Essa visão da metafísica produz uma implicação necessária para a epistemologia. Se Deus controla todas as operações no universo, segue-se necessariamente disso que Ele controla todas as operações relacionadas ao pensamento e ao conhecimento. Se a existência e a operação contínuas do universo dependem de Deus, e o homem não é autônomo ou independente, então todas as suas aquisições de conhecimento e atividades intelectuais também dependem de Deus. Para dizer isso de outra forma, se Deus controla todas as coisas, então Ele também controla a mente do homem. Se Deus é a única causa de qualquer coisa, então Ele também é a causa de todo evento mental no homem. Se isso for negado, então a soberania de Deus também é negada. O Deus da Bíblia é novamente rejeitado, e o que resta não é mais a visão cristã.
Assim como o homem não pode existir ou funcionar sem Deus, o homem não pode conhecer ou pensar em algo sem Ele. Deus não apenas sustenta e controla todas as coisas, mas Ele soberanamente sustenta e controla todas as coisas. Ele pode trazer à vida ou levar à morte, fazer algo mover ou parar, e cria ou destrói, tudo por sua vontade e prazer. A mente do homem é apenas um aspecto do controle total de Deus sobre o universo; portanto, Deus também soberanamente controla todos os aspectos do conhecimento humano. Esse controle vem sob sua providência ordinária. Uma visão cristã da epistemologia necessariamente segue e é necessariamente consistente com essa visão cristã da metafísica.
Todas as alternativas são
e são falhas. O empirismo é um exemplo proeminente. Os empiristas defendem a confiabilidade da sensação, e aqueles que são mais extremos afirmam que o conhecimento vem apenas dos sentidos. Em contraste, afirmamos uma epistemologia da revelação fundada na infalibilidade das Escrituras. Nós rejeitamos o empirismo porque o ensino bíblico o contradiz e por causa de seus problemas inerentes e fatais. Nenhum conhecimento pode vir da sensação.
Os empiristas respondem: "Mas você deve confiar em suas sensações para ler a Bíblia". Este desafio é fútil. Quer possamos ou não derrotá-los, se eles não puderem responder aos argumentos contra o empirismo, então o desafio deles por si só não resgata o empirismo. Mesmo que eles refutassem a epistemologia da revelação bíblica, isso não significaria que uma epistemologia da sensação seria automaticamente justificada. Todos os argumentos antiempíricos permanecem em vigor até serem refutados.
No entanto, somos realmente capazes de responder ao desafio deles com base no que temos dito sobre a metafísica e a epistemologia bíblica. Consistente com a metafísica cristã, a epistemologia cristã afirma que todo conhecimento deve ser imediatamente - isto é, sem mediação - transmitido à mente humana por Deus. Assim, na ocasião em que uma pessoa olha para as palavras da Bíblia, Deus comunica diretamente o que está escrito à sua mente. Isto é, as sensações de uma pessoa proporcionam as ocasiões em que Deus transmite informações à sua mente à parte das próprias sensações. Portanto, embora leiamos a Bíblia, o conhecimento nunca vem da sensação.
Isso resolve novamente o problema mente-corpo, mas desta vez é ilustrado na direção inversa. Na metafísica, Deus facilita os movimentos físicos em correspondência aos pensamentos da mente; na epistemologia, Deus concede conhecimento à mente nas ocasiões das sensações, mas à parte das próprias sensações. Portanto, as sensações nada mais fazem que estimular a intuição intelectual, proporcionando as ocasiões em que a mente obtém conhecimento do Logos divino. Os empiristas devem explicar como as sensações físicas transmitem conhecimento para a mente incorpórea. É claro que alguns empiristas não cristãos não acreditam em uma mente incorpórea, mas que o conhecimento reside apenas em um cérebro físico. Embora possamos facilmente derrotá-los neste ponto, mesmo à parte disso, eles ainda precisam provar, por argumentos válidos e sólidos, como as sensações físicas poderiam transmitir qualquer informação ao cérebro físico. Ninguém pode fazer isso.
Os empiristas pensam que podem fazer inferências a partir das muitas sensações presentes à mente a qualquer momento para produzir conhecimento. No entanto, eu os desafio a escrever o processo em forma silogística para mostrar a validade lógica de tais inferências. Mesmo que eles pudessem escrever o processo do raciocínio, eles veriam que todas as inferências a partir das sensações são inevitavelmente falaciosas; nenhuma inferência a partir das sensações pode alcançar validade formal.
Por exemplo, se você está olhando para um carro vermelho, por qual processo válido de raciocínio você pode inferir dessa sensação a conclusão de que está olhando para um carro vermelho? É impossível.
Entretanto, se toda inferência a partir da sensação é falaciosa, então isso significa que toda inferência é uma conclusão desnecessária ou mesmo arbitrária a partir de premissas que em primeiro lugar são duvidosas. Mas uma cosmovisão empírica constrói suas proposições sobre essas inferências falaciosas. Assim, tal cosmovisão é inútil, embora seja abraçada por multidões.
