental, ou se ele não pode, pela argumentação racional, reintroduzir um mundo físico na conversa uma vez forçado a adentrar um mundo puramente mental, então ele perde o debate.

(2) Visto que você segue Van Til, eu suponho que você queira formular uma resposta que seja consistente com sua filosofia. Não posso ajudá-lo com isso, porque não o sigo e não acho que uma boa resposta possa surgir da filosofia dele. Isso porque, na melhor das hipóteses, ele adia a adoção do empirismo por um passo lógico, afirmando que as pressuposições bíblicas podem explicar a confiabilidade das sensações. Mas mostrei em outro lugar que as sensações não são inerentemente confiáveis, de modo que nada pode justificá-las ou explicá-las. Além disso, uma vez que a filosofia dele assume que as sensações são necessárias para acessar essas pressuposições bíblicas em primeiro lugar, de fato, ele abraça o empirismo dsde o princípio. Portanto, sua filosofia está fadada ao fracasso imediato e completo, não menos que a filosofia do materialista ou empirista.

Seu argumento faz uma inferência falsa da Bíblia. A Bíblia, de fato, ensina que Deus criou nossos corpos e órgãos; no entanto, só porque Deus fez a orelha, não significa que suas habilidades e propósitos sejam o que você pensa que são. A própria Escritura mostra que os olhos e ouvidos estão frequentemente equivocados, e as pessoas que supostamente veem e ouvem as mesmas coisas frequentemente chegam a conclusões diferentes, ou discordam sobre o que estão vendo e ouvindo (2 Reis 3: 20-22; João 12: 27-29).

Todos os problemas com o empirismo permanecem para você. Mesmo se você começar a partir de pressuposições bíblicas, não há como mostrar, em qualquer circunstância, se a sua sensação é correta. Mesmo se você começar a partir de pressuposições bíblicas, você ainda não poderá resgatar o que é inerentemente irracional e logicamente impossível.

Com o ocasionalismo, não há problema. Os ouvidos, na melhor das hipóteses, fornecem a ocasião na qual Deus se comunica diretamente com a minha mente - na ocasião da sensação, mas independente da sensação. Além disso, Ele é quem controla tudo sobre a ocasião e a comunicação.

É improvável que um materialista pense nisso e exponha-o. Como ele próprio é empirista, é improvável que ele te desafie sobre o empirismo. Portanto, a questão principal não é a dos vencedores de debates, mas a da verdade e honestidade.

- D -

(1) Como você sabe que não está sonhando?

(2) Seria falacioso para meu oponente argumentar que, uma vez que as sensações às vezes são equivocadas, que elas estejam sempre erradas. Ou, seria falacioso dizer que, se às vezes você não pode saber se suas sensações estão funcionando corretamente, portanto, você nunca pode saber se elas estão funcionando corretamente.


(1) Eu poderia estar sonhando, e isso não prejudicaria minha Cosmovisão, e todos os meus princípios básicos permaneceriam intactos. Esse é o ponto. Mas posso estar sonhando e ainda afirmar que existe um mundo físico, não porque confio em minhas sensações, mas porque a Bíblia revela isso para mim.

Por outro lado, minhas sensações sentem o mesmo para mim quando penso estar sonhando como quando penso que não estou sonhando; assim, por minhas sensações, não posso confirmar com segurança se estou ou não sonhando. Mesmo que minhas sensações sejam diferentes quando penso que estou sonhando como quando penso que não estou sonhando, como sei que estou realmente sonhando quando penso que estou sonhando; e que não estou sonhando quando penso que estou sonhando?  Talvez eu as tenha no sentido reverso, de modo que, quando me sinto de certa forma e penso que estou sonhando, devo realmente pensar que não estou sonhando quando me sinto assim, e vice-versa.

Mas desde que eu rejeito o empirismo, isso representa nenhum problema.

(2) A menos que você possa mostrar como você sabe, em determinada circunstância, se essa sensação particular é ou não confiável, então você não pode justificar um critério que lhe permita confiar em qualquer ocorrência de sensação.

