domingo, 24 de junho de 2018

COMUNHÃO COM O PAI E COM O FILHO – Vincent Cheung

     "O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam — isto proclamamos a respeito da Palavra da vida.
A vida se manifestou; nós a vimos e dela testemunhamos, e proclamamos a vocês a vida eterna, que estava com o Pai e nos foi manifestada. Nós lhes proclamamos o que vimos e ouvimos para que vocês também tenham comunhão conosco. Nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo. Escrevemos estas coisas para que a nossa alegria seja completa. (1 João 1: 1-4)

Essa passagem é usada às vezes para apoiar uma epistemologia empírica. Embora eu tenha refutado isso em outro lugar, um lembrete é útil, já que esse erro implica um ataque à própria natureza da divindade, a fim de preservar uma falsa posição filosófica.

A natureza de Deus, ou a própria divindade, é espiritual, invisível, sem forma, e não sujeita à descoberta pelos sentidos físicos. Deus é diferente dos ídolos pagãos. Ele pode, de fato, produzir uma manifestação evidente de seu Poder e Presença. No entanto, João não se refere ao conhecimento de uma manifestação, mas ao conhecimento do que foi manifestado. Os Evangelhos nos ensinam que os discípulos reconheceram quem Jesus era, não pelo testemunho do homem ou pela carne e sangue, mas pela revelação do Pai. Da mesma forma, quando chegamos à fé, é por causa do testemunho do Pai em nossos espíritos que Jesus é o Cristo, nosso salvador e nosso sacrifício.

Alegar que esse texto apóia o Empirismo; que o conhecimento pode vir da sensação, é dizer que os discípulos reconheceram quem Jesus era, até mesmo a Palavra divina era, vendo, ouvindo e tocando; que a própria divindade foi diretamente descoberta ou necessariamente inferida dos aspectos sensíveis (ou das sensações dos aspectos sensíveis) de Jesus, a saber, seu corpo humano. Isso constitui uma negação da natureza de Deus como espiritual, invisível e sem forma; e por implicação é uma blasfêmia. Em vez de vencer um argumento para o Empirismo, a pessoa que usa essa passagem põe em perigo sua própria alma.

Uma vez que a implicação teológica tenha ficado clara para ele, se ele se recusar com completo terror a retratar-se por sua ofensa, a igreja deve colocá-lo em julgamento como um herege, para que sua falsa doutrina não infecte o restante do povo. Não devemos representar a essência da divindade como algo que pode ser examinado e tratado como um ídolo. Essa negação da natureza espiritual e transcendente de Deus resulta na destruição de toda a teologia sadia, incluindo as doutrinas da encarnação e da expiação e, portanto, da própria salvação. Ironicamente, aqueles que rejeitam o Empirismo em favor da revelação de Deus e sua ação direta na mente para transmitir compreensão, são aqueles que são frequentemente considerados como falsos mestres.

A passagem não é sobre epistemologia, mas sobre Jesus Cristo. João está nos dizendo o que foi que ele viu, ouviu e tocou. Ele não quer dizer que descobriu o que viu e ouviu e tocou, vendo, ouvindo e tocando. Ele viu, ouviu e tocou o corpo de Cristo, e descobriu – de modo algum ao ver, ouvir e tocar – que esse corpo pertencia à Palavra ou ao Filho de Deus. Jesus Cristo, que nos apareceu como homem e que de fato possuía uma verdadeira natureza humana, era a Encarnação da divindade.

Então foi a Palavra que se manifestou e o que se manifestou foi a Palavra. Devemos enfatizar ambos os lados disso, ou o que temos não seria a doutrina da Encarnação. Se dissermos que Jesus era um homem genuíno, mas apenas um homem, então Ele não era a Encarnação de nada. Se dissermos que Jesus era Deus, mas que Ele não se manifestou em um corpo humano verdadeiro, então, novamente, não houve Encarnação. E se não houvesse Encarnação, não haveria substituição e nenhum sacrifício pelos nossos pecados. Mas desde que Jesus era de fato a divindade, e desde que Ele realmente veio a nós e viveu entre nós como um homem verdadeiro, e desde que Ele morreu pelos nossos pecados e foi ressuscitado dentre os mortos, e desde então Ele continua a viver como este mesmo Jesus, temos Nele vida e esperança.