A todo momento, você é bombardeado por muitas sensações, e se você for conhecer os objetos que está vendo através de uma epistemologia empírica, isso significa que sua mente deve organizar e combinar essas sensações para agrupar as que pertencem à seus objetos correspondentes.[15] Para ilustrar, suponha que você observe uma maçã sobre uma mesa. Para você reconhecer que existem dois objetos e quais são esses dois objetos, você deve ser capaz de dizer onde um objeto termina e o outro começa. Entretanto, isso requer que você conheça os atributos e as aparências desses objetos antes de observá-los, [16] mas o empirismo ensina que uma pessoa aprende os atributos e as aparências dos objetos pela observação. Se você deve conhecê-los antes de observá-los, e se você [não] pode conhecê-los apenas observando-os, então isso significa que você nunca poderá saber nada que você já não saiba. E se você seguir alguns empiristas ao afirmar que o homem nasce com uma mente em branco para ser preenchida com o conhecimento adquirido pela experiência, então, com base no empirismo, sua mente permanecerá em branco para sempre. A aquisição de conhecimento é impossível com base no empirismo.
[...]
A verdade é necessariamente proposicional, já que apenas uma proposição pode ser verdadeira ou falsa. Por métodos empíricos, é impossível comunicar qualquer proposição de uma mente humana para outra; em vez disso, apenas os Logos pode facilitar a comunicação. Desde que a epistemologia cristã rejeita o empirismo, ela não é atormentada por suas dificuldades. O único papel das sensações na epistemologia cristã é proporcionar a ocasião para a intuição intelectual; isto é, marca um tempo e um lugar em que o Logos comunica informações para a mente humana. A sensação em si fornece zero conhecimento ou informação. O homem depende de Deus para sua existência contínua e operações intelectuais; ele não é autônomo ou independente em nenhuma esfera da vida. Assim, é claro que "lemos" a Bíblia, mas isso não depende da sensação, mas da soberana vontade e poder de Deus.
Alguns teólogos concordam que o prólogo de João, pelo menos, sugere essa epistemologia. Como Ronald Nash escreve:
Depois de João descrever Jesus como o Logos cosmológico, ele apresenta-o como o Logos epistemológico. João declara que Cristo era "a verdadeira luz que ilumina todo homem" (João 1: 9). Em outras palavras, o Logos epistemológico não é apenas o mediador da revelação especial divina (João 1:14), Ele é também a base de todo o conhecimento humano.[19]
Vários dos pais da igreja primitiva também ensinaram essa visão: "Com base em João 1: 9, Justino Mártir argumentou que toda apreensão da verdade (seja pelo crente ou descrente) é feita possível porque os homens estão relacionados ao Logos."[20] Toda pessoa depende de Cristo para seu conhecimento e pensamento. Os crentes admitem isso; os incrédulos não.
Mesmo se alguém discordar dessa compreensão do prólogo, isso não enfraquece a epistemologia apresentada. Primeiro, nada no prólogo contradiz esta epistemologia. Em segundo lugar, esta epistemologia é uma consequência necessária da metafísica bíblica introduzida anteriormente. A Bíblia afirma que Deus criou e controla todas as coisas, e todas as coisas devem incluir todas as atividades intelectuais humanas. Terceiro, mais do que alguns versos bíblicos ensinam que Deus é aquele que soberanamente concede compreensão e conhecimento.
Deus é a única fonte de conhecimento e Ele revelou algo de seu conhecimento na Bíblia. Assim, a Bíblia é o primeiro princípio da cosmovisão cristã. A verdade que está disponível para nós consiste de proposições diretamente declaradas na Bíblia e de proposições que são validamente deduzidas dela ou que são endossadas por ela. Todas as outras proposições são, na melhor das hipóteses, opiniões injustificadas. Essa epistemologia bíblica segue necessariamente a metafísica bíblica. Qualquer outra epistemologia é indefensável e colapsa em ceticismo autocontraditório.
NOTAS DE RODAPÉ:
[15] Como Gordon Clark escreve, alguém pode “numa ocasião combinar a cor vermelha e o gosto suculento para fazer uma maçã, se ele desejar; mas ele não pode em outra ocasião combinar essa cor com o cheiro do sulfato de hidrogênio e o som do Si bemol para fazer um boogum?” Thales to Dewy; The Trinity Foundation, 2000 (original: 1957); p. 307-308
[16] De outra forma, você não saberia como organizar e combinar as sensações. Para agravar o problema, pela sensação é impossível dizer a distância entre dois objetos, ou que existe alguma distância entre dois objetos. O espaço em si não é observável aos sentidos; ninguém jamais viu ou tocou o "espaço".
[19] Ronald H. Nash, The Word of God and the Mind of Man; Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and
Reformed Publishing, 1982; p. 67.
[20] Ibid., p. 67.
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Extraído de:
CHEUNG, Vincent. Ultimate Questions. ed. 2010. pp.15-17,20.
Traduzido por:
Cristiano Lima, em 15/07/2018.
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