domingo, 22 de julho de 2018

JESUS E A RAZÃO – Vincent Cheung

     No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e era Deus ... a verdadeira luz, que ilumina todos os homens. (João 1: 1, 9)

A palavra grega traduzida como "Palavra" em João 1:1 é Logos. Tem havido algum debate sobre o que João tem em mente quando ele se refere a Deus, o Filho, com este termo.

Alguns dos gregos consideravam o Logos como o princípio racional do universo. O qual fornecia a estrutura que mantinha tudo unido e regulava o funcionamento de toda a realidade. Foi esse mesmo princípio que instilou a razão no homem e proporcionou-lhe a capacidade de pensar, distinguir e fazer deduções.

A questão é se João tem esse Logos grego em mente quando ele aplica o termo ao Filho de Deus. Alguns estão preocupados que, se isso for admitido, então pareceria que João está tomando emprestado um conceito grego. Outros sugerem que João não poderia ter em mente o Logos grego, pois há grandes diferenças entre o Logos do evangelho de João e o Logos do pensamento grego. Para os gregos, o Logos não era uma entidade pessoal, e eles teriam rejeitado a ideia de que o Logos poderia assumir uma natureza humana e caminhar entre nós. Ambas as objeções são inadequadas e inconclusivas.

Mesmo que João tenha mente o Logos grego ao escrever, isso não significa que seu Logos seja uma adaptação do pensamento grego, mas poderia ser uma resposta ele. Para ilustrar, eu poderia pegar a ideia chinesa de "o Rei do Céu" e usar isso como meu ponto de partida para falar sobre o Deus cristão. Se isso é aconselhável ou não, é uma questão à parte, mas é possível, desde que eu note as diferenças e adicione as coisas que estão faltando ao longo do caminho. Eu não estaria tomando emprestada a ideia de Deus dos chineses, mas usando minha compreensão existente de Deus para corrigir a concepção deles.  E assim, que os gregos não conceberam um Logos pessoal que pudesse se fazer carne não tem relevância para a questão. João poderia estar afirmando que Deus, o Filho, é a realidade da qual o Logos deles é apenas um turvo reflexo, e junto com isso ele introduz a ideia de que o Logos é, de fato, pessoal e veio até mesmo em carne e osso.

Uma alternativa proposta é que João não tem em mente o Logos Grego, mas a "Palavra" ou"Sabedoria" do Antigo Testamento e literatura judaica. Esta "Sabedoria" é dito estar com Deus desde o princípio, e é dito ser um agente na criação de todas as coisas. Assim, parece haver mais semelhanças entre esta e o Logos do Evangelho de João. No entanto, não devemos exagerar a implicação dessa observação. O fato de que a "Palavra" no evangelho de João possa ter mais semelhanças com a "Sabedoria" judaica do que com o "Logos" grego,
não é uma indicação necessária de que João deve ter em mente a Sabedoria judaica e não o Logos grego, ou a Sabedoria Judaica, com a exclusão do Logos grego.  Permanece que é possível que João tenha o Logos grego em mente, ou que ele tenha tanto a Sabedoria judaica e o Logos grego, ou que ele não tivesse nenhum deles em mente.

A questão é de importância secundária, uma vez que o que este Evangelho e o resto do Novo Testamento diz sobre Jesus Cristo mantém um significado completo e inflexível, independentemente de qualquer contexto judaico ou grego na mente de João. No entanto, o debate chama a nossa atenção para a questão de quem ou o que Jesus era em relação à criação, ao funcionamento do universo, e à natureza racional do homem. O Logos ordena e controla o universo? É o Logos que capacita ao homem pensar e raciocinar? Podemos entender a natureza do Logos apenas a partir dos ensinamentos do Novo Testamento.