Da mesma forma, seu oponente não precisa mostrar que suas sensações nunca estão funcionando corretamente. Contanto que você não possa mostrar infalivelmente se eles estão funcionando corretamente em cada ocorrência. Um reconhecimento geral de que elas podem funcionar corretamente é inútil, já que você ainda não sabe se elas estão funcionando corretamente em todas as ocorrências. Além disso, o que significa as sensações funcionarem "corretamente"? Se as sensações funcionarem corretamente implica sua confiabilidade na obtenção de conhecimento, então isso apenas argumenta em círculo.


- E -

Mas eles poderiam dizer que, uma vez que seus sonhos são falsos ( ou seja, um grande monstro te perseguindo ), como você sabe que está comunicando a verdade? Você provavelmente diria que negar sua cosmovisão, seja em um sonho ou não, resultaria em irracionalidade, e que as leis da lógica, a inferência necessária, etc., também permanecem nos sonhos.



Eu afirmo as coisas que acredito não pelo que "vejo", seja no mundo físico ou mental (ou num sonho), mas por causa da revelação divina e da necessidade lógica.

Seria conveniente que um empirista fizesse essa pergunta sobre sonhos. Seria, de fato, um desafio contra ele e não contra mim. A menos que ele possa responder a sua própria pergunta, isso significaria que não devemos confiar no que sentimos quer estejamos ou não em um sonho. Isso fornece ainda outra ilustração da impossibilidade de obter qualquer conhecimento pela sensação.

Em todo caso, o contraste real não é entre o estado de sonho e o estado de não sonho, mas entre um mundo puramente mental e um mundo físico. Eu me refiro a um sonho apenas para facilitar a visão de um mundo puramente mental.

Além disso, precisamos tratar sobre o que significa "real". Se um monstro me persegue em um mundo puramente mental, ou em um sonho, então isso é o que é "real" no mundo puramente mental ou no sonho. Isto é, é realmente verdade que um monstro está me perseguindo no sonho.

Por outro lado, a questão parece implicar que, se algo não acontece no mundo físico, então não é "real", mas isso é argumentar em círculo.


- F -

Eu diria que (1) Deus nos fez dessa forma e (2) é assim que normalmente agimos. (3) É preciso haver um ambiente adequado de modo que, se eu estivesse drogado, com pouca luz, privado de sono, etc., então eu não teria dificuldade em dizer que estava enganado sobre alguma observação trivial, mas as sensações são geralmente confiáveis.


(1) Sua posição é a mesma do materialista e do empirista. A diferença é que você recorre a Deus como uma "justa" defesa para sua epistemologia indefensável. Você precisa mostrar a partir das Escrituras que Deus nos fez "dessa forma". Não é suficiente mostrar apenas que Deus fez os olhos e os ouvidos, mas você deve mostrar que eles fazem o que você afirma que eles fazem, que você pode obter conhecimento através deles através da sensação - através de alguma função inerente a eles - e que você saberia, em qualquer ocorrência, porquê esse exemplo de sensação é confiável.

(2) É argumentar em círculos de dizer que normalmente agimos de uma certa forma, quando a forma como normalmente agimos é uma das coisas em discussão. Sua declaração pressupõe que o conhecimento normalmente vem por sensações, ou que as sensações são geralmente confiáveis. Mas isso é exatamente o ponto que nós discordamos.

Além disso, mesmo se normalmente agirmos de determinada forma, isso não prova que estamos corretos. Eu posso justamente dizer que estamos normalmente errados.

(3) Você terá que mostrar que a Escritura ensinam que as sensações são confiáveis ​​sob certas condições, e que não é confiável sob essas outras condições litadas por você. Já que você alega que as Escrituras são explicadas ​​pelas sensações, então você precisa mostrar como isso as explica.

Você não pode fazer sua afirmação sobre essas condições se você as "descobriu" por suas sensações em primeiro lugar, uma vez que isso levanta a questão. Isto é, como você sabe que as drogas afetam suas sensações? Você não pode alegar saber isto pela sensação se ainda tiver que estabelecer a confiabilidade da sensação. Como você sabe que a iluminação afeta a confiabilidade das sensações? Na verdade, como você sabe que a iluminação é boa ou ruim em uma sala? Talvez a iluminação seja boa (o que é boa?), mas você é que está ficando cego.

Além disso, mesmo que as Escrituras digam que as sensações são confiáveis ​​sob certas condições, e que elas não são confiáveis ​​sob outras, você ainda deve ter uma forma de descobrir em que tipo de condição você está atualmente. Se você usa sensações para descobrir em que condição está, a fim de determinar se suas sensações atuais são confiáveis, então é argumentar em círculos.

