quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

A INCOMPREENSIBILIDADE DE DEUS — Vincent Cheung

Tendo determinado que Deus é cognoscível, a próxima questão diz respeito ao quanto podemos saber sobre Ele. Visto que Deus revelou tudo o que há na Bíblia, e uma vez que pelo menos em princípio, é possível entender toda a Bíblia e todas as suas implicações lógicas, isso representa o mínimo do que podemos saber sobre Deus nesta vida. Se acrescentarmos a isso o fato de que aprenderemos infinitamente mais e mais sobre Deus depois desta vida, a extensão do conhecimento de Deus, possível para nós é, para dizer o mínimo, considerável. De fato, uma vez que é improvável que alguém aprenderá toda a Bíblia e todas as suas implicações em sua vida, se não por outro motivo que a duração da vida humana é curta, estamos justamente desconfiados daqueles teólogos que parecem tão obcecados com a vida impondo limitações ao conhecimento de Deus sobre o resto de nós.

A Bíblia, de fato, ensina a INCOMPREENSIBILIDADE de Deus, mas não no sentido afirmado pela maioria dos teólogos. O Salmo 145: 3 diz que "ninguém pode sondar" sua grandeza, e o apóstolo Paulo escreve em Romanos 11:33: "Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e inescrutáveis os seus caminhos!" É digno de nota que a declaração de Paulo é feita depois de ele ter respondido clara e definitivamente todas as questões que ele levantou sobre Deus, o homem e o plano de salvação até aquele ponto da carta aos Romanos. Deus é incompreensível apenas no sentido de que há sempre mais para saber, e não no de que nada possamos saber sobre Ele. Ainda mais ridícula é a visão usual de que não podemos nem mesmo conhecer ou entender o que Ele revelou claramente na Bíblia.

Deus é infinito e nós somos finitos; portanto, nunca podemos saber tudo sobre Deus. Mas só porque não podemos saber tudo sobre Deus, não significa que não possamos saber nada sobre e Ele e conhecê-lo de maneira acurada e definida. Em nosso contexto, "compreender" significa ter um entendimento exaustivo, de modo que não resta mais nada a saber. Nesse sentido, é impossível para seres finitos compreenderem um ser infinito. Não importa o quanto de Deus venham a conhecer, sempre haverá mais sobre Ele para saber. 

Uma vez que Deus é infinito, é possível fazer um número infinito de proposições verdadeiras sobre Ele. Por outro lado, somos finitos e podemos processar apenas um número limitado de proposições a qualquer momento. Portanto, seria impossível para nós conhecer um número infinito de proposições, uma vez que sempre haverá mais para conhecer. Essa limitação permanecerá mesmo após a ressurreição dos crentes. Embora nossas capacidades intelectuais sejam amplamente aprimoradas, permaneceremos finitos e, portanto, Deus permanecerá inesgotável para nós.

Dito isto, permanece que podemos saber muito sobre Deus. Podemos conhecer e entender tudo o que a Bíblia afirma e implica sobre Ele. Jeremias 9:24 diz que uma pessoa pode conhecer e entender o próprio caráter de Deus, que Ele é alguem "que exerce bondade, justiça e retidão sobre a terra". A doutrina da incompreensibilidade de Deus não anula a possibilidade de conhecimento verdadeiro e abundante sobre Ele por seres humanos finitos. Em vez disso, quanto mais pensamos em sua incompreensibilidade, mais nos lembramos da abundância de informações que Ele já nos revelou na Bíblia, e até mesmo essa fonte de informação não será esgotada nesta vida. Assim, embora reconheçamos a incompreensibilidade de Deus como um corolário de sua grandeza e imensidão, ela não é algo que imponha qualquer limitação real sobre nós. Há certamente uma diferença ontológica entre uma biblioteca com muitos livros para ler durante a vida de uma pessoa e uma biblioteca com um número infinito de livros, mas não há diferença prática. Dizer que a biblioteca é misteriosa ou que não podemos entender nenhum dos livros da biblioteca porque ela tem um número infinito de livros, portanto, é simplesmente errado e estúpido.