Por princípio racional do universo, queremos dizer, a inteligência que determina a estrutura da criação, e o poder que regula seu funcionamento. Nos referimos à Sabedoria que concebe o desígnio e a natureza de todos os demais objetos na criação, e o Poder
que mantém as relações entre esses objetos. Nós encontramos que Cristo satisfaz essa descrição. Paulo escreve:
     "pois nele foram criadas todas as coisas ...; todas as coisas foram criadas por ele e para ele. ... e nele tudo subsiste. Nele estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento." (Colossenses 1: 16-17, 2: 3). Então, lemos em Hebreus 1: 3: O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa.[4] E voltando ao Evangelho de João: "Nele estava a vida, e esta era a luz dos homens ... a verdadeira luz, que ilumina todos os homens "(1: 4, 9).[5]

Assim, com algumas palavras, é dito que Cristo cumpre toda a concepção do Logos grego, e até mesmo o excede, no sentido que Ele é uma pessoa.  Se o Logos é a Razão, então Cristo é a Razão personificada. E a Palavra que se fez carne era a Razão encarnada. Novamente, a Escritura diz que toda a sabedoria e conhecimento estão Nele, e diz que todas as coisas foram criadas por Ele e que Ele é quem sustenta a criação. Observe que ela não diz apenas que Ele criou e agora sustenta o universo, mas que Ele é caracterizado por "sabedoria e conhecimento".
Portanto, quer o chamemos de Razão, Sabedoria ou Conhecimento, Cristo é a Mente ou Inteligência divina que criou e agora sustenta o universo. Ele cumpre e excede o Logos grego, e Ele é o que é, independentemente do Logos grego, ou se temos algum contato com o pensamento grego. É inteiramente legítimo chamá-lo de Mente, Inteligência ou Razão.

Então, João tem em mente o Logos Grego? Isso não importa. Mas Deus o Filho, é o princípio racional do universo? Sim, Ele é. Isso faz de Jesus Cristo a encarnação da Inteligência suprema, da Sabedoria e da Razão. Portanto, os discípulos de Cristo são racionalistas no sentido mais elevado da palavra. Os cristãos são os discípulos da Razão. Sua revelação é nosso primeiro princípio, e nosso conhecimento vem de deduções válidas dela. Embora Ele satisfaça a ideia da Razão, e embora as Escrituras afirmem que Ele é a Mente que criou e agora sustenta o universo, alguns se recusam a reconhecer isso por medo de parecer que estamos apelando ou concordando com o pensamento grego. Mas isso é cuspir em Cristo a despeito dos gregos. Não importa o que os gregos pensavam. E à parte do Antigo Testamento, não importa o que os judeus pensavam.[6] O Novo Testamento ensina que Jesus Cristo é a Razão, Mente, Sabedoria e Inteligência.

A razão, então, é a maneira como Deus pensa. Isso se reflete na ordem e no desígnio do universo e na capacidade do homem de se envolver no pensamento lógico. Assim, quando "razão" é usada em um sentido que é vazio de conteúdo, isso equivale às leis puras da lógica. Ou seja, razão sem conteúdo refere-se à lógica. Quando o conteúdo é incluído, ela se refere à mente de Deus, parte da qual nos foi revelada através da Escritura. Ou seja, razão com conteúdo se refere à Verdade. E fomos capacitados a pensar como Ele pela regeneração e iluminação do Espírito. Como cristãos, podemos pensar de acordo com a Lógica – a estrutura do pensamento de Deus. E com a lógica, podemos entender, processar e aplicar a Verdade - o conteúdo do pensamento de Deus.

Vamos considerar algumas das implicações.