- G -

(1) A faca corta dos dois lados e você precisa mostrar a partir das Escrituras todas as coisas que você afirma e me contradizer com elas.

(2) Além disso, acho que você teria que negar algumas coisas do senso comum, de modo que você não saiba que "Vincent é um homem". Se você está disposto a morder essa isca, eu não sei.

(1) Sim, eu fiz isso em meus livros, mostrando em detalhes que minha posição está de acordo com as Escrituras. Por favor, leia-os.

Mas você dizer que "a faca corta dos dois lados" é admitir que ela corta do seu lado. Então, por sua própria declaração, você aceitou a obrigação de mostrar a partir das Escrituras que sua visão esteja correta.

(2) O "senso comum" é agora sua autoridade? O que aconteceu com as Escrituras? O que aconteceu com a razão? O que aconteceu, até mesmo,  com as sensações? Sou cético em relação ao senso comum e acho que a própria ideia é incoerente. De fato, o senso comum não é comum e não faz sentido. O que o senso comum determina não é o mesmo para todos, e o que às vezes é considerado senso comum é irracional e falso. Argumentar com base no senso comum revela o desespero.

Se eu sei que "Vincent é um homem", eu certamente não sei isso por minhas sensações[13] ou pelo senso comum,[14] mas pela iluminação do Logos, de acordo com minha explicação sobre o ocasionalismo. Afirmar uma crença na base do senso comum é "justamente" outra tática para se desculpar de uma falta de garantia racional para a crença.

Se você "sabe" alguma coisa, você sabe alguma coisa - apenas a opinião pode ser sustentada por graus de confiabilidade racional. Portanto, se eu não sei alguma coisa - se a proposição é formada em minha mente por algum processo falível e não pela inserção direta de Deus como algo que Ele considera verdadeiro e justificado - então eu não sei isso.

Portanto, eu nunca direi: "Pelo senso comum, sei que sou um homem, e essa proposição que extraí do senso comum é tão racionalmente confiável quanto as Escrituras, ou a revelação de Deus. Tanto o senso comum quanto as Escrituras me dão igual garantia racional e, portanto, creio tanto no senso comum quanto nas Escrituras. Meu próprio "senso" de realidade é tão bom quanto a revelação de Deus. As Escrituras não são mais confiáveis ​​e certas do que o "senso comum"."

Recuso-me a afirmar ou sugerir que o que posso descobrir à parte da revelação de Deus é tão bom quanto a revelação de Deus. Então me recuso a dizer que o "senso comum" é tão confiável quanto as Escrituras. Fazer tal afirmação seria irracional e irreverente. Você parece ansioso para "morder essa isca", não mostrando nenhuma distinção entre os dois, mas eu me recuso a fazer isso.

NOTAS DE RODAPÉ:

[11] Esta é uma correspondência editada com um devoto seguidor de Cornelius Van Til.

[12] Eu não nego que existe um mundo físico. Pelo contrário, estou dizendo que não preciso estar no mundo físico para funcionar.

[13] O que eu sinto ao ssber que "Vincent é um homem"? E como sei que isso é o que devo sentir?

[14] O "senso" que é "comum" me dirá "Vincent é um homem"?

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Captive to Reason. ed. 2009. pp. 11-17.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 10/07/2018

terça-feira, 10 de julho de 2018

EXCERTOS - Vincent Cheung

    
     "Deus é a única fonte de conhecimento, e Ele revelou algo de seu conhecimento na Bíblia. Assim, a Bíblia é o primeiro princípio da cosmovisão cristã.
A verdade que está disponível à nós consiste de proposições diretamente declaradas na Bíblia e de proposições que são validamente deduzidas delas ou que são endossadas por elas. Todas as outras proposições são, na melhor das hipóteses, opiniões injustificadas. Essa epistemologia bíblica segue necessariamente da metafísica bíblica. Qualquer outra epistemologia é indefensável e colapsa em ceticismo autocontraditório."
( CHEUNG, Vincent. Ultimate Questions, 'Epistemology'. ed. 2010. p. 20. )

