A alegação sendo feita é que o teísta, ao afirmar a existência de Deus, demonstra automaticamente que ele aceita a prioridade da existência.
Os seguidores de Cornelius Van Til costumam afirmar como pressuposto a existência de Deus, ou a "Trindade Ontológica". Em contraste, eu não digo que meu Primeiro Princípio é a existência de Deus, mas que é toda a revelação verbal divina, que muitas vezes apenas chamamos de "a Bíblia". O Primeiro Princípio de Gordon Clark é: "A Bíblia é a Palavra de Deus".
Greg Bahnsen afirmou que, quando ele diz que seu ponto de partida é a existência de Deus, ou a "Trindade Ontológica", ele quer realmente dizer que o seu ponto de partida é toda a Bíblia. É claro que os significados desses termos não são nada parecidos, e é pedir demais que as pessoas entendam a "Trindade Ontológica" como "toda a Bíblia". Além disso, não estou certo de que essa afirmação seja comumente conhecida pelos seguidores de Van Til, e não parece ser consistentemente aparente em seu pensamento e prática.
É melhor sempre dizer que nosso Primeiro Princípio é a Bíblia, em vez da existência de Deus; isto é, é melhor evitar a implicação de que nosso Ponto de Partida é a simples existência de Deus. A diferença de linguagem entre Clark e Van Til nesse ponto é deliberada e também reflete uma diferença na clareza e na substância de seus pensamentos.
Começar a partir de toda a Bíblia, em vez da simples existência de Deus, evita muitos problemas e dificuldades. Se você começa com a simples existência de Deus, você não está começando com todas as proposições essenciais em sua cosmovisão bíblica, incluindo aquelas que são necessárias para afirmar a existência de Deus em primeiro lugar, tais como aquelas que têm a ver com epistemologia, linguística, e assim por diante.
Assim, a menos que você comece com uma cosmovisão completa, e então proceda por dedução, o sistema resultante sempre falhará. Por essa mesma razão, é inútil para os ateístas começarem com a "existência".[22]
Se eles começam com a existência pura, eles estão perdendo todo o resto, incluindo as coisas que eles precisam para afirmar essa primeira proposição.
Alguém me perguntou uma vez como responder se o não cristão afirmar usar a "lógica" como seu primeiro princípio. Pensar sobre essa pergunta nos ajudará com nosso tópico atual.
A lógica, ou para ser mais específico, a lei da não contradição, é de fato autojustificadora em um sentido – isto é, em um sentido próximo e subsidiário, e não um sentido último. Isso precisa de alguma explicação.
A lei da não contradição é autojustificadora, pelo menos no sentido de que ela é inegável; ou seja, você deve afirmá-la até mesmo para negá-la. Por causa disso, um não cristão pode considerar apropriado torná-la o ponto de partida de seu sistema.
Entretanto, a lei da não contradição não pode ser um primeiro princípio autônomo na cosmovisão de uma pessoa. Isso ocorre porque a lei em si não contém nenhuma informação, de modo que é impossível deduzir qualquer proposição dela. Como o conhecimento por dedução estrita não é mais uma opção, o não cristão deve afirmar axiomas adicionais, caso em que você deve criticá-lo, ou ele deve encontrar alguma maneira de fornecer informações para a lógica processar.
Por exemplo, se seus outros axiomas envolvem a intuição, então você pode atacar a intuição como base para o conhecimento. Esses outros axiomas também devem ser autojustificatórios, consistentes uns com os outros e suficientes para fornecer uma cosmovisão completa.[23] Caso contrário, o sistema falha desde o princípio.
Se somente a lei da não contradição é o seu primeiro princípio, e se ele não tem outros axiomas da intuição ou de alguma outra fonte, então ele deve fornecer o conteúdo para o seu primeiro princípio processar por indução, e isso provavelmente significa que ele deve afirmar alguma versão do empirismo. Junto com isso, ele também pode apelar para a ciência ou o método científico.
Nesse ponto, eu desafiaria o oponente a justificar racionalmente a indução, o empirismo e a ciência. Claro, ele vai dizer muitas coisas na tentativa de fazer isso, mas desde que a indução, o empirismo, e a ciência não podem ser racionalmente justificados, meu oponente não pode mais prosseguir. Eu não tenho que ouvir qualquer outra coisa que ele tenha a dizer, a menos que ele consiga passar por este ponto, mas ele nunca conseguirá passar por este ponto, isto é, a menos que eu o permita temporariamente por uma questão de argumento.