Uma vez que Jesus é a Razão, devemos exaltar a Razão ao lugar mais alto. É um testemunho do sucesso do engano de Satanás que os cristãos têm um medo quase supersticioso da razão. Parte disso se deve a definições desnecessárias e imprecisas. Um uso da palavra pressupõe uma exclusão da religião ou revelação. Mas como você pode ver pela maneira como definimos a razão acima, a rejeição da religião ou da revelação é um acréscimo desnecessário à ideia básica de razão. Outro uso da palavra refere-se à capacidade humana de pensar ou descobrir. Mas tal significado carrega consigo uma enorme bagagem que foi contrabandeada sem garantia, e não por necessidade lógica ou linguística. Se a razão necessariamente estivesse associada ao pensamento antibíblico, então é claro que deveríamos ser cautelosos quanto isso. Mas nossa discussão deveria ter eliminado todas as dúvidas de que a razão nos pertence e, se houver alguma reserva remanescente, deveríamos aprender a superá-la. Eu poderia usar a palavra "sabedoria" e me referir à mesma coisa. A palavra é suficiente. Por exemplo, eu poderia dizer que Jesus é a Sabedoria e que, portanto, devemos servir a Deus de uma maneira que siga e aplique a sabedoria. Por essa declaração, eu intencionaria aproximadamente a mesma coisa se eu usasse a palavra "mente" ou "sabedoria" ou "inteligência". Mas eu escolheria usar a palavra "razão" mesmo quando eu não precisasse, porque os cristãos têm uma tal desconfiança, e espero que esfregando isso em seus rostos, eu os ajudarei a superar isso. Ela é uma boa palavra, e não deve ser sequestrada pelos incrédulos de um modo um que eles possam se regozijar com ela.

A discussão típica sobre a relação entre fé e razão é equivocada. Dado o que dissemos acima, devemos rejeitar propostas como a fé contra a razão, ou a fé com a razão, ou a fé além da razão. Nessas propostas, a versão carregada da razão é referida, isto é, aquela que está inseparavelmente ligada à capacidade do homem de pensar à parte da revelação. Mas devemos rejeitar esse significado carregado e, em vez disso, usar a palavra de maneira consistente com nossa própria cosmovisão, que equivaleria fé com razão. De fato, qualquer coisa que não torne a fé e a razão idênticas deve ser falsa.  A única concepção legítima sobre a relação entre fé e razão é que fé é razão.

Você diz: "A razão é limitada". Mas a razão de Deus não é limitada. Pare de usar a si mesmo como o ponto de referência para tudo no universo, e você expandirá grandemente seu horizonte mental e o escopo de sua percepção intelectual. Para mim, não faria sentido dizer que Deus está além da razão, uma vez que para mim isso significaria que Deus está além de si mesmo, ou além de sua própria capacidade de pensar. Minha visão da razão deixa a capacidade do homem para trás, porque é uma bagagem que não tenho obrigação de aceitar em relação ao uso dessa palavra ou ideia. Se Deus pode raciocinar, e se Deus é a Razão, então a palavra não precisa ser reduzida à capacidade do homem de pensar.

Outra implicação é que devemos servir a Deus com o nosso pensamento, com o máximo cuidado e diligência no uso da razão. Considere o que isso significa para nossa teologia, pregação, educação e assim por diante. Poderíamos passar muitas horas discutindo essas implicações positivas da afinidade do cristão com a Razão; no entanto, já que devemos mencionar algumas outras implicações, eu deixarei que você passe mais tempo pensando em como o uso adequado da razão deveria promover a saúde e a solidez da fé Cristã.

Quando Deus criou o homem, ele soprou vida nele e deu a ele um espírito racional. Depois que o homem se rebelou contra Deus, a corrupção do pecado infligiu danos severos à sua mente, incluindo seu desejo e sua capacidade de pensar de acordo com a razão, com a lógica e com a verdade. Isso explica por que os não cristãos são muito estúpidos. Qualquer não cristão de qualquer período, qualquer lugar e qualquer persuasão, pode ser facilmente derrotado por um uso adequado da razão. Não existe uma visão não cristã sobre qualquer assunto em toda a história humana que possa suportar mais do que vários segundos de análise lógica. E demora vários segundos porque muitas vezes somos lentos demais.

No entanto, o não cristão não se transformou em um animal. Resta uma faísca de razão nele, apesar de ser algo que é apenas uma sombra de inteligência. É por isso que os não cristãos, embora sejam muito estúpidos, geralmente não vagam pelas colinas como animais selvagens, ou urinam aleatoriamente nas ruas, ou balbuciam bobagens e espumam pela boca enquanto olham fixamente para o céu. Deus preserva sua capacidade de funcionar para seus próprios fins – para a glória de seu nome e o bem de seus eleitos.