MAS O QUE É CONHECIMENTO – Vincent Cheung

Eu nego que indução, sensação e ciência possam produzir qualquer conhecimento, e eu forneci justificação bíblica e racional para isso em meus escritos. Além das típicas respostas e evasões falaciosas, uma delas é perguntar: "Mas o que é conhecimento?" Isto é, se não podemos definir conhecimento, ou se não podemos justificar nossa definição de conhecimento, então pareceria sem sentido dizer que indução, sensação e ciência não podem produzir nenhum conhecimento.
Esse sofisma é apenas mais uma tática evasiva usada por aqueles que não conseguem responder meus argumentos.
A objeção erra o ponto. O ponto é que a indução, a sensação e a ciência envolvem processos falaciosos de raciocínio, de tal modo que nunca podem descobrir premissas verdadeiras, e nunca podem produzir conclusões logicamente válidas a partir das premissas. Ou seja, é impossível usar indução, sensação e ciência para raciocinar validamente das premissas X e Y até a conclusão Q em relação a qualquer assunto P.  Assim, minha disputa contra meus oponentes permanece mesmo se nunca definirmos ou sequer mencionarmos "conhecimento".
Assumindo a premissa "Eu vejo um carro vermelho", como é possível raciocinar validamente dessa premissa para "Há um carro vermelho"? Deve haver outra premissa para preencher a lacuna entre "Eu vejo" e "", mas como essa premissa deve ser racionalmente obtida e justificada, em vez de apenas assumida teimosamente? Esse é o ponto, e esse é o desafio que meus oponentes ainda não conseguem responder.
Tal como está, não existe uma diferença racional entre saltar de "Eu vejo um carro vermelho" para "Há um carro vermelho" e saltar de "Eu imagino um carro vermelho" ou "Eu desejo um carro vermelho" para "Há um carro vermelho". Qual é a diferença racional entre sensação, imaginação e expectativa?
Como é possível saltar de "Eu vejo" para "" e não poder saltar de "Eu imagino" ou "Eu desejo" para ""? Qual é a premissa adicional que faz a diferença? E como essa premissa é racionalmente obtida e justificada? A questão não é a definição de conhecimento, mas a validade do processo de raciocínio.
A objeção é sofística e irracional. Quer definamos ou não conhecimento e quer nossos oponentes definam ou não conhecimento, a objeção não faz nada para justificar a indução, a sensação e a ciência, mas tenta nos distrair do ponto principal, na esperança de esquecermos o fracasso deles em fazer qualquer progresso em estabelecer seu caso.
A objeção afirma que eu preciso definir "conhecimento" em uma proposição tal como "A ciência não pode produzir nenhum conhecimento". Mas eu me recuso a ser intimidado ou distraído por sofismas. Eu posso fazer o mesmo desafio contra meus oponentes sem usar a palavra "conhecimento". Eu os desafio a demonstrar como as sensações podem descobrir premissas verdadeiras. Eu os desafio a mostrar como a indução pode validamente chegar a conclusões que estão além da informação incluída nas premissas. Eu os desafio a demonstrar como a ciência pode chegar a qualquer conclusão sobre qualquer coisa com validade lógica. Desafio-os a me mostrar, mesmo uma conclusão, em toda a história humana, que foi alcançada pela sensação, indução e ciência com validade lógica.
Eu posso continuar a  pressionar meu desafio contra a indução, sensação e ciência sem usar a palavra "conhecimento". Por exemplo, eu digo que a ciência não pode validamente deduzir ou inferir qualquer coisa porque ela comete a falácia lógica de afirmar o consequente. Estou fazendo o mesmo ponto quando digo que a ciência não pode produzir nenhum conhecimento.
Embora eu possa definir conhecimento e usar a palavra para desafiar a questão, se eu fizesse isso neste contexto, meus oponentes provavelmente continuariam sua política de evasão e tentariam contestar minha definição. Mas eu me recuso a permitir que trapaceiros intelectuais me intimidem ou me distraiam. A questão real é como eles podem usar a indução, sensação e ciência para validamente raciocinar das premissas para a conclusão sobre qualquer coisa.
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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Captive to Reason. ed. 2009. pp.31-32.
Traduzido por:
Cristiano Lima, em 09/07/2018

