quinta-feira, 16 de agosto de 2018

A CLAREZA DA ESCRITURA – Vincent Cheung

Os cristãos devem evitar dois extremos em relação à clareza da Escritura. Alega-se que a Escritura é totalmente obscura para a pessoa comum, de modo que apenas um grupo de profissionais da elite pode interpretá-la. A outra visão alega que a Escritura é tão simples que nada nela é difícil de entender, e que nenhum treinamento em hermenêutica é necessário para manusear o texto.  Por extensão, a exposição de um teólogo experiente não é mais confiável do que a opinião de uma pessoa inexperiente.

A posição anterior isola a Escritura da população em geral e impede que alguém desafie as interpretações dos profissionais. Mas a outra posição também é perigosa. A Bíblia não é tão simples que toda pessoa possa interpretá-la com igual facilidade e precisão. Referindo-se aos escritos de Paulo, o apóstolo Pedro diz: "Suas cartas contêm algumas coisas que são difíceis de entender". Ele adverte que "pessoas ignorantes e instáveis ​​torcem" as palavras de Paulo, "como fazem com as outras Escrituras, para sua própria destruição" (2 Pedro 3:16). 

Muitas pessoas gostariam de pensar em si mesmas como competentes em assuntos importantes, tais como teologia e hermenêutica, mas em vez de orar por sabedoria e estudar a Escritura, elas apenas assumem que são tão capazes quanto os teólogos ou seus próprios pastores. Esse modo de pensar resulta em confusão e desastre. Qualquer um pode ser ensinado a entender melhor a Bíblia. Não é necessário ser treinado por professores e seminários. É até possível ser autodidata, aprender com os livros, ou até como diz Paulo, ser ensinado por Deus. De um jeito ou de outro, uma pessoa deve ser ensinada e treinada. A educação, diligência, reverência e o dom divino de alguém contribuem para sua capacidade de interpretar e aplicar a Bíblia.

Há aqueles que consideram uma educação no seminário como o único treinamento adequado. Certamente, muitos deles são estudantes de seminário e graduados, e essa afirmação eleva sua espécie a uma forma de sacerdócio exclusivo. Mas é puro lixo e não há razão para que alguém a aceite. Na verdade, o próprio fato de que eles adotam essa invenção humana mostra que a educação no seminário é inadequada e que eles permanecem grosseiramente incompetentes e não espirituais. O Espírito Santo não está morto, e não há nada na Bíblia que exija que Ele ensine seu povo através de seminários, ou mesmo através de igrejas. Qualquer um que afirme o sacerdócio de todos os crentes, que somente Cristo é o mediador entre Deus e o homem, deve também concordar que é possível alguém pegar a Bíblia e ser guiado à verdade por Deus sem nenhum mestre humano.
Só porque a igreja é uma instituição ordenada por Deus não significa que ela seja outro mediador entre Deus e o homem junto com Jesus Cristo. Ela faz o que Deus diz que ela faz e não mais. No entanto, permanece o ponto de que, não importa como isso aconteça, uma pessoa deve receber um ensino confiável sobre as doutrinas e a interpretação da Escritura.
Qualquer um que afirme uma interpretação deve ser capaz de fornecer uma explicação sóbria, reverente e lógica para ela.

Isso não é para minar o lugar dos pregadores e teólogos, mas para manter seu papel como servos de Cristo, e não como uma elite de crentes.
De fato, embora muitas passagens da Bíblia sejam fáceis de entender, algumas delas requerem diligência e sabedoria extra para interpretar. É possível para uma pessoa ler a Escritura e obter dela suficiente compreensão e conhecimento para a salvação, embora às vezes alguém precise da ajuda de um crente fiel:

     Então Filipe correu para a carruagem, ouviu o homem lendo o profeta Isaías e lhe perguntou: "O senhor entende o que está lendo? "
Ele respondeu: "Como posso entender se alguém não me explicar? " Assim, convidou Filipe para subir e sentar-se ao seu lado. (Atos 8: 30-31)

Também é possível aprender os princípios básicos da fé cristã lendo a Bíblia sem ajuda humana. Mas algumas passagens podem ser difíceis de entender. Nesses casos, uma pessoa pode pedir a assistência de pregadores e teólogos para explicar as passagens, mas devemos insistir que eles nunca são necessários em qualquer caso particular, uma vez que somente Cristo é o verdadeiro professor e mediador.