Até mesmo Satanás pode aparecer como um anjo de luz, mas sua luz é aquela que cega o julgamento do homem, e não aquela que o guia para a verdade. Os não cristãos são como seu pai, o diabo. Em vez de usar o fraco intelecto que permanece neles para clamar a Deus por iluminação e perdão, eles o usam para construir interpretações alternativas do mundo e da realidade, e para conspirar contra o Senhor e seu povo. A ciência empírica é um dos exemplos mais proeminentes em nossos dias. Os não cristãos pensam que vendo, tocando e experimentando, eles podem inferir informações verdadeiras sobre a realidade. Mas a sensação não é confiável, a indução é falaciosa, e o método científico é meramente uma maneira sistemática de repetir o não confiável e o falacioso várias vezes. No entanto, os homens pensam que este é o ápice do desenvolvimento intelectual, o caminho seguro e mais justo para descobrir a verdade!

Jesus é o Senhor da Razão. 
Ele é a luz da mente. Embora por seu próprio decreto, o pecado obscureceu o intelecto do homem, por seu poder e para seu propósito, Ele preserva uma centelha da razão no não cristão. Mas Ele pode extinguir até mesmo essa minúscula inteligência sempre que desejar, como Ele fez por algum tempo em Nabucodonosor, de modo que sua sanidade foi tirada dele. Ele se tornou como um animal, e foi expulso do convívio com as pessoas e comeu a grama como gado (Daniel 4: 29-37). Por outro lado, naqueles a quem Ele escolheu para salvação e a quem Ele faz acreditar em sua palavra, Ele acende esta centelha de inteligência em um poderoso fogo, inundando suas mentes com luz – com clareza mental, profundidade de pensamento e compreensão da verdade.

Jesus é minha Razão. Ele é minha sabedoria, minha verdade, minha sanidade. Sem Ele eu estou perdido – não, não apenas perdido para o fogo do inferno, mas para crenças tolas e suposições irracionais. Por sua graça, Ele encheu minha mente com luz, com informações verdadeiras e percepção clara. Seus pensamentos não eram meus pensamentos, e seus caminhos não eram meus caminhos. Seus pensamentos estavam tão acima dos meus quanto os céus estavam acima da terra. Mas Ele me transformou – nasci de novo, desta vez, nascido de cima. Agora seus pensamentos se tornaram meus pensamentos, e seus caminhos se tornaram meus caminhos. Agora posso apreender a filosofia celestial, os pensamentos de cima, de maneira clara, precisa e unívoca. Há alguns que se consideram indignos dessa bênção, que se recusam a entrar e impedem que outros entrem. Mas esta é a herança de todos os crentes, e aqueles que têm fome e sede de sabedoria e verdade se afastarão das tradições humanas, das ameaças e decepções religiosas, e entrarão naquilo que Deus preparou para nós antes mesmo da fundação do mundo.

NOTAS DE RODAPÉ:

[4] "Ele usa aí a palavra 'Palavra', mas com um tal significado que ele pretende não só o poder do Filho de Deus, mas também um arranjo admirável e uma ordem bem definida que Ele colocou nas coisas criadas, visto que Ele é a sabedoria de Deus. E podemos contemplá-lo em todas as criaturas, porque Ele sustenta todas as coisas
através de sua virtude e poder". João Calvino, The Deity of Christ (Old Paths Publications, 1997), p. 30

[5] "E qual vida? Como todas as coisas são feitas e preservadas através da Palavra de Deus. No entanto, há algo mais excelente no homem, isto é, alma, inteligência e razão." Ibid., p. 32

[6] De qualquer forma, o Antigo Testamento é um livro cristão, e não um livro judaico.

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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. The View From Above. ed. 2009. pp. 16-20.

Traduzido por:
Cristiano Lima, em 22/07/2018.

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