EXCERTOS - Vincent Cheung

" Os raciocínios a partir da intuição, sensação, indução e método científico são todos inválidos, porque todos eles procedem em saltos lógicos, e nenhuma de suas conclusões é alcançada por necessidade lógica. "
CHEUNG, Vincent. Apologetics in Conversation. ed. 2011. p.55, § 2.

domingo, 8 de julho de 2018

EXCERTOS – Vincent Cheung

     "A Revelação bíblica é o único Primeiro Principio justificável do qual alguém pode deduzir informações sobre questões fundamentais tais como metafísica, epistemologia e ética. O conhecimento pertencente a categorias subsidiárias, tais como política e biologia, também se limita a proposições dedutíveis da revelação. Sem a revelação como ponto de partida, o conhecimento é impossível. Qualquer outro primeiro princípio falha em se justificar e, portanto, um sistema que depende dele não pode sequer começar."
Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Systematic Theology. ed. 2010.  p.26.
Traduzido por:
Cristiano Lima, em 08/07/2018

A INCOERÊNCIA DO EMPIRISMO – Vincent Cheung

Há um argumento afirmando que a proposição "Todo conhecimento vem de proposições bíblicas e de suas implicações necessárias"[25] [26] é incoerente porque ela própria não é uma proposição bíblica, e não pode ser deduzida a partir de proposições bíblicas. Portanto, se alguém aceita essa proposição, deve rejeitá-la.
     Contudo, é de fato possível deduzir esta proposição das Escrituras. A Bíblia ensina que Deus é infalível, que a Bíblia é sua revelação infalível, que Deus controla todas as coisas, que o homem é falível, que as sensações e intuições do homem são falíveis, etc., etc. – a proposição é prontamente deduzida dessas premissas.
     Assim, a única coisa que a objeção faz é nos mostrar que os críticos não têm a capacidade de realizar as mais simples e óbvias deduções.
     Por outro lado, pense no empirismo. Costuma-se supor que a sensação é uma maneira confiável de obter conhecimento, mas considere apenas alguns dos problemas ligados ao empirismo e à ciência:
          1. Se o empirismo é racional, então deveria ser possível demonstrar sua racionalidade por um processo válido de raciocínio. Qual é esse processo de raciocínio? E, ele é realmente válido?
          2. Se o empirismo usa necessariamente a indução, então como ele pode evitar os problemas lógicos que acompanham com a indução?
          3. Se o empirismo é o próprio fundamento da ciência, então como a ciência pode ser considerada eminentemente racional quando ainda eles precisam defender o empirismo?
          4. Então, o que dizer do fato de que o método científico, por sua própria natureza, comete a falácia de afirmar o consequente em todo experimento?
     Alguém que condene minha oposição ao empirismo deve mostrar como ele pode conhecer alguma coisa por sensação através de sua epistemologia parcial ou totalmente empírica.
     Ele não pode demonstrar isso pela "razão pura", já que a lógica por si mesma não contém nenhum conteúdo do qual ele possa derivar uma prova para o empirismo. E usar a intuição como base para a sensação exigiria uma prova para intuição como um caminho para o conhecimento, bem como um padrão comprovado para determinar qual ocorrência da intuição estaria correta.
     Alguns empiristas cristãos afirmam que as Escrituras fornecem as precondições para o empirismo, ou que fornecem as pressuposições que explicam ou justificam o empirismo. As Escrituras, de fato, fornecem as precondições para que entendamos que o empirismo é irracional e falso, mas não fornece uma justificativa racional para dizer que o empirismo é verdadeiro. Um apelo foi feito a Mateus 24:32, mas mostrei que ele não pode produzir uma epistemologia "vejo, portanto, sei". E Mateus 24:32 não é o único versículo da Bíblia. O que dizer de João 12: 28-29 e 2 Reis 3: 16-24?
     Se a Escritura mostra apenas um exemplo em que a sensação não é confiável, então pelo menos precisamos de um padrão ou método confiável pelo qual possamos dizer qual ocorrência da sensação é confiável. Qual é esse padrão ou método? E esse padrão ou método é realmente confiável? Se eles alegam que uma sensação verifica outra, então isso implora a questão, já que não sabemos qual é a certa, e talvez ambas estejam erradas.
     Não importa quantas passagens bíblicas eles distorçam e abusem para o seu propósito, enquanto houver ao menos um verso nas Escrituras que sugira a falibilidade da sensação, então voltamos à questão de um padrão ou método pelo qual podemos dizer qual ocorrência é confiável.
     Alguns dos que sustentam uma forma de "apologética pressuposicional" têm estado tão obcecados em argumentar contra a minha oposição ao empirismo, que é como se agora estivessem defendendo o empirismo, e de tal maneira que muitas vezes contradiz o que eles diriam quando argumentam contra a apologética clássica e evidencial. Ao atacarem uma oposição ao empirismo, eles justificaram o empirismo? Como eles fizeram isso? E se o empirismo faz parte de sua epistemologia, então eles devem primeiro justificar o empirismo antes de atacar uma oposição a ele; caso contrário, eles estão apenas argumentando em círculo enquanto estão no ar.