E quanto ao argumento de que cada livro da biblioteca é muito profundo para ser entendido? Isso representa a visão de que não apenas a revelação é tão extensa que não há como fazer contato com tudo isso, mas não podemos sequer entender com o que temos contato. A resposta simples é que os teólogos não têm o direito de falar por nós. Se eles insistem que são burros demais para entender qualquer parte da Bíblia, então esse problema é deles, mas a menos que haja uma base bíblica – uma base bíblica que eles possam entender?  – eles não podem impor essa limitação ao resto da humanidade.

Uma vez que a própria Bíblia não ensina a visão de que todas as suas doutrinas ou proposições são muito profundas para a compreensão da mente finita, é apenas uma invenção humana para exibir a falsa humildade ou para se excusar de afirmar o que está claramente escrito. E uma vez que isso representa a doutrina tradicional da incompreensibilidade de Deus, devemos denunciá-la como uma doutrina falsa e condenável. Ela desonra a Deus e engana o seu povo. Em vez disso, dizemos que Deus fala conosco na Bíblia e fala de uma maneira que podemos entender. Se tivéssemos o tempo, a diligência e a graça, em princípio poderíamos aprender tudo isso. Essa é a única visão que honra a Deus e a Escritura, que libera o povo de Deus para desfrutá-lo e adorá-lo, e deixa claro que o mundo inteiro é obrigado a acreditar e obedecer ao livro – todo ele.

Precisamos derrubar qualquer teólogo que apele à incompreensibilidade de Deus a fim de negar a cognocibilidade de Deus. Embora não possamos possuir um conhecimento exaustivo sobre Ele, podemos de fato possuir conhecimento verdadeiro – um monte de conhecimento verdadeiro – sobre Ele. Tudo o que Deus nos revela nas palavras da Bíblia é verdadeiro, e temos conhecimento verdadeiro sobre Deus na medida em que conhecemos e entendemos essas palavras.

Posso saber o nome ou a idade de uma pessoa sem saber mais nada sobre ela, mas isso não significa que meu conhecimento limitado sobre ela seja falso. É verdade que quanto mais eu sei sobre uma pessoa, melhor eu vou entender o que eu já sei sobre ela; no entanto, o que eu já sei sobre ela é, no entanto, verdadeiro. Ao obter informações adicionais sobre uma pessoa, eu adquiro um contexto mais rico para entender as origens e implicações do que já sei, como seu nome ou idade, mas meu conhecimento sobre seu nome ou idade era verdadeiro mesmo antes de obter as informações adicionais. Da mesma forma, embora não tenhamos conhecimento exaustivo sobre Deus, o que sabemos sobre Ele da Bíblia é, todavia, confiável, preciso e completo até onde vai.

Os cristãos que não compreendem certas doutrinas bíblicas às vezes desistem chamando-as de "mistérios", mas a cognoscibilidade de Deus nos adverte contra isso. Essa tendência de rotular
doutrinas bíblicas como mistérios expõem um defeito na mentalidade deles. Muitas vezes, decorre de um mal-entendido da natureza da revelação, ou mesmo de uma atitude indolente ou rebelde em relação à Escritura. Talvez a pessoa realmente compreenda a doutrina, mas ela se recuse a aceitá-la. Uma vez que ela não pode negar a base bíblica da doutrina, ela a chama de um mistério para que ela não tenha que afirmá-la.

Por exemplo, muitas pessoas consideram a doutrina da eleição divina um mistério. No entanto, desde que a Bíblia ensina a doutrina e nos diz o que pensar sobre ela, não devemos chamá-la de um mistério, mas sim uma doutrina simples que todos os cristãos devem afirmar. Uma doutrina como a eleição divina que foi revelada e explicada não é um mistério.[29] Uma vez que Deus revelou uma grande quantidade de informações sobre o assunto, é um ensinamento claro que exige aceitação universal. Uma pessoa que fecha seus olhos para a Bíblia e insiste em chamar a doutrina de, um mistério, está em flagrante desafio contra a revelação divina. Não é que ela não a entenda, mas que ela não quer aceitá-la, mas ela é muito desonesta para admitir isso e tem muito medo de dizer a Deus em seu rosto.