Por outro lado, alguém como Van Til aceitava a indução, o empirismo e a ciência, embora apenas que os considerasse ininteligíveis sem os pressupostos corretos. Isso é um erro porque a indução, o empirismo e a ciência são irracionais em si mesmos, e mesmo as pressuposições corretas não podem resgatar aquilo que é inerentemente errado.
Há outro ângulo a partir do qual podemos atacar um não cristão que reivindica a lei da não contradição como o primeiro princípio de sua cosmovisão. Ou seja, podemos apontar que qualquer proposição implica uma série de outras proposições – implica uma cosmovisão completa.
Ele poderia dizer: "A lógica é axiomática; é autojustificadora". Mas apenas para fazer essa afirmação é necessário uma teoria existente sobre epistemologia (lógica, verdade, conhecimento, etc.), metafísica,(ele deve ter uma teoria sobre a natureza da realidade para explicar o fato de que ele está falando etc.), de linguística ( já que ele está usando a linguagem) e várias outras coisas.
Isso significa que ele nunca pode descansar depois de reivindicar a "lógica" como seu axioma. A questão não é tão simples. Se você exigir dele, ele também deve apresentar sua visão sobre todos os assuntos relacionados que tornem possível sua afirmação desse axioma em primeiro lugar. Além disso, a sua visão sobre cada uma dessas áreas deve ser racionalmente defensável (você deve atacá-lo em cada uma delas) e coerente (por exemplo, sua visão da linguística não deve contradizer sua epistemologia). Nenhum não cristão pode satisfazer esses requisitos. Se você pressioná-lo, ele nunca será capaz de dizer apenas: a "lógica é meu axioma, meu ponto de partida".
Mesmo se reconhecermos que a lógica é autoevidente, isso de forma alguma ajuda o não cristão. A posição do cristão é completamente diferente e superior. Toda a Bíblia é seu Primeiro Princípio do qual ele deduz todas as informações necessárias para sua cosmovisão. A lógica é parte integrante das Escrituras desde o princípio, mas não é um axioma autônomo.
O acima exposto também se aplica quando um não cristão usa a "existência" como seu ponto de partida. Ele precisa muito mais do que apenas a ideia de "existência" em sua cosmovisão, a fim de afirmar a "existência".
A única estrutura noética defensável é a dedução de um Primeiro Princípio autojustificatório, e a única maneira de isso ser possível é se o Primeiro Princípio contém todas as informações necessárias para produzir uma cosmovisão completa. Se você não começar com toda a revelação que Deus nos deu, então o seu ponto de partida não terá as informações necessárias para você começar. Então, você terá que depender de sua sensação, sua intuição e raciocínio indutivo para suprir seu primeiro princípio com informações. Mas então, como você obteve este primeiro princípio? Se é por esses métodos (sensação, intuição, etc.), e se o seu primeiro princípio não os proveu a você, então como é que ele é primeiro? Além disso, se esses métodos falharem, e eles de fato falham, então, mesmo que você tenha permissão para reter seu estreito primeiro princípio, ainda assim é como se você não tivesse absolutamente nada.
Para revisar, em termos da estrutura de uma filosofia bíblica defensável, (não estamos falando sobre o que é metafisicamente anterior dentro da cosmovisão bíblica), Deus está no mesmo nível com tudo o mais no topo (que é o todo da revelação). Quer seja Deus, "existência", linguagem, epistemologia, etc., todos eles começam no topo com toda a revelação divina como o Primeiro Princípio. O argumento ateísta da existência parte da "existência", mas os ateístas não podem fazer isso a menos que também tenham tudo o que torna possível a afirmação da existência. Portanto, eles não conseguiram nada com esse argumento e ainda precisam obter uma cosmovisão completa.
NOTAS DE RODAPÉ:
[21] O que se segue é uma correspondência editada. O assunto é um "argumento da existência" usado por alguns ateístas. Minha resposta é uma aplicação do que escrevi em livros como Ultimate Questions e Apologetics in Conversation.
[22] A definição deles
de existência é circular, de modo que eles não podem sequer começar por aí, mas vamos ignorar isso por enquanto.
[23] Veja Vincent Cheung, Ultimate Questions.
_________________
Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Captive to Reason. ed. 2009. pp. 26-28.
Traduzido por:
Cristiano Lima, em 12/07/2018.
Nenhum comentário:
Postar um comentário