     Se eles alegam que uma pessoa deve confiar em suas sensações físicas para ler a Bíblia, e que as palavras da Bíblia são transmitidas à mente através das próprias sensações físicas, e se eles também admitem que as sensações são falíveis, então o fato da Bíblia ser infalível imediatamente se torna irrelevante para eles, uma vez que eles nunca podem ter uma Bíblia infalível na prática. Isso ocorre porque a Bíblia, na verdade, só será tão confiável para eles quanto suas sensações.
     Mesmo se eu permitir que eles acreditem que as sensações são geralmente confiáveis, ainda é irrelevante a menos que eles possam me mostrar o quão confiáveis ​​elas são, e ainda mais importante, como eles sabem em quais casos elas estão corretas. Se alguém não pode mostrar em que casos as sensações ou as inferências das sensações estão corretas, então elas nunca são confiáveis, pois não há como distinguir a verdade do erro.
     Alguns deles afirmam que a Bíblia ensina que Deus criou o homem de uma maneira que ele pode usar seus sentidos para obter algum conhecimento, mesmo que as sensações sejam falíveis. Há pelo menos dois problemas com isso:
          1. Eles afirmam que devem confiar em suas sensações para ler a Bíblia em primeiro lugar, então como eles podem confiar no que eles acham que leram da Bíblia sobre suas sensações sem primeiro provar a confiabilidade da sensação? Eles argumentam em círculo.
          2. A Bíblia fornece muitos exemplos mostrando que os sentidos são falíveis, que eles estão frequentemente enganados. Portanto, mesmo que nos esqueçamos do ponto anterior, ainda não há como eles saberem quais ocorrências de sensações são confiáveis ​​e, portanto, não fazem nenhum progresso.
     Assim, é a visão deles que é realmente incoerente, porque eles não podem saber que suas sensações são confiáveis ​​por suas sensações. Por outro lado, nós contornamos todas essas dificuldades quando começamos a partir da mente de Deus e não das sensações do homem.
     Às vezes eles exclamam que, se não dependemos de nossas sensações, não podemos saber nada. Mas essa queixa nada faz para provar o empirismo e, portanto, não faz nada para mostrar que ele é a saída do ceticismo. Em contraste, afirmamos que a revelação é a única e segura saída do ceticismo. Nós, não consideramos a Bíblia como nada, mas começar com ela, é construir sobre uma base de ampla sabedoria e conhecimento.
NOTAS DE RODAPÉ:
[25] Isso é considerado um princípio do "Escrituralismo". O termo refere-se à filosofia de Gordon Clark. Embora seja frequentemente aplicado à minha filosofia, não aceito o termo. O primeiro princípio da
filosofia de Clark é, na verdade, não que todo conhecimento vem da Bíblia, mas que a Bíblia é a Palavra de Deus.
[26] Eu sou consistente nos contextos em que faço essa afirmação ou em uma afirmação como essa, embora nem sempre indique os contextos. Ou seja, os contextos sempre se relacionam a uma filosofia pública, como em debates, ao escrever um sistema de teologia ou filosofia, e assim por diante. Quando se trata de articular uma visão bíblica de filosofia ou apologética, especialmente quando se trata de epistemologia, estamos preocupados com a descoberta e justificação de proposições verdadeiras, bem como a refutação de todas as proposições opostas. Isso é feito principalmente em um ambiente público, isto é, público no sentido de algo apresentado ou projetado fora da mente, como em uma conversa ou publicação. Por exemplo, afirmo que a fé Cristã é verdadeira. Como eu respondo quando esta reivindicação é contestada? Como articulo uma filosofia coerente, abrangente e justificada em que essa afirmação seja verdadeira?Como mostro que estou certo e como mostro que o não cristão está errado? Essa é a questão, e quando essa é a questão, afirmei que realmente não há justificativa para o conhecimento exceto na revelação divina, que em nosso contexto é representada pela Bíblia. Em conexão com isso, eu frequentemente uso a palavra "revelação" em vez de "a Bíblia" para sugerir que o conhecimento é de fato derivado de algo que poderia ser maior que a Bíblia. Informações que Deus nos mostrará no céu, que ainda não estão na Bíblia, seriam conhecimento que derivamos da revelação não bíblica. Eu nunca afirmei que a Bíblia contém todo o conhecimento disponível que existe para os homens em todos os contextos e para sempre. Mais uma vez, poderemos certamente receber conhecimento que não está registrado na Bíblia quando estivermos no céu.
Embora todo conhecimento que recebermos no céu esteja em perfeito acordo com a revelação que já temos, teremos acesso a mais conhecimento, conhecimento que não está na Bíblia. Eu não sou tão estúpido a ponto de negar isso, e meus críticos não deveriam ser tão estúpidos a ponto de pensar que eu nego isso.
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Extraído de:
CHEUNG, Vincent.  Captive to Reason. ed. 2009. pp.34-36.
Traduzido por:
Cristiano Lima, em 08/07/18