João deseja enfatizar a Encarnação muito provavelmente porque seus leitores estão encontrando falsos mestres que de alguma forma negam ou distorcem a doutrina. Ele escreve:

     "Filhinhos, esta é a última hora; e, assim como vocês ouviram que o anticristo está vindo, já agora muitos anticristos têm surgido. Por isso sabemos que esta é a última hora. Eles saíram do nosso meio, mas na realidade não eram dos nossos, pois, se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; o fato de terem saído mostra que nenhum deles era dos nossos. ... Quem é o mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é o anticristo: aquele que nega o Pai e o Filho”. (2:18-19, 22).

Assim, ele está se referindo não apenas a um ensino geral ou a um perigo potencial, mas a uma situação existente. E isso envolve a ameaça de uma falsa doutrina que nega a Encarnação:

     "Amados, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo. Nisto conhecereis o Espírito de Deus: Todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo o espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que já agora está no mundo”. (4:1-3).

Os apóstolos testificaram e deixaram um registro permanente a respeito de Jesus Cristo, sobre quem Ele era, o que Ele fez, o que aconteceu com Ele e também onde Ele está e o que está fazendo agora. Muitas vezes pensa-se que nós, que não somos apóstolos, estamos em desvantagem, mas isso não é a visão de Cristo; em vez disso, Ele disse que abençoados são aqueles que nunca viram, e no entanto creem. Ele não considera aqueles que não o viram em desvantagem, porque em primeiro lugar, a verdade e a fé nunca foram dependentes das sensações físicas. Mesmo os apóstolos não creram por causa de suas sensações, mas por causa do testemunho do Pai pelo Espírito Santo. Este é o mesmo Espírito que recebemos em Cristo. Portanto, nossa fé é essencialmente a mesma que a fé dos apóstolos. A base da nossa confiança é idêntica à deles.

O que é esse testemunho? O que é isso que os apóstolos proclamaram? É a mensagem de que Jesus Cristo é a Palavra, o Filho de Deus, que esteve com Deus desde o princípio, mesmo antes da criação do mundo. Foi Ele quem se manifestou como homem e viveu por algum tempo na terra. Esta é a doutrina da Encarnação, e ela incorpora tanto a divindade quanto a humanidade de Cristo. Nele está a vida eterna. É necessário compreender toda essa mensagem e tudo o que a Encarnação significa, porque João continuará dizendo que alguns a negaram e, por causa disso, não podem ter comunhão conosco.

Ter comunhão não significa ter interação social; em vez disso, se houver alguma interação social significativa, deve ser porque existe comunhão. E onde há comunhão, permanece mesmo quando não há socialização. A comunhão refere-se à parceria ou a algo em comum. No contexto bíblico, isso denotaria um profundo vínculo e unidade por causa da fé em Jesus Cristo. Em Jesus Cristo, estamos unidos ao Pai e ao Filho e também uns aos outros.

É prejudicial reduzir a comunhão à socialização, porque então é perdida a ideia da verdadeira comunhão. E então a salvação também é perdida, porque esta comunhão está inseparavelmente ligada à vida eterna em Cristo, e isso está, por sua vez, ligado ao testemunho dos apóstolos. Um churrasco na igreja não é comunhão, mas onde essa é uma fé comum, há comunhão, mesmo que nunca haja um churrasco na igreja. Comunhão é o vínculo que temos com a Divindade e uns com os outros quando afirmamos as doutrinas relativas à natureza, vida e obra de Jesus Cristo.

Traduzido de http://www.vincentcheung.com/2011/06/21/fellowship-with-father-and-son/ por Cristiano Lima

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