Recusar-se a entender ou aceitar qualquer coisa que a Bíblia ensina é insultar o Deus que nos deu o inestimável dom da revelação. A obsessão com a incompreensibilidade de Deus não é um sinal de reverência por Ele, mas de incredulidade e desobediência. Essa tendência não deve ser equiparada à piedade e não deve ser encorajada entre os crentes, mas deve ser rejeitada, repreendida e destruída.[30]

NOTAS DE RODAPÉ:

[29] Um "mistério" na Bíblia não se refere a algo que o homem não pode entender. Pelo contrário, é algo que não foi totalmente dito ao homem antes, mas que agora é mais plenamente dito e explicado (veja Romanos 16: 25-26, 1 Coríntios 15: 51-54, Efésios 3: 4-6, Colossenses 1: 25-27, 2: 2-3). Assim, a palavra tem a ver com a cronologia da revelação de Deus, em vez da limitação intelectual do homem. De fato, quando a Bíblia chama algo de "mistério", é um sinal claro de que fomos informados sobre isso e que podemos entendê-lo.

[30] Veja Vincent Cheung, "A Incompreensibilidade de Deus".

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Systematic Theology. ed. 2010.

Traduzido por:
Cristiano Lima

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

A COGNOCIBILIDADE DE DEUS — Vincent Cheung

Os atributos divinos são as características de Deus, a soma das quais constitui a definição de quem Ele é. A COGNOCIBILIDADE de Deus é a primeira questão. Uma vez que Deus é infinitamente maior que os seres humanos, surge a questão de saber se podemos entendê-lo. Nós respondemos que porque Deus fez o homem de acordo com a imagem divina, então não importa a diferença entre Deus e o homem, há um ponto de contato entre eles de modo que a comunicação é possível. O fato de Deus ter escolhido falar-nos através da Bíblia significa que a linguagem humana é suficiente e, portanto, é possível obter informações confiáveis ​​e detalhadas sobre Deus a partir de sua revelação verbal.

É refutar a si mesmo argumentar que o homem não pode conhecer a Deus devido à diferença entre os dois, porque a declaração em si supõe um conhecimento considerável sobre Deus. Uma pessoa que diz que Deus é incognoscível está afirmando uma porção de informação sobre a própria essência de Deus. Mas se Deus é de fato incognoscível, então ninguém pode saber que Ele é incognoscível. O fato de termos a ideia de Deus em nossas mentes e de podermos debater a questão demonstra que Deus deve ser cognoscível. É igualmente autorrefutável dizer que a linguagem humana é insuficiente para comunicar informações sobre as coisas de Deus, porque a própria declaração comunica uma porção de informação sobre as coisas de Deus.
Esta porção de informação é que as coisas de Deus são tais que a linguagem humana não pode descrevê-las ou se referir adequadamente a elas. Mas, uma vez que este pedaço de informação em si descreve e se refere à própria essência das coisas de Deus, ele se autorrefuta.

A linguagem é sempre adequada. Para ilustrar, podemos usar "X" para designar qualquer ideia ou combinação de ideias, e isso sempre será adequado, uma vez que as palavras são apenas símbolos arbitrários que podem se referir a qualquer coisa. A questão é se os seres humanos têm a capacidade de pensar sobre Deus, e não se as palavras são adequadas para falar sobre Ele. E Deus fez os seres humanos à sua própria imagem, eles podem realmente pensar em Deus, falar sobre Deus e entender a Deus.

A Bíblia ensina que Deus se revelou através das palavras da Escritura. Nada mais é necessário para resolver o problema. Ela estabelece que Deus é cognoscível e que a linguagem humana é suficiente. Deus é capaz de nos falar sobre si mesmo e somos capazes de entender o que Ele nos diz.

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Extraído de:

CHEUNG, Vincent. Systematic Theology. ed. 2010.

Traduzido por:
Cristiano Lima