O EMPIRISMO E 1 JOÃO 1:1-3 – Vincent Cheung

     O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam – isto proclamamos a respeito da Palavra da vida. A vida se manifestou; nós a vimos e dela testemunhamos, e proclamamos a vocês a vida eterna, que estava com o Pai e nos foi manifestada. Nós lhes proclamamos o que vimos e ouvimos para que vocês também tenham comunhão conosco. Nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo (1 João 1.1-3).
Nosso texto é frequentemente citado em debates sobre epistemologia, ou como se obtém conhecimento, para apoiar o empirismo, isto é, a ideia que as sensações são basicamente confiáveis e que o conhecimento é obtido ou derivado das nossas sensações. Se o conteúdo e a veracidade do evangelho dependem do testemunho ocular dos apóstolos, a negação da confiabilidade das sensações é também uma negação da confiabilidade da pregação apostólica, e assim, uma negação da confiabilidade das Escrituras.
O argumento é um tiro pela culatra. A Bíblia contém muitos exemplos demonstrando que os sentidos são falíveis e não confiáveis. Eliseu tirou proveito disso e, pelo poder de Deus, venceu uma batalha contra os moabitas (2 Reis 3.22-23). Então, na ocasião em que Deus falou dos céus respondendo à oração de Jesus, alguns da multidão pensaram que havia trovejado, enquanto outros, que se tratara de um anjo (João 12.28-29). A reivindicação da própria Bíblia é que ela é verdadeira porque o próprio Deus soprou as palavras ― ela é produto de inspiração divina. Quando é dito que um testemunho ocular registrado na Bíblia é verdadeiro, entende-se que ele é verdadeiro não porque se trata de um testemunho ocular, mas porque o Espírito Santo atesta que essa sensação ou testemunho em particular é verdadeiro.
Assim, alegar que a própria Bíblia depende da confiabilidade das sensações porque se refere ao testemunho ocular é comprometer a inspiração, sendo de fato uma negação da inspiração. O assunto é sério. Esses que promovem e apoiam um argumento como esse estão pecando sobre o Espírito Santo. Que eles deixem de debater epistemologia, e demonstrem arrependimento com grande temor e lamentação sincera.
Esta é uma resposta ampla a qualquer argumento que apela aos registros de sensação na Bíblia para apoiar a confiabilidade das sensações. Mas quando alguém apela ao nosso texto para afirmar um argumento como esse, a implicação é ainda mais alarmante.
Considere a interpretação que o empirista precisa dar à passagem para que um apelo a ela seja relevante à sua posição. Com base neste texto, seria irrelevante ele meramente afirmar que ocorrem sensações, ou que João viu algo, tocou em algo, sentiu algo. Antes, para que um apelo à passagem seja relevante à sua posição, o empirista precisa afirmar com base no texto que a visão de João tem algo a ver com ele saber o que viu, e que o toque de João tem algo a ver com ele saber no que tocou. O que João viu? No que João tocou? A Palavra da Vida, que a Bíblia e todos os cristãos afirmam ser Deus, ser divino.
O problema é que Deus sempre insistiu que ele é invisível e sem forma (Deuteronômio 4.12,15; 1 Timóteo 1.16-17). Portanto, afirmar que uma pessoa pode ver o corpo de Jesus e por esta visão detectar ou inferir que Jesus é a Palavra da Vida, mesmo “o que era desde o princípio” (v. 1), equivale a negar a espiritualidade e a transcendência de Deus. E negar a espiritualidade e a transcendência de Deus é não só rejeitar toda a religião da Bíblia, como também deixar a própria encarnação sem sentido (se a Palavra era realmente não espiritual e não transcendente, como ela poderia ser uma encarnação para possuir um corpo?), que é justamente o que João tenta defender em sua carta.