Neemias 8:8 afirma o lugar do ministério de pregação: "Leram o Livro da Lei de Deus, interpretando-o e explicando-o, a fim de que o povo entendesse o que estava sendo lido." A autoridade final repousa nas declarações da Escritura e não nas interpretações dos estudiosos. A Bíblia nunca está errada, embora nossa compreensão e inferências dela às vezes possam ser inválidas.[13] Por essa razão, toda igreja deve treinar seus membros em teologia, hermenêutica e lógica, para que possam manusear melhor a palavra da verdade.

Portanto, embora a doutrina da clareza da Escritura conceda a toda pessoa o direito de ler e interpretar a Bíblia, ela não elimina a necessidade de mestres na igreja, mas sim afirma sua importância. Paulo escreve que Deus estabeleceu o ofício ministerial de mestre e que Ele nomeou pessoas para cumprir a função (1 Coríntios 12:28). Mas Tiago adverte que muitos não devem estar ansiosos para assumir esse ofício:

     "Meus irmãos, não sejam muitos de vocês mestres, pois vocês sabem que nós, os que ensinamos, seremos julgados com maior rigor." .(Tiago 3: 1).

Em outro lugar, Paulo escreve:
"Não pense de si mesmo mais do que deveria, mas pense de  si mesmo com um julgamento sóbrio." (Romanos 12: 3). O ofício é uma responsabilidade séria. É perigoso reivindicá-lo por orgulho ou ambição. Quanto àqueles a quem Deus escolheu e dotou para serem ministros da doutrina, eles são capazes de lidar com as passagens mais difíceis na Escritura, e podem extrair insights valiosos que podem confundir a outros. Efésios 4:7-13 refere-se a esse ofício como um dos dons de Cristo para sua igreja e, portanto, os cristãos devem valorizar e respeitar aqueles que estão em tal ministério.

Esta geração despreza a autoridade. As pessoas odeiam ser instruídas sobre o que fazer ou o que acreditar, embora pensem dessa forma em parte porque elas têm sido instruidas a assim fazer. A maioria das pessoas não respeita nem mesmo a autoridade de Deus ou da Escritura, muito menos a autoridade da igreja e de seus ministros. Consideram sua opinião tão boa quanto a dos apóstolos, ou pelo menos a dos pregadores e dos teólogos. Sua religião é democrática, não autoritária. Mas a Bíblia ordena aos cristãos que obedeçam a seus líderes:

     Obedeçam aos seus líderes e submetam-se à autoridade deles. Eles cuidam de vocês como quem deve prestar contas. Obedeçam-lhes, para que o trabalho deles seja uma alegria e não um peso, pois isso não seria proveitoso para vocês. (Hebreus 13:17)

Todo cristão tem o direito de ler a Bíblia e seguir diretamente a Deus, com Cristo como seu único mediador. Mas isso não deve se traduzir em desafio ilegítimo[14] contra o ensino aprendido dos estudiosos ou a autoridade dos líderes da igreja.

NOTAS DE RODAPÉ:

[13] No entanto, isso não transforma a interpretação em uma questão de mera opinião, já que a validade das inferências das Escrituras é uma questão objetiva - isto é, a lógica é objetiva - de modo que todas as interpretações podem ser provadas ou refutadas com uma definição objetiva.

[14] Visto que não há diferença entre obedecer a Deus e obedecer às Escrituras, e visto que a Escritura é o nosso contato direto com a vontade revelada de Deus, o objeto imediato de nossa lealdade é a Bíblia (Atos 17:11), pela qual podemos testar os ensinamentos e práticas daqueles com instrução e autoridade na igreja. Sendo assim, ensinamentos e práticas que negam as doutrinas bíblicas constituem base suficiente para se desafiar a autoridade humana. "Devemos obedecer a Deus antes que aos homens!" (Atos 5:29)

_________________
Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Systematic Theology. ed. 2010. pp. 27-29.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 15/08/2018.

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