Portanto, um apelo à passagem para apoiar o empirismo é ao mesmo tempo um repúdio à religião cristã e um repúdio à confissão que a pessoa faz de Deus e do Senhor Jesus Cristo. O apelo sugere algo muito sinistro na pessoa. É uma blasfêmia e um suicídio espiritual. Se o argumento for levado a sério, devemos concluir que a pessoa não é cristã. Praticando a paciência de Cristo, devemos aceitar que uma pessoa assim é, quem sabe, apenas estúpida e descuidada, e não tem consciência de sua blasfêmia. Acima de tudo, sendo competente em sua forma de pensar, ela não apoiaria o empirismo.
Para o empirista, para a pessoa que afirma que as sensações são confiáveis e que delas pode vir conhecimento, nós pedimos encarecidamente: “Por favor, se você precisa manter essa filosofia falsa e absurda, se você precisa enganar a si mesmo e a outros, pelo menos não blasfeme da essência divina e não negue a natureza de Deus e a deidade de Cristo, para que você não pereça no fogo do inferno junto dos réprobos”. Se mesmo depois que as implicações tenham sido explicadas ele insiste que o texto endossa a confiabilidade das sensações, ele deveria ser julgado perante a igreja e excomungado.
A verdadeira interpretação da passagem é simples e óbvia a partir de sua linguagem. Se por ver e tocar você não pode nem mesmo dizer se sou um funileiro ou um pregador, como pode dizer pelos seus sentidos que um homem é a Palavra da Vida encarnada, o Eterno? João não diz que por ver e tocar em Jesus, ele aprendeu que Jesus era a Palavra, mas que o que ele viu e tocou era a Palavra. Ele está dizendo ao leitor o que foi que ele viu e tocou, e não que o que ele viu e tocou ele aprendeu pela sua visão e toque.
Suponha que eu diga: “O homem que acabei de cumprimentar na igreja é o Governador”. Com isto eu não estaria sugerindo que, por cumprimentá-lo, poderia dizer que ele é o Governador. Eu estaria apenas dizendo a você quem eu cumprimentei, que o Governador estava na igreja, que eu estava próximo dele e que tive um contato direto com ele. Da mesma forma, João não diz que por ver e tocar no corpo da sua encarnação, ele deduziu que Jesus era a Palavra, mas que por acaso o que ele viu e tocou era a Palavra, o próprio Deus. Ao chamar a atenção a isso ele pretende defender a encarnação, que realmente aconteceu: “todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne procede de Deus; mas todo espírito que não confessa Jesus não procede de Deus” (1 João 4.2-3). Ele faz isso sem negar a natureza de Deus e sem fazer de si mesmo um tolo completo.
A Palavra, Jesus Cristo, que é Deus, veio em carne para salvar o seu povo, para que crendo nele, tenhamos comunhão com ele e com seu Pai. Ter fé nele é mais do que reconhecer o seu nome como mero som ou símbolo; é compreender e afirmar a natureza de sua pessoa e sua obra. É necessário confessar a sua deidade, a sua essência espiritual e transcendente. Ele era Deus em carne e osso, e porque era Deus, a pessoa não pode dizer que ele era Deus por sensações associadas à sua carne. Por esta razão, o apelo do empirista ao nosso texto implica uma rejeição completa da fé cristã. Em vez de vencer o debate na epistemologia, ele perdeu a confissão de fé que é necessária para a salvação.
Tradução: Marcelo Herberts
Via: